Com cada vez mais pessoas vivendo de restos, prefeitura tranca as latas como medida de saúde pública
SUZANNE DALEY, THE NEW YORK TIMES - O Estado de S.Paulo
Numa noite recente, uma jovem vasculhava uma pilha de caixas do lado de
fora de um mercado de frutas e legumes no bairro operário de Vallecas.
À primeira vista, parecia uma empregada do mercado. Mas não. Ela
procurava restos de frutas e legumes jogados no lixo para sua refeição.
Separou algumas batatas que achou boas para comer e colocou-as no
carrinho parado ao lado.
"Quando você não tem dinheiro, é isso que há", disse ela.
A jovem de 33 anos disse que trabalhava numa agência dos Correios, mas
que o prazo de recebimento do salário-desemprego esgotou e ela agora
vivia com 400 por mês. Estava morando num imóvel ocupado com alguns
amigos, onde ainda havia água e eletricidade, enquanto recolhia "um
pouco de tudo" do lixo depois de as lojas fecharem e as ruas ficarem
desertas.
Essa tática de sobrevivência é cada vez mais comum em Madri, que tem uma
taxa de desemprego de mais de 50% entre os jovens e cada vez mais
famílias com adultos desempregados. Esse ato de vasculhar as latas de
lixo se tornou tão difundido que uma cidade espanhola decidiu instalar
cadeados nas latas de lixo dos supermercados, como medida de saúde
pública.
Relatório da entidade católica Cáritas informou que quase 1 milhão de
espanhóis em 2010 recebeu ajuda, duas vezes mais do que em 2007. Em
2011, mais 65 mil pessoas foram incluídas na lista.
O governo, recentemente, aumentou o imposto sobre valor agregado em 3%
sobre muitos produtos e em 2% no caso de muitos alimentos, tornando a
vida ainda mais difícil para as pessoas já em dificuldade. E não há nada
em vista que possa aliviar a situação, uma vez que os governos
regionais do país, enfrentando crises no seu próprio orçamento, vêm
reduzindo gradativamente uma série de serviços anteriormente oferecidos
gratuitamente, incluindo almoços nas escolas para alunos de famílias de
baixa renda.
Sobrevivência. Para um número cada vez maior de espanhóis, o alimento
encontrado nas latas de lixo é a sua sobrevivência.
Num enorme mercado de frutas e legumes nos arredores da cidade,
operários carregavam o lixo para caminhões. Mas basicamente em cada
plataforma de carga homens e mulheres apanhavam o que caía nas
canaletas.
"É contra a dignidade dessas pessoas sair em busca de comida dessa
maneira", disse Eduardo Berloso, da prefeitura de Girona, cidade que
colocou cadeados nas latas de lixo dos supermercados.
Berloso propôs a medida no mês passado, depois de ser informado por
assistentes sociais e ver diretamente "o gesto de uma mãe com os filhos
olhando em volta antes de vasculhar as latas de lixo".
O relatório da Cáritas também informou que 22% das famílias espanholas
vivem na pobreza e que 600.000 não possuem nenhuma renda. E esses
números devem aumentar nos próximos meses.
Cerca de um terço daqueles que procuram ajuda, segundo o relatório,
nunca frequentaram locais que servem comida de graça antes da crise.
Para muitos, pedir ajuda é profundamente vergonhoso. Em alguns casos, as
famílias vão a esses locais em cidades vizinhas para que amigos e
parentes não os vejam.
Em Madri, recentemente, quando um supermercado se preparava para fechar,
no distrito de Vallecas, uma pequena multidão reunida, pronta para
saltar sobre as latas de lixo, logo depois ficou um tanto descontrolada.
Muitos reagiram furiosamente à presença de jornalistas.
No final, alguns conseguiram tirar alguma coisa antes de os caminhões
partirem com o lixo.
Mas pela manhã, no ponto de ônibus na frente do mercado, homens e
mulheres de todas as idades aguardavam, carregando o que conseguiram
recolher. Alguns insistiram que haviam comprado comida, embora aquele
fosse um mercado atacadista que não vende para pessoas físicas. Outros
admitiram ter vasculhado o lixo. Victor Victorio, 67 anos, imigrante do
Peru, afirmou que vinha regularmente ali para procurar frutas e legumes
no lixo. Victor, que perdeu seu emprego no setor da construção em 2008,
morava com sua filha e disse que levava o que encontrasse, - e nesse dia
conseguira pimentões, tomates e cenouras - para a casa.
"É a minha pensão", afirmou.
Para os atacadistas, ver as pessoas vasculhando o lixo é duro.
"Não é bom ver o que ocorre com estas pessoas", disse Manu Gallego,
gerente da Canniad Fruit. "Não devia ser assim."
Saúde. Em Girona, Berloso disse que, ao colocar cadeados nas latas de
lixo, seu objetivo foi preservar a saúde das pessoas e forçá-las a
procurar locais que servem comida gratuitamente. Com os cadeados
colocados nas latas de lixo, a cidade agora está enviando agentes civis
com cupons instruindo as pessoas a se registrarem para obter ajuda
alimentar e serviços sociais.
Ele disse que entre 80 e 100 pessoas regularmente vasculhavam o lixo até
a adoção das medidas, mas é muito provável que muitos mais estão
vivendo da comida jogada fora.
/ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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