O que significa a entrada dos gigantes bancários ICBC e Banco da China no mercado brasileiro? Uma coisa é certa: a concorrência vai esquentar por aqui. Saiba por quê.
Por Carla JIMENEZ, na Dinheiro
O
número 3.477 da avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, abriga o
edifício Pátio Malzoni, uma das mais modernas construções da região,
famosa por acolher escritórios de nomes estrelados do mundos dos
negócios, nacionais e internacionais. O empreendimento já foi batizado
de ‘jóia da Faria Lima’ por sua arquitetura suntuosa, com uma fachada de
vidro que cobre três torres de 21 andares, construídas numa área de 22
mil metros quadrados. É nesse endereço que o Industrial and Commercial
Bank of China (ICBC), o mais lucrativo e o maior banco em valor de
mercado do mundo, deve começar a operar ainda neste ano, depois de
receber a licença definitiva do Banco Central no mês passado.
Estratégia Zen: o ICBC e o Banco da China, que estão entre os maiores bancos do mundo,
fortalecem presença no País de olho no intercâmbio comercial.
O ICBC alugou um andar de 1,7
mil metros quadrados, de onde o chinês Zhao Guicai vai comandar a
operação brasileira, a 34ª do ICBC no exterior. A 4,5 quilômetros do
Pátio Malzoni, o Banco da China, que também integra a lista das maiores
instituições financeiras do mundo (veja o quadro abaixo), começa a
ocupar os dez andares de um edifício na rua Frei Caneca, 1332. Presente
no País desde 2009, o banco deve inaugurar a nova sede até o final do
ano – até então, ocupava dois andares de um edifício na região da
avenida Paulista. As duas instituições estatais são concorrentes e
partilham da mesma ambição: querem participar da expansão dos negócios
entre a China e o Brasil, traduzida numa corrente comercial que chegou a
US$ 77,1 bilhões no ano passado, segundo o Ministério do
Desenvolvimento, 37% a mais do que em 2010.
“Vamos criar uma plataforma de
investimentos para empresários chineses e brasileiros”, disse à DINHEIRO
Zhao Guicai, 45 anos, que chegará ao Brasil, junto com a mulher e a
filha, nas próximas semanas. “Temos planos de nos desenvolver como banco
de investimento e gestão de capital.” Essa é sua primeira incursão pelo
ICBC fora da China (leia entrevista ao final da reportagem). Como tudo
que é referente à China, os números do ICBC são superlativos. Só em
ativos são US$ 2,7 trilhões, mais do que o PIB brasileiro (US$ 2
trilhões), e superior aos ativos dos 50 maiores bancos brasileiros, que
somam cerca de US$ 2,2 trilhões. Embora não seja o maior do mundo por
esse critério, o ICBC é o líder global em valor de mercado, US$ 240
bilhões em março, seguido pelo China Construction Bank, com US$ 195,9
bilhões.
Dilma e Jiabao: parceria estratégica para quadruplicar comércio bilateral até 2021
Só depois dos chineses vêm o
americano Wells Fargo, o HSBC e o mítico J.P. Morgan. O Bank of China
está em sétimo lugar no ranking, com valor de mercado de US$ 128,8
bilhões. A crise europeia e americana fez os investidores valorizarem
muito a oportunidade de comprar ações dos bancos de uma das economias
mais dinâmicas do mundo. Mesmo com esse cacife, os chineses entram no
Brasil com operações pequenas, para tatear o mercado. O ICBC, por
exemplo, começa com um capital inicial de US$ 100 milhões, o que garante
a possibilidade de emprestar até US$ 1 bilhão no mercado, ao menos
inicialmente. É uma gota no oceano diante do tamanho do grupo. Mas
Guicai, nascido na província de Shan Dong, não tem pressa.
Neste momento, são focos de
atuação o financiamento das exportações bilaterais e o suporte
financeiro a atividades na área de infraestrutura e manufatura, e, no
médio prazo, serviços variados que vão de liquidações à assessoria em
fusões e aquisições. O mapa da mina dos bancos chineses atende pelo nome
de Plano Decenal de Cooperação, firmado em junho deste ano pela
presidenta Dilma Rousseff e o primeiro-ministro Wen Jiabao, durante a
Conferência Rio+20. Na
ocasião, os dois chefes de Estado anunciaram a elevação do
relacionamento sino-brasileiro ao patamar de “Parceria Estratégica
Global”. Guicai lembra que o Plano Decenal prevê metas de
atuação conjunta até 2021, como o projeto de quadruplicar o comércio
bilateral nesse período.
Varejo chinês: o presidente do Banco da China, Zhang Dongxiang,
vai atender pessoas físicas
Caso seja bem-sucedido, pode
proporcionar aos dois emergentes um intercâmbio superior a US$ 300
bilhões em 2021,o que garantiria negócios suculentos como um pato
laqueado para o ICBC. “Podemos fornecer serviços financeiros para apoiar
o desenvolvimento do comércio”, diz ele. Nesse sentido o rival Banco da
China saiu na frente. De 2009 para cá, a instituição vem se
familiarizando com o mercado brasileiro e tem, entre seus clientes,
empresas como Petrobras, Embraer e a BRFoods. No caso da Petrobras, por
exemplo, o banco atua como avalista de empresas na China que compram
petróleo da estatal. Segundo o presidente do Banco da China no Brasil,
Zhang Dongxiang, essa primeira etapa de atuação no País serviu para
organizar e estruturar sua operação de financiamento de comércio para o
mercado chinês.
“Agora, é hora de crescer e
ganhar volume”, afirma Dongxiang. Formado em administração, com mestrado
em economia, ele estima em R$ 25 milhões a receita da instituição no
ano passado. Assim como no caso do ICBC, trata-se de um volume acanhado
diante do potencial de negócios do Banco da China, que conta com mais de
10,3 mil agências nos 35 países em que está presente, atendendo mais de
150 milhões de clientes. Uma das apostas de Dongxiang para aumentar
seus resultados no País é oferecer atendimento às empresas brasileiras
que estão se instalando em território chinês. “Toda empresa que pretende
negociar com a China pode contar com a nossa rede de atendimento”, diz.
“Teremos uma filial na província, cidade ou distrito com a qual ela
estiver fazendo negócios.”
Freiberger, do HSBC: 10% do comércio bilateral já tem suporte
do banco fundado em Hong Kong
Os dois bancos, entretanto, vão
concorrer na oferta de serviços financeiros no comércio Brasil-China com
pelo menos uma instituição já instalada no País, o HSBC. Fundado em
Hong Kong, e presente no Brasil desde 1997, quando adquiriu o
Bamerindus, o banco atende a cerca de 30 empresas chinesas no Brasil e
em torno de 20 empresas brasileiras na China. Em 2009, o banco decidiu
liderar o atendimento aos negócios bilaterais, de olho no protagonismo
que os chineses ganharam como principal parceiro brasileiro. “Nós já
damos suporte a pelo menos 10% do fluxo comercial entre os dois países”,
diz Fernando Freiberger, diretor de corporate banking do HSBC. Ou seja,
dos US$ 77 bilhões de comércio entre os dois países, US$ 7 bilhões
tiveram a participação do HSBC.
Mesmo com a concorrência local,
os executivos dos bancos chineses estão confiantes. Dongxiang, do Banco
da China, tem planos ambiciosos. Além do corporate banking, o banco deve
estrear no varejo, com a oferta de produtos e serviços básicos, como
conta corrente, cartão de crédito e empréstimos consignados. A
princípio, serão abertas representações do Banco da China em São Paulo e
no Rio de Janeiro. Mas não está descartada a expansão para outros
Estados, onde houver maior concentração de clientes. “Por ora, a ideia é
investir no atendimento virtual”, diz Dongxiang, que já dirigiu a
subsidiária do banco na Alemanha antes de chegar ao Brasil, em maio
deste ano.
O executivo tem aulas de
português, mas ainda precisa de um intérprete para se fazer entender.
“Se aprendi alemão, não tenho por que não aprender português”, diz
Dongxiang, que simpatiza com o futebol brasileiro, em particular com o
Corinthians, que contratou seu conterrâneo, o atacante Chen Zizao. Neste
momento, não está no radar dos chineses a aquisição de concorrentes
brasileiros. “Mas, dependendo do desenvolvimento do mercado, essa
hipótese pode ser considerada”, diz Guicai, do ICBC. O presidente do
Banco da China segue a mesma linha. “Precisamos, primeiro, expandir
nossa atividade para vir a considerar alguma aquisição”, afirma
Dongxiang. Com
recursos multibilionários, os gigantes asiáticos teriam poder de fogo
para comprar ativos locais e, inclusive, alterar o ranking do setor
financeiro nacional.
Mas não há nada que aponte para
uma estratégia nesse sentido, ao menos no curto prazo. Ao contrário, a
atuação internacional das duas instituições tem sido discreta. “A razão
que explica a entrada do ICBC e a expansão das atividades do Banco da
China no País é o aumento do número de empresas chinesas no Brasil”, diz
o economista chinês Bo Zhuang, da consultoria britânica Trusted
Sources, especializada em mercados emergentes. Zhuang, que chefia o
escritório da Trusted, em Pequim, explica que a atuação do ICBC e do
Banco da China no mercado internacional é caracterizada por movimentos
modestos na área de varejo. O ICBC, por exemplo, opera redes de não mais
que dez ou 20 agências nos países em que está estabelecido fora da
China.
Na Argentina, por exemplo, o
grupo comprou, no ano passado, três agências do sul-africano Standard
Bank, e faz planos para entrar no Peru, também com a incorporação de um
pequeno banco.“A atuação dos chineses não vai causar nenhum impacto
significativo no sistema financeiro brasileiro, como foi o caso do
Santander, por exemplo”, afirma Zhuang. O banco espanhol, desde que
chegou ao País, em 1997, adquiriu quatro instituições brasileiras,
incluindo o Banespa, em 2001, e as operações do holandês ABN Amro, em
2008, o que o guindou ao quarto lugar no ranking do setor. Ao contrário
da fúria espanhola, os chineses preferem adotar um estilo mais zen. Seja
como for, é notório que o interesse dos bancos pelo Brasil aumentou,
não só pelos planos do ICBC e do Banco da China como também pelo
movimento de outras instituições financeiras.
O China Construction Bank (CCB) e
o Bank of Communication estariam sondando o mercado brasileiro em busca
de ativos disponíveis. O CCB até tentou adquirir a filial local do
alemão WestLB, no primeiro semestre deste ano. O grupo foi assessorado
pelo BTG Pactual e o mercado dava como certo que a venda seria fechada.
Mas, em junho deste ano, o WestLB foi arrematado pelo banco japonês
Mizuho. Embora contrariados, os executivos do CCB não arquivaram seus
planos, explica uma fonte próxima. “Eles continuam avaliando outras
compras“, afirma. O foco dos chineses são bancos pequenos, observa Hsia
Hua Sheng, mestre em finanças pela Fundação Getulio Vargas, de São
Paulo. “É o modo de começar a conhecer o mercado brasileiro”, diz.
Tang, da CCIBC: "A China pretende investir em muitos setores
por muito tempo"
Enquanto isso, o Banco da China
aproveita a vantagem do pioneirismo e já faz planos de estabelecer
parcerias com bancos nacionais. A ideia, segundo o presidente Dongxiang,
é garantir aos clientes de outros bancos que fazem negócios com a China
o acesso a sua vasta rede de agências no território chinês. “Podemos,
também, apresentar a algum parceiro local os nossos clientes chineses”,
afirma Dongxiang. A contrapartida seria aproveitar as redes de
atendimento no Brasil para ofertar os produtos e serviços com a marca
chinesa. Para Erivelto Rodrigues, presidente da agência de risco Austin
Ratings, e especialista no setor financeiro, a estratégia do Banco da
China é inteligente e faz todo o sentido.
“É um bom negócio para os dois
lados, pois nenhuma companhia pode desprezar o poder da China nos dias
atuais”, diz Rodrigues. Mais do que isso, a chegada dos chineses no
setor bancário é uma boa notícia para o Brasil, avalia Hsia Hua Sheng,
da FGV. “Não só para fortalecer o comércio exterior, mas como fator de
atração de novos investimentos diretos”, diz. No ano passado, o
investimento chinês no País, segundo a Câmara Empresarial Brasil China,
foi de US$ 10,8 bilhões. Neste ano, o capital asiático continua
chegando. A petroleira Sinopec, por exemplo, adquiriu 30% dos ativos da
portuguesa Galp na Petrogal, que atua na exploração da camada do pré-sal
na Bacia de Santos.
“Há interesse de investir em
diversas áreas e por muito tempo”, diz Charlie Tang, presidente da
Câmara de Comércio e Indústria Brasil China (CCBIC). Além do petróleo, a
China investe pesado em energia. Só a State Grid anunciou na semana
passada que planeja investir US$ 5 bilhões até 2015, em geração,
transmissão e distribuição. Em veículos, a montadora Chery, que deu
início às obras de uma fábrica em Jacareí (SP), está investindo US$ 400
milhões. É justamente o potencial de negócios envolvido na migração de
seus compatriotas o pano de fundo para a discreta, mas persistente,
entrada dos bancos chineses no Brasil.
“O Brasil será o motor da economia global”
O presidente do ICBC Brasil,
Zhao Guicai, aposta na consolidação das relações entre a China e o
Brasil, e não descarta entrar no varejo e até adquirir bancos locais.
Como o sr. vê a economia brasileira?
O crescimento do Brasil nos
últimos anos consolida sua economia, especialmente desde a crise de
2008.O País já se tornou a sexta economia do mundo. A Copa e a Olimpíada
de 2016 também vão estimular o crescimento, com a consequente geração
de empregos. Se, nos próximos anos, forem resolvidos os problemas com
câmbio, inflação e os custos trabalhistas, o Brasil vai se tornar o foco
do mundo e o motor da economia global.
Qual será o foco do grupo no Brasil?
Queremos fortalecer a oferta de
financiamentos de comércio sino-brasileiro. E ainda, ter serviços
financeiros especialmente voltados aos projetos locais de
infraestrutura, industriais e para empresas de destaque. Temos planos de
desenvolver-nos como banco de investimento e gestão de capital, criando
uma plataforma para os investidores chineses e brasileiros.
Quais são as áreas de interesse?
Solicitamos a licença de banco
comercial e de banco de investimento para o BC brasileiro. No futuro,
podemos oferecer serviços de depósitos, empréstimos, liquidação,
consultoria de fusões e aquisições. Temos interesse em participar de
qualquer área que ajude a desenvolver a relação entre a China e o
Brasil.
Como o banco fará a ponte dos negócios bilaterais?
Segundo o Plano Decenal de
Cooperação, firmado pelos governos brasileiro e chinês, o volume de
comércio vai quadruplicar até 2021. Nesse contexto, o ICBC pode apoiar o
comércio e investimento bilateral. Podemos, também, apresentar as
empresas brasileiras ao mercado asiático ou as chinesas ao mercado
brasileiro.
O ICBC financia operações da Embraer na China. Que outras empresas estão sendo financiadas por lá?
Em 2010, participamos do projeto
de emissão das novas ações da Petrobras, que levantou um capital de US$
1,2 bilhão. Isso não só ajudou a Petrobras a captar recursos como
também estabeleceu uma boa imagem e fortaleceu a reputação da companhia
no mercado asiático.
O ICBC vai adquirir algum banco brasileiro?
Neste momento, não temos planos, mas, com o desenvolvimento do mercado, não excluímos essa possibilidade.
O ICBC segue os investimentos de empresas chinesas no mundo?
Estamos tentando nos desenvolver
como um banco mundial. Seguir os investimentos de empresas chinesas ao
redor do mundo é inevitável. Até agora, temos divisões em 34 países. Por
causa disso, o significado do ICBC Brasil para a estratégia
internacional do banco é enorme.
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