O poder político das empresas de comunicação – ferozes adversárias
das mudanças – atemoriza os governos, tornando-os reféns do atraso. E, o
telespectador, vítima da TV, não tem a quem reclamar quando vê uma
criança perguntando a uma “celebridade” como foi a sua primeira relação
sexual.
por Laurindo Lalo Leal Filho, na Revista do Brasil, via Carta Maior
Crianças fazendo perguntas de adultos para “celebridades” surgiu como
nova atração da Bandeirantes nas noites de domingo. Concorria com
Faustão, na Globo; Silvio Santos no SBT e Gugu na Record evidenciando
que o controle remoto não serve mesmo para nada. Troca-se de canal mas o
nível dos programas continua o mesmo.
A Bandeirantes tentou inovar, sair dos auditórios e das “escolinhas”,
e acabou colocando no ar um programa chamado “Conversa de gente grande”
que era, no mínimo, constrangedor.
Menores de 12 anos entrevistavam “celebridades” fazendo perguntas –
algumas claramente formuladas pela produção do próprio programa –
destinadas a provocar risadas nos adultos.
Para Alexandre Frota uma criança perguntou como tinha sido “a
primeira vez” do artista. Outra quis saber se Sabrina Sato havia feito
“o teste do sofá” para trabalhar na TV.
Como se nota a escolha dos entrevistados e das perguntas enquadra-se
perfeitamente no artigo da Constituição que estabelece preferência, nos
programas de rádio e TV, para conteúdos com “finalidades educativas,
artísticas, culturais e informativas”.
Diante de tais fatos inúmeras pessoas voltaram a perguntar “o que
fazer”? Infelizmente muito pouco. Não há a quem reclamar. No Brasil, ao
contrário do que acontece nas grandes democracias do mundo, não existe
um órgão regulador capaz de ouvir o público e dialogar com as emissoras.
A existência desse órgão foi prevista em alguns dos 19 ante-projetos
de lei para o rádio e a televisão, elaborados desde os anos 1980, mas
nunca levados ao Congresso. Continuamos praticamente com a mesma
legislação que, no último dia 27 de agosto, completou 50 anos.
Os governos brasileiros sofrem, na radiodifusão, da síndrome Jango.
Quando a lei entrou em vigor, João Goulart era o presidente da
República. Ele vetou 52 artigos do texto aprovado no Congresso, a
maioria favorecendo nitidamente os interesses dos radiodifusores. No
entanto, de forma inédita, o Parlamento brasileiro derrubou os vetos
presidenciais mostrando uma força que é até hoje inabalável.
Menos de dois anos depois, esses mesmos radiodifusores, aliados a
outros setores da mídia, obtiveram uma vitória maior: derrubaram o
presidente da República, integrados que estavam ao movimento
civil-militar de 1964. Essa talvez seja a razão principal da timidez de
todos os governos, desde então, de levarem adiante o debate em torno de
uma nova lei para a radiodifusão.
Há 50 anos o Brasil tinha 71 milhões de habitantes e só 5% possuíam
um aparelho de TV. Hoje somos quase 200 milhões e a televisão está em
98% dos domicílios. Hábitos, valores e costumes eram bem diferentes. A
pílula anticoncepcional não havia sido inventada e nem a mini-saia
virado moda. Era um país rural, com 80% da população morando no campo.
Hoje é o inverso mas a lei permanece a mesma.
Sem falar das diferenças tecnológicas. O video-tape era a grande
novidade permitindo, por exemplo, que Chico Anísio contracenasse com ele
mesmo. E os jogos da Copa do Mundo no Chile pudessem ser vistos aqui,
no dia seguinte. Tudo em preto e branco.
Uma lei feita para aquele momento é incompatível com os tempos
atuais. Por ser tão desatualizada não regula quase mais nada permitindo
abusos. Como o aluguel de horários para igrejas, a propriedade de vários
meios de comunicação por um mesmo grupo empresarial, a falta de
diversidade nas programações, a renovação das concessões de rádio e TV
sem debate público, entre outras aberrações.
Diante desse quadro, é óbvia a necessidade de uma lei de meios.
Aliás, ela já está pronta há muito tempo. Há contribuições, por exemplo,
dos ministros Sergio Motta e Juarez Quadros, dos governos Fernando
Henrique e, mais recentemente, do ministro Franklin Martins, no segundo
governo Lula.
Mas aí entra em cena a síndrome Jango. O poder político das empresas
de comunicação – ferozes adversárias das mudanças – atemoriza os
governos, tornando-os reféns do atraso. E, o telespectador, vítima da
TV, não tem a quem reclamar quando vê uma criança perguntando a uma
“celebridade” como foi a sua primeira relação sexual.
Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor
de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle –
A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).
Twitter: @lalolealfilho.
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