domingo, 31 de julho de 2016

Elite quer Brasil eternamente no terceiro mundo

Elite brasileira sem retoques
Wagner Iglecias


Essa caçada implacável que faz contra Lula, através de seus braços jurídico e midiático, demonstra o caráter absolutamente irresponsável da elite brasileira. Ela quer, e creio que vai conseguir, destruir a única liderança política surgida nos últimos 50 anos neste país que conseguiu promover o diálogo entre os de cima e os de baixo. A única liderança que poderia construir um capitalismo menos brutal neste país que é a 7ª maior economia do mundo e ao mesmo tempo aparece entre os campeões mundiais de má distribuição de renda, junto com Botswana, Colômbia, Guatemala, Zâmbia, Honduras, Suriname etc.

Quem desmoraliza a justiça brasileira é a própria justiça brasileira — e não Lula

Respeitar como?


Quem desmoraliza a justiça brasileira é a própria justiça brasileira.

Ou, para sair do plano impessoal: são os juízes brasileiros.

Não adianta fingir indignação com Lula por recorrer a um tribunal internacional. É mais decente olhar para o espelho e dizer: “Onde foi que erramos? Que podemos fazer para recuperar a dignidade perdida?”

São absurdos de todos os lados. Materiais, por exemplo. Privilégios, mordomias em doses copiosas. Nenhum respeito pelo dinheiro público. Quem não se lembra dos 90 mil reais que Joaquim Barbosa queimou para reformar os quatro, repito, quatro banheiros do seu apartamento funcional?

Isto, em si, conta uma história.

Passemos agora para o plano do comportamento. Em que sociedade minimamente avançada você vai ver um juiz tão descaradamente ativista de direita como Gilmar Mendes?

Gilmar Mendes chegou a ser flagrado num telefonema com Bonner para combinar uma pauta do JN. É uma coisa de um primitivismo brutal: não evidencia apenas a falta de ética da justiça mas, também, da imprensa.

A desenfreada militância política de Gilmar Mendes jamais foi objeto de um único editorial reprovador. Claro, mídia e justiça são aliados. Mas a ausência de fiscalização da imprensa não elimina o mal que Gilmar faz à imagem da justiça. Não põe sequer para baixo do tapete.

E chegamos agora a Moro.

É um horror — não existe outra palavra — que Moro se deixe fotografar ao lado de João Dória, dos irmãos Marinhos, do autor de um livro de um jornalista da Globo que o glorifica e arrasa Lula.

É o triunfo do despudor. Você está dizendo qual é o seu lado, o que num juiz é intolerável.

De novo: as consequências para a reputação da justiça são monstruosamente negativas. É um ato de autodesmoralização fulminante. É algo que é aplaudido por fanáticos antipetistas e incentivado pela mídia plutocrata.

Mas de novo: nada disso altera o absurdo da situação.

E as parcerias de Moro e Lava Jato com Globo, Folha etc nas operações circenses que miravam invariavelmente o PT?

Em suma.

Você tem que se dar ao respeito antes que possa exigir que os outros o respeitem.

A justiça não se dá ao respeito.


É dentro desse quadro que Lula recorreu à ONU — com inteiro, total, monumental acerto.

Defesa de Lula responde ao sindicato dos bandidos de toga

Confira a íntegra do comunicado feito pela defesa do ex-presidente Lula:

Em relação à nota divulgada ontem (28/07/2016) pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que manifestou "repúdio à petição encaminhada pelo ex-presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU)", é preciso esclarecer que:

1 – Nenhuma medida prevista em lei – muito menos em um tratado internacional subscrito pelo Brasil (que tem natureza supralegal) – para a defesa das garantias fundamentais pode ser entendida como forma de "constranger o andamento de quaisquer investigações em curso no País". O Poder do Estado não é ilimitado e as medidas legais servem justamente para impedir ações arbitrárias ou ilegais de agentes estatais contra qualquer cidadão;

2- O Brasil incorporou o Pacto dos Direitos Civis e Políticos adotado pela ONU em 1992, quando assumiu a responsabilidade pela implementação e proteção dos direitos fundamentais ali previstos. Em 2009, o País aderiu ao Protocolo Facultativo desse mesmo Pacto (Decreto Legislativo no. 311), o qual permitiu que qualquer cidadão brasileiro que seja vítima de violação das garantais fundamentais previstas nesse Pacto possa fazer um comunicado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, nas condições ali previstas;

3- O combate à corrupção é fundamental, mas somente será legítimo e haverá resultados efetivos, se for realizado com a observância do devido processo legal e das garantias fundamentais. Violam os direitos fundamentais, sem qualquer sombra de dúvida, a privação da liberdade sem previsão legal, a divulgação de conversas interceptadas e o monitoramento de advogados, para bisbilhotar estratégia defesa, além do fato de o juiz assumir o papel de acusador. Tais condutas – que são os fundamentos centrais do comunicado levados à ONU - afrontam os artigos 9º. 14 e 17 do citado Pacto dos Direitos Civis e Políticos;

Dessa forma, o protocolo do comunicado na data de ontem (28/07/2016) perante o Comitê de Direitos Humanos da ONU deveria ser entendido como meio de defesa das garantias fundamentais, previsto em instrumento de caráter supralegal, e não motivo de repúdio.

Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins

Somos todos vítimas e testemunhas de abusos de autoridade

Janio de Freitas

O abuso, seja do que for, nunca é abuso na visão de quem o pratica

A oposição de juízes e procuradores ao projeto contra abuso de autoridade, em tramitação no Senado, pode estar certa no varejo de alguns artigos, mas não no atacado da proposta toda. O equívoco se inicia já pela ideia de que o projeto é contra os juízes e procuradores, esquecendo que polícias e outros setores que falam pelo Estado são focos permanentes de abuso de autoridade.

É inegável que o projeto foi sugerido pela insegurança que a Lava Jato difunde entre políticos. Daí a deduzir que a sua finalidade é impedir o combate à corrupção, como dizem Sérgio Moro e seu grupo de procuradores, falta muito.

O projeto e as emendas possíveis estão sujeitos a erros, e isso fica evidente já na autoria: Renan Calheiros, carregado de situações negativas na Justiça, só por assinar o projeto já o põe sob suspeições. Somos todos, no entanto, vítimas e testemunhas de abusos de autoridade. Variados na forma e na gravidade. Persistentes e apenas por exceção punidos ou extintos. Se há oportunidade de prevenir alguns deles, o que convém é discutir as maneiras de fazê-lo. Isso, os que se sentem visados não fizeram.

O abuso, seja do que for, nunca é abuso na visão de quem o pratica. Sérgio Moro considera perfeita a retenção de um suspeito na cadeia até que, moral e psicologicamente destroçado, se ajoelhe à delação premiada. Sem que com ela venha certeza alguma da veracidade e dos propósitos de delações acusatórias.

Se invocada a utilidade da delação para direcionar investigações, verdade maior é que incriminações e prisões valem-se, com frequência, apenas do dito por delatores. É o que ocorre, por exemplo, com a delação feita por Delcídio Amaral já depois que despiu a credibilidade construída no Congresso.

Procuradores entraram com recente ação contra o juiz Ricardo Soares Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, pedindo seu afastamento da Operação Zelotes. Acusaram-no de decisões abusivas que dificultavam provas da corrupção, em torno de bilhões, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, da Receita Federal. Procuradores também sabem, portanto, o que é a combinação de autoridade e deslimite, encontrável até onde a autoridade deve significar o limite. Ou, ao menos, sabem quando o ato que extrapola não é seu.

Há muitas vozes sérias e experientes contra o que entendem como excessos judiciais. Não raro ilegais, além de violentos. Ouvi-las é conveniente a todos, e o projeto contra abuso de autoridade é capaz de fazê-lo se submetido, não a um ataque letal, mas a uma apreciação sem facciosismos, interesses subalternos e corporativismo.

O ministro Luiz Barroso assumiu no Supremo Tribunal Federal quando estava em curso uma espécie de repassagem das discussões e decisões. Com a finura habitual, disse não se sentir à vontade para apoiar as condenações, já feitas, por formação de quadrilha. E expôs a sua ponderação.

Aos poucos, baixou no tribunal um ambiente de serena racionalidade, retomando o que o emocionalismo e a ira haviam engolfado, com desprezo insultuoso pelos esforços do revisor Lewandowski por alguma objetividade. Deu-se a reversão de vários votos: as condenações por formação de quadrilha caíram.

Seriam, no entanto, se mantidas, mais do que erros de apreciação e decisão. Decorreram do uso excessivo da autoridade, com a permissão pessoal de que a exaltação tomasse o lugar do equilíbrio no julgamento. Uma forma não reconhecida, mas inegável, de uso abusivo da autoridade, que levaria vários sentenciados a perder mais vida na cadeia do que deveriam.

A autoridade é, em si mesma, um abuso nas relações humanas. O que quer que elimine uma partícula sua, será civilizador e de justiça. Caso não tenha forma abusiva –o que, no projeto contra abuso de autoridade, não é difícil evitar.

Mais razão têm os procuradores contra maiores concessões a quem traga dinheiro mandado ao exterior por meio ilegal. Michel Temer apoia mais benesses. Do gabinete de Rodrigo Janot, no entanto, vem o argumento, exposto por Mônica Bergamo, contrário às regras em vigor por "premiarem quem cometeu irregularidades escondendo dinheiro no exterior, ao permitir que, pagando impostos e multa, regularizem a situação". Não é isso a versão financeira da delação premiada que a Procuradoria-Geral da República consagra na Lava Jato? Pois é.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Não há poder mais corrupto do que o Judiciário

Preso desde abril, o desembargador Evandro Stábile, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, foi agora condenado à aposentadoria compulsória pelo Pleno da corte da qual ele fazia parte. Com a decisão administrativa, que foi unânime, ele continua a receber o salário, mas não tem mais direito a benefícios.


Nos Estados Unidos, ele seria preso pelo resto da vida.
Na China, seria fuzilado.
No Brasil, é premiado.
Não há poder mais corrupto do que o Judiciário.

Nilson Lage

Petrobras: traíras vendem primeiro campo do pré-sal

Empresa perdeu hoje mais que uma Lava Jato inteira

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No Tijolaço:
Venda de Carcará: Petrobras perdeu hoje mais do que com a Lava Jato inteira

O governo Michel Temer e o gestor que ele colocou na Petrobras, o ex-ministro do apagão Pedro Parente tiraram, hoje, da Petrobras, mais do que todos os desvios de paulo Roberto Costa, Pedro Barusco, Nestor Cerveró e todos os outros ratos que roeram o dinheiro da Petrobras nos casos investigados pela Operação Lava Jato.

A venda do campo de Carcará para a norueguesa Statoil é um desastre que pode see explicar com uma conta muito básica.

Mesmo a 50 dólares o barril, campos como Carcará – onde os estudos já apontaram para uma produção superior a 35 mil barris diários por poço – remetem a um custo mais baixo do que a média já fantástica de US$ 8 dólares por barris atingida no pré-sal. Depois de pagos royalties (Carcará é anterior à lei de partilha), impostos, custos de transporte e tudo o mais. é conta muito modesta estimar um lucro de US$ 5 por barril. Pode até ser o dobro.

Carcará teve colunas de rocha-reservatório até quatro vezes mais extensas que Sapinhoá (ex-Guará) e sua metade oeste, onde estão os poços, tem mais ou menos a mesma área. Sapinhoá tem uma reserva medida de 2,1 bilhões de barris de óleo recuperável, isto é, que pode ser extraído.

Pode, portanto, ser maior, muito maior.

Ma já se Guará tiver o mesmo, apenas o mesmo, faça a conta: lucro de mais de 10 bilhões de dólares, a cinco dólares por barril.

Ou R$ 33 bilhões, ao dólar de hoje. Como a Petrobras detinha 66%, dois terços, da área, R$ 22 bilhões.

Pode ser mais, muito mais, esta é uma conta conservadora.

Este campo foi vendido por R$ 8,5 bilhões, metade a vista e metade condicionada à absorção de áreas vizinhas, dentro do processo que, na linguagem do setor, chama-se “unitização”, quando o concessionário leva as áreas nas quais, mesmo fora do bloco exploratório original, a reserva petrolífera se prolonga, na mesma formação geológica.

Como o valor estimado das roubalheiras na Petrobras ficou na casa de R$ 6,2 bi, nos cálculos folgados que se fez para a aprovação de seu balanço, tem-se uma perda de mais de duas Lava Jato.

Sem incluir na conta as centenas de milhões de dólares gastos na perfuração dos três poços pioneiros – muito mais caros que os de produção normal – e nos estudos e sensoriamentos geológicos que fez para determinar o “mapa” da reserva.

Reproduzo, por definitiva, a frase do professor Roberto Moraes: “o que é legal pode ser muito mais danoso que o ilegal”.

Ontem, Parente pediu pressa no fim da lei da partilha. Hoje, vendeu Carcará.

Fez, assim, da Petrobras a única petroleira do mundo que diz que não quer lugar cativo nas melhores jazidas de petróleo descobertas neste século. Faz dela a única que dá, a preço de banana, o que já tinha do “filé” do filé do pré-sal.

Juiz que tornou Lula réu foi acusado de atrapalhar investigações da Operação Zelotes


Abaixo, um texto da Carta Capital de 2015 que joga luzes sobre o juiz que tornou Lula nesta sexta réu da Lava Jato:

Titular da 10ª Vara Federal Criminal de Brasília, o juiz Ricardo Augusto Soares Leite será investigado pela Corregedoria por conta de suas ações à frente da Operação Zelotes. Responsável por desarticular uma suposta organização criminosa a atuar no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão ligado ao Ministério da Fazenda, a operação da Polícia Federal tem dificuldades desde seu início por conta da ação do juiz. O pedido de abertura de uma correição extraordinária na Vara comandanda por Leite partiu da procuradora Regional da República Valquíria Oliveira Quixadá Nunes, integrante da força-tarefa criada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Leite, afirmam os investigadores da Zelotes, barrou vários pedidos de prisão preventiva solicitados pela Polícia Federal e paralisou as interceptações telefônicas quando as diligências caminhavam para comprovar crimes praticados por altos funcionários de bancos como o Safra, Bradesco e Santander. A 10ª Vara é a única especializada em lavagem de dinheiro de Brasília. Por ela, obrigatoriamente, passam todos os inquéritos e processos relacionados ao combate à corrupção na capital federal. A postura de Leite já havia sido criticada pelo coordenador da força-tarefa da Zelotes, o procurador Frederico Paiva. Em coletiva de imprensa, Paiva afirmou que a operação não sensibiliza a mídia e que o juiz tem um histórico de acúmulo de processos que deveria ser acompanhado de perto.
Última instância à qual o contribuinte brasileiro pode recorrer para reverter dívidas com a Receita Federal, o Carf acumula, atualmente, cerca de 105 mil processos cujo valor ultrapassa 520 bilhões de reais. Até então esquecido dentro da estrutura do Ministério da Fazenda, o órgão ganhou o noticiário após a Polícia Federal desarticular um esquema responsável por negociar votos de seus conselheiros e fraudar votações que causaram um prejuízo estimado em 6 bilhões de reais. São 74 processos investigados no valor de 19 bilhões de reais em dívidas de bancos, montadoras de automóveis, siderúrgicas e inúmeros grandes devedores que apostavam na corrupção de agentes públicos para burlar o pagamento de impostos. Na opinião dos investigadores da PF, trata-se da maior fraude tributária descoberta no Brasil.

Liberais brasileiros pregam estado mínimo, mas querem ter contas pagas pelo governo

Muita gente fala em estado mínimo e gosta de ter contas pagas pelo governo 

Uma das poucas ideias a orientar as ações do dito "governo" Temer é desmontar, o mais rápido possível, toda a estrutura de direitos trabalhistas e serviços públicos do Estado em nome da "austeridade".

O jogo é velho como a roda e consiste em vender à população a ideia de que a manutenção de serviços públicos e direitos é sinônimo de gastança, de abuso e de privilégio .

Nisso, o governo recebe aplausos de pé dos setores da imprensa que fazem de tudo para jogar o Brasil de volta ao capitalismo do século 19, este mesmo capitalismo onde trabalhar 44 horas por semana é pouco, já que é sempre possível esfolar trabalhadores, obrigando-os a jornadas de 60 horas, como sonha o presidente da Confederação Nacional da Indústria, arauto da nova modernidade nacional.

Na semana passada, um jornal de grande circulação chegou ao cúmulo de assinar editorial afirmando que, agora, garantir universidades públicas era simplesmente "injusto".

É verdade que isso não devia nos surpreender. Em um país no qual a elite conseguiu proezas inacreditáveis na arte de suspender o princípio de não contradição, como ser, ao mesmo tempo, liberal e escravocrata, oligarca e republicana, não é nada estranho que um jornal diga que educação pública é algo injusto.

Os argumentos, como sempre, são pedestres. O raciocínio de base consiste em dizer que as universidades públicas brasileiras financiam a elite econômica do país.

No entanto, não há número algum que corrobore esta leitura. Por exemplo, no caso da USP, 60% de seus alunos são egressos de famílias que ganham até dez salários mínimos.

Um família que ganha até dez salários mínimos não é elite nem aqui nem em lugar algum. As outras universidades federais tem números ainda mais expressivos, basta ter o interesse em procurá-los.

Da mesma forma, são primários os argumentos daqueles que se aproveitam do momento para dizer que a universalização do sistema público de saúde não é mais possível.

Notem que essas pessoas não estão preocupadas em aumentar a participação dos setores mais pobres nas universidades públicas nem procurar vias alternativas para financiamento público da saúde. Elas querem simplesmente desresponsabilizar o Estado de fornecer serviços a seus cidadãos para que elas possam pilhar melhor o dinheiro dos seus impostos.

Pois não se engane: o projeto é criar um Estado mínimo apenas para você. Porque, enquanto o Estado é mínimo para você, ele é generoso com aqueles que usam as leis para defender seus patrimônios e investimentos. Os mesmos bancos que pagam seus consultores para falar contra seus direitos não temem em recorrer ao Estado quando os negócios vão mal. Citibank, BNP/Paribas, Deutsche Bank que o digam.

Por exemplo, no mesmo momento em que seu jornal estava repleto de defensores dessa versão singular de nova justiça social, o governo brasileiro deu um aumento salarial de mais de R$ 40 bilhões para funcionários, em especial do judiciário com seus cargos nababescos. Uma maneira de comprar o silêncio e a governabilidade depois do golpe.

Enquanto o governo de São Paulo aprimorava-se no jogo de fechar escolas sem fazer alarde, ele perdoava R$ 116 milhões de dívidas da empresa francesa Alstom, por coincidência a mesma empresa envolvida nos escândalos do metrô. Pergunte quantas escolas poderiam funcionar melhor com este dinheiro.

Enquanto o ministro da Saúde sai todos os dias com uma afirmação de que o SUS não pode mais existir como tal, o governo brasileiro paga R$ 600 bilhões por ano em serviços da dívida pública. Uma dívida que nunca foi auditada, mesmo que exista lei constitucional desde 1988 obrigando o Estado a tanto. Agora, procure saber por que ela nunca foi auditada.

Não seria devido ao fato de grande parte dela ter sido resultante de socialização de dívidas de entes privados, ou seja, em bom português, uso de dinheiro público para pagar dívida de empresário e banqueiro? E que tal falar do imposto sobre grandes fortunas, que daria ao governo ao menos R$ 70 bilhões por ano?

Como você pode ver, o embate não é sobre o tamanho do Estado, mas sobre para onde vai o dinheiro, se para seus cidadãos ou se para a casta especializada em viver às custas das benesses auferidas pelo dinheiro público. O mais engraçado disso tudo é ver esse tipo de espoliação sendo vendida sob o nome de "ideias liberais".

A dupla Temer e Serra quer entregar a Base de Alcântara aos EUA

A base de lançamento de foguetes de Alcântara (MA) tem sido um símbolo duplo em nosso país. 
 
Durante o governo tucano de Fernando Henrique Cardoso foi o mais veemente signo da submissão às imposições do imperialismo norte-americano.
 
A resistência contra a tentativa de entrega da base aos EUA foi enorme e, logo no começo do governo Lula, em 2003, aquele simbolismo adquiriu significado inverso, e o acordo foi descartado por ser lesivo aos interesses do Brasil e à soberania nacional.
 
Mas a alma de “vira-latas” voltou a controlar a presidência da República e as relações externas do país que, com o governo do golpista Michel Temer, se submete novamente às ordens de Washington. 
 
A função que foi exercida brilhante e soberanamente pelo chanceler Celso Amorim agora é ocupada pelo interino José Serra que, em conluio com o impostor Temer, quer retomar a política abandonada desde 2003, para ceder a base de Alcântara para o uso de seus patrões norte-americanos.
 
A perspectiva é inaceitável! Com ela retornam todas as ameaças contra a soberania nacional e o desenvolvimento tecnológico e autônomo do Brasil. 
 
Em 2000 o governo antinacional de Fernando Henrique Cardoso havia se comprometido a entregar a base aos EUA, abrindo mão completamente da soberania nacional sobre ela e o território brasileiro em que está localizada. Comprometeu-se também a submeter à supervisão norte-americana o uso do dinheiro que o país receberia com o aluguel da base, que não poderia ser aplicado no desenvolvimento de projetos brasileiros de tecnologia. Até mesmo a circulação de brasileiros por aquele pedaço do território pátrio ficaria sujeita à aprovação dos ocupantes norte-americanos!
 
Na época a deputada federal comunista Socorro Gomes e Waldir Pires (PT-BA) se destacaram, na Câmara dos Deputados, na resistência e na denúncia daquele acordo lesivo à soberania brasileira.
 
É esse mesmo acordo que José Serra, o postiço dirigente da política externa brasileira, pretende retomar. É o mais forte e sensível sinal da subordinação deste governo impostor diante do imperialismo dos EUA. Servilismo que a consciência nacional repudia. E que é mais uma forte razão, concreta e simbólica, para os brasileiros lutarem para colocar um ponto final ao governo golpista e de traição nacional de Michel Temer.
 

terça-feira, 26 de julho de 2016

A elite brasileira está dando um tiro no pé com o golpe


Brasília - DF, 19/07/2016. Presidente em Exercício Michel Temer durante encontro com o Senador Renan Calheiros, presidente do Congresso Nacional, Deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara do Deputados, Ministros Gedel Vieira Lima e Moreira Franco. Foto: Beto Barata/PR

Michel Temer se encontra com os presidentes do Senado e Câmara Federal (Foto: Beto Barata/ PR)

Escracho

por Eleonora de Lucena, na Folha
A elite brasileira está dando um tiro no pé. Embarca na canoa do retrocesso social, dá as mãos a grupos fossilizados de oligarquias regionais, submete-se a interesses externos, abandona qualquer esboço de projeto para o país.
Não é a primeira vez. No século 19, ficou atolada na escravidão, adiando avanços. No século 20, tentou uma contrarrevolução, em 1932, para deter Getúlio Vargas. Derrotada, percebeu mais tarde que havia ganho com as políticas nacionais que impulsionaram a industrialização.
Mesmo assim, articulou golpes. Embalada pela Guerra Fria, aliou-se a estrangeiros, parcelas de militares e a uma classe média mergulhada no obscurantismo. Curtiu o desenvolvimentismo dos militares. Depois, quando o modelo ruiu, entendeu que democracia e inclusão social geram lucros.
Em vários momentos, conseguiu vislumbrar as vantagens de atuar num país com dinamismo e mercado interno vigoroso. Roberto Simonsen foi o expoente de uma era em que a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) não se apequenava.
Os últimos anos de crescimento e ascensão social mostraram ser possível ganhar quando os pobres entram em cena e o país flerta com o desenvolvimento. Foram tempos de grande rentabilidade. A política de juros altos, excrescência mundial, manteve as benesses do rentismo.
Quando, em 2012, foi feito um ensaio tímido para mexer nisso, houve gritaria. O grupo dos beneficiários da bolsa juros partiu para o ataque. O Planalto recuou e se rendeu à lógica do mercado financeiro.
Foi a senha para os defensores do neoliberalismo, aqui e lá fora, reorganizarem forças para preparar a reocupação do território. Encontraram a esquerda dividida, acomodada e na defensiva por causa dos escândalos. Apesar disso, a direita perdeu de novo no voto.
Conseguiu, todavia, atrair o centro, catalisando o medo que a recessão espalhou pela sociedade. Quando a maré virou, pelos erros do governo e pela persistência de oito anos da crise capitalista, os empresários pularam do barco governista, que os acolhera com subsídios, incentivos, desonerações. Os que poderiam ficar foram alvos da sanha curitibana. Acuada, nenhuma voz burguesa defendeu o governo.
O impeachment trouxe a galope e sem filtro a velha pauta ultraconservadora e entreguista, perseguida nos anos FHC e derrotada nas últimas quatro eleições. Privatizações, cortes profundos em educação e saúde, desmanche de conquistas trabalhistas, ataque a direitos.
O objetivo é elevar a extração de mais valia, esmagar os pobres, derrubar empresas nacionais, extinguir ideias de independência. Em suma, transferir riqueza da sociedade para poucos, numa regressão fulminante. Previdência, Petrobras, SUS, tudo é implodido com a conversa de que não há dinheiro. Para os juros, contudo, sempre há.
Com instituições esfarrapadas, o Brasil está à beira do abismo. O empresariado parece não perceber que a destruição do país é prejudicial a ele mesmo. Sem líderes, deixa-se levar pela miragem da lógica mundial financista e imediatista, que detesta a democracia.
Amargando uma derrota histórica, a esquerda precisa se reinventar, superar divisões, construir um projeto nacional e encontrar liderança à altura do momento.
A novidade vem da energia das ruas, das ocupações, dos gritos de "Fora, Temer!". Não vai ser um passeio a retirada de direitos e de perspectiva de futuro. Milhões saborearam um naco de vida melhor. Nem a "teologia da prosperidade" talvez segure o rojão. A velha luta de classes está escrachada nas esquinas.
ELEONORA DE LUCENA, 58, jornalista, é repórter especial da Folha. Editora-executiva do jornal de 2000 a 2010, escreve livro sobre Carlos Lamarca

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Cultura do medo x cultura da esperança

Do Blog Matéria Incógnita 

por Boaventura de Souza Santos

Por que é que a atual crise do capitalismo fortalece quem a causou?

Por que é que a racionalidade da “solução” da crise assenta nas previsões que faz e não nas consequências que quase sempre as desmentem?

Por que é tão fácil ao Estado trocar o bem-estar dos cidadãos pelo bem-estar dos bancos?

Por que é que a grande maioria dos cidadãos assiste ao seu empobrecimento como se fosse inevitável e ao enriquecimento escandaloso de poucos como se fosse necessário para a sua situação não piorar ainda mais?

Por que é que a estabilidade dos mercados financeiros só é possível à custa da instabilidade da vida da grande maioria da população?

Por que é que os capitalistas individualmente são, em geral, gente de bem e o capitalismo, no seu todo, é amoral?

Por que é que o crescimento econômico é hoje a panaceia para todos os males da economia e da sociedade sem que se pergunte se os custos sociais e ambientais são ou não sustentáveis?

Por que é que Malcom X estava cheio de razão quando advertiu: “se não tiverdes cuidado, os jornais irão lhe convencer de que a culpa dos problemas sociais é dos oprimidos, e não de quem os oprime”?

Por que é que as críticas que as esquerdas fazem ao neoliberalismo entram nos noticiários com a mesma rapidez e irrelevância com que saem?

Por que é que as alternativas escasseiam no momento em que são mais necessárias?

MERCANTILISMO, COLONIZAÇÃO E DEMOCRACIA

Estas questões devem estar na agenda de reflexão política dos setores progressistas sob pena de, a prazo, serem remetidas ao museu das felicidades passadas.

Isso não seria grave se esse fato não significasse, como significa, o fim da felicidade futura das classes populares.

A reflexão deve começar por aí: o neoliberalismo é, antes de tudo, uma cultura de medo, de sofrimento e de morte para as grandes maiorias; não se combate com eficácia se não se lhe opuser uma cultura de esperança, de felicidade e de vida.

A dificuldade que as esquerdas têm em assumirem-se como portadoras desta outra cultura decorre de terem caído durante demasiado tempo na armadilha com que as direitas sempre se mantiveram no poder: reduzir a realidade ao que existe, por mais injusta e cruel que seja, para que a esperança das maiorias pareça irreal.

O medo na espera mata a esperança na felicidade.

Contra esta armadilha é preciso partir da ideia de que a realidade é a soma do que existe e de tudo o que nela é emergente como possibilidade e como luta pela sua concretização. Se não souberem detectar as emergências, as esquerdas submergem ou vão para o museu, o que dá no mesmo.

Este é o novo ponto de partida das forças progressistas, a nova base comum que lhes permitirá depois divergirem fraternalmente nas respostas que derem às perguntas formuladas acima.

Uma vez ampliada a realidade sobre como se deve atuar politicamente, as propostas das esquerdas devem ser credivelmente percebidas pelas grandes maiorias como prova de que é possível lutar contra a suposta fatalidade do medo, do sofrimento e da morte em nome do direito à esperança, à felicidade e à vida.

Essa luta deve ser conduzida por três palavras-guia: democratizar, desmercantilizar, descolonizar.

Democratizar a própria democracia, já que a atual se deixou sequestrar por poderes anti-democráticos. É preciso tornar evidente que uma decisão democraticamente tomada não pode ser destruída no dia seguinte por uma agência de rating ou por uma baixa de cotação nas bolsas (como pode vir a acontecer proximamente em França).

Desmercantilizar significa mostrar que usamos, produzimos e trocamos mercadorias mas que não somos mercadorias nem aceitamos relacionar-nos com os outros e com a natureza como se fossem apenas mercadorias. Somos cidadãos antes de sermos empreendedores ou consumidores e para o sermos é imperativo que nem tudo se compre e nem tudo se venda, que haja bens públicos e bens comuns como a água, a saúde, a educação.

Descolonizar significa erradicar das relações sociais a autorização para dominar os outros sob o pretexto de que são inferiores: porque são mulheres, porque têm uma cor de pele diferente, ou porque pertencem a uma religião estranha.

O formidável acerto de Lula em denunciar Moro como um juiz desqualificado


Juiz sem isenção
Juiz sem isenção
Com formidável atraso, Lula fez uma coisa vital: denunciou Sérgio Moro.
Já era mais de hora de acabar com a hipocrisia, com o cinismo, com o jogo de cena.
Moro, este o ponto, não tem a menor condição de julgar Lula porque lhe falta o essencial: imparcialidade.
Tecnicamente, Moro é juiz. Mas, no mundo das coisas reais, ele é parte importante de um mecanismo destinado a acabar com Lula. Isso tem que ficar claro.
Seria o mesmo se coubesse aos irmãos Marinhos, por exemplo, julgar Lula. Ou à família Civita. Ou a Otávio Frias. Ou a FHC, Aécio ou Serra.
Lula seria condenado a despeito de qualquer circunstância.
Lula demorou uma eternidade para reagir aos abusos de Moro e da Lava Jato. Mas deve ser aplaudido por, enfim, ter-se erguido.
Faz parte da farsa da Lava Jato fingir que um juiz é alguém insuspeito de comandar um julgamento desonesto.
Para os analfabetos políticos, é um tremendo argumento: foi a Justiça que condenou, e então a condenação é induscutível.
Mas no Brasil a Justiça é um circo sob o comando da plutocracia, e isto tem que ser dito por quem não se conforma com tamanha aberração.
Os advogados de Lula citaram fatos incontestáveis. Moro, se fosse imparcial, não poderia em hipótese nenhuma comparecer ao lançamento de um livro sobre a Lava Jato que o louva e chacina Lula. Pior ainda, o livro é de um jornalista da Globo, foco central do golpe.
Moro, também foi dito pelos advogados, não poderia jamais comparecer a eventos promovidos por um cacique do PSDB como João Dória e, pior ainda, se deixar fotografar como se estivesse numa festa de casamento.
É o despudor levado ao extremo.
Várias vezes me perguntei se Moro não tinha noção de como é absurdo este tipo de comportamento num pretenso juiz.
Como ninguém o criticou, ele foi adiante. Nem um só editorial da mídia fez reparos a Moro.
E então ele foi adiante.
O mesmo se aplica a Gilmar Mendes. Ele deixou há tempos de ser juiz para se converter em ativista político de direita porque jamais expuseram o horror que isso representa.
Isso tem que acabar — se quisermos avançar como sociedade.
Mesmo que tardiamente, Lula disse o que tinha de ser dito sobre Moro.
É muito bom, e isso deve ser aplaudido. De pé.

O Sultão (de emergência) do Vaivém, por Pepe Escobar

23/7/2016, Pepe Escobar, Strategic Culture Foundation


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Entreouvido na Vila Vudu:

Grave, mas grave mesmo, é que os EUA, depois de varridos do resto do planeta (acabam de ser varridos da Turquia! da Turquia!) acabarão por ter de se 'dedicar' integralmente ao quintal cá-nosso-de-todos-os-dias, ao Brasil, pré-sal e tudo.

Momento TOTALMENTE GRAVÍSSIMO para o Brasil, onde reina o mais sórdido golpe fascista-entreguista. Momento desesperantemente grave para o Brasil.


Em pleno espantoso expurgo, incansável, de amplo alcance, que não dá sinais de arrefecer, com 60 mil (e cada dia mais) funcionários públicos, acadêmicos, juízes, procuradores de justiça, policiais, soldados já presos, demitidos, suspensos ou que tiveram cassadas as licenças para trabalhar, já não parece restar qualquer dúvida de que o governo turco foi, sim, muito bem informado  de que estava em organização um golpe militar, para o dia 15 de julho. É muito possível que a informação tenha chegado até ele graças à inteligência russa, mas evidentemente nem Moscou nem Ancara revelarão qualquer detalhe. Assim sendo, e de uma vez por todas: não foi autogolpe encenado.

Importante analista do Oriente Médio, secular, que assistiu de Istanbul a todo o golpe, esclareceu o contexto político antes até da declaração – esperada – do estado de emergência (se França pode declarar estado de emergência, por que Turquia não poderia?):

"Ficaram sabendo com 5-6 horas de antecedência que havia um golpe em andamento, e deixaram que prosseguisse, sabendo, como sabiam, que fracassaria (...), o que promoveu Erdogan ao status de semideus, entre seus apoiadores. O caminho está aberto para ele fazer o que queira (uma presidência forte, e remover o princípio secularista da Constituição). Assim estará preparado o cenário para introduzir alguns aspectos da lei da Xaria. Erdogan já tentou esse movimento nos primeiros anos do governo do AKP, quando tentou introduzir a Zina, lei estritamente islamista, que criminalizaria o adultério e abriria o caminho para criminalizar outras relações sexuais que o islamismo considera ilícitas, uma vez que a Zina é geral, não trata só de adultério. Mas a União Europeia objetou, e Erdogan recuou."

A mesma fonte da inteligência acrescenta que:

"nas semanas que levaram a esse desfecho, Erdogan permaneceu discreto e calado, o que não é usual. Mas o primeiro-ministro foi substituído e o novo anunciou política exterior completamente nova, que previa inclusive recompor relações com a Síria. Teria o próprio Erdogan concluído que a política para a Síria era insustentável? Ou a ideia lhe teria sido imposta pelos mais velhos do partido, considerado o terrível dano que aquela política já causara à Turquia, além do que já fizera à Síria? Se lhe foi imposta, nesse caso o golpe fracassado dá a Erdogan oportunidade para reafirmar a própria autoridade também sobre o alto escalão do AKP. Com certeza, veio em momento muito oportuno".

O historiador turco Cam Erimtan ajuda a compreender o contexto. Explica como

"no início do próximo mês, o Alto Conselho Militar da Turquia (YAŞ, na sigla em turco) vai-se reunir, e espera-se que grande número de oficiais sejam dispensados. O estado turco deve entrar num exercício de limpeza, com remoção de todos e quaisquer opositores ao governo do AKP. Esse golpe-que-não-foi-golpe serve pois como munição poderosa para faxina nas fileiras (...) mesmo que o presidente ande apontando o dedo para o outro lado do Atlântico, contra a figura sinistra de Fethullah Gülen e sua suposta organização terrorista FETÖ (Fettullahçı Terör Örgütü, ou Organização de Terror Fethullahista), insinuando que os organizadores do golpe seriam parte da mesma organização claramente impalpável, e possivelmente não existente".

O resultado final não será agradável:

"Erdoğan já está sendo citado como Comandante-em-chefe da Turquia, o que indicaria, dentre outras coisas, que vê a tentativa de golpe como ataque pessoal direto contra ele. Sejam quais tenham sido os motivos dos conspiradores, o resultado final da ação deles será a aceitação muito mais ampla, apaixonada e entusiasmada da política de Erdoğan, de sunificação e, talvez, o desmonte discreto do estado-nação turco, a ser substituído por uma "federação anatoliana de etnias muçulmanas" – possivelmente ligada a um califato ressuscitado, e a um possível retorno da Xaria à Turquia".

É como se Erdogan tivesse sido abençoado com um efeito "Poderoso Chefão" reverso. No filme obra prima de Coppola, Michael Corleone diz "No instante em que você pensa que saiu, eles puxam você outra vez para dentro". No caso do Poderoso Chefão Erdogan, no instante em que ele pensou que estivesse inapelavelmente dentro da arapuca, "Deus" – como ele admitiu – o puxou para fora. É o Sultão do Vaivém.

Leões contra Falcões 

Com Erdogan firmando suas garras de ferro dentro da Turquia, garras de ferro pré-existentes – OTAN/Turquia – vão-se lentamente dissolvendo no ar. É como se o destino da base aérea Incirlik estivesse pendurado e balançando, enforcado – literalmente –, nuns poucos, selecionados fios de radar.

Há desconfiança extrema em todo o espectro na Turquia de que o Pentágono sabia do que os "rebeldes" estavam preparando. Não há quem não saiba que não cai um alfinete em Incirlik sem que os norte-americanos saibam. Membros do AKP destacam o uso da rede de comunicação da OTAN para coordenar os putschistas e assim escapar da inteligência turca. No mínimo, os putschistas podem ter acreditado que contariam com a OTAN para garantir-lhes a retaguarda. Pois nenhum "aliado na OTAN" dignou-se a alertar Erdogan sobre o golpe.

E há também a saga do avião para reabastecimento de jatos em voo, que reabasteceria os F-16s "rebeldes". Todos os aviões de reabastecimento em voo em Incirlik são do mesmo modelo – KC-135R Stratotanker – para norte-americanos e turcos. Trabalham lado a lado, sob o mesmo comando: a 10ª Main Tanker Base, cujo comandante é o general Bekir Ercan Van, devidamente preso no domingo passado – e sete juízes já confiscaram todos os controles da torre de comunicações da base. Não por acaso, o general Bekir Ercan Van é muito próximo de Ash Carter do Pentágono.

O que aconteceu no espaço aéreo turco depois que o Gulfstream IV de Erdogan deixou o litoral do Mediterrâneo e aterrissou no aeroporto Ataturk em Istambul já está quase completamente mapeado – mas ainda há buracos crucialmente importantes na narrativa, abertos à especulação. Erdogan tem-se mantido de boca fechada em todas as entrevistas, e resta esse cenário estilo Missão Impossível, com dois F-16s "rebeldes", "Leão I" e "Leão II", em "missão especial", com os transponders desligados; o encontro deles com os "Falcão I" e "Falcão II"; um dos "Leões" pilotado por ninguém menos que o homem que derrubou o Su-24 russo em novembro passado; o hoje já famoso avião de reabastecimento em voo que decolou de Incirlik para reabastecer os "rebeldes"; e mais três duplas extras de F-16s que decolaram de Dalaman, Erzurum e Balikesir para interceptar  os "rebeldes", inclusive a dupla que protegia o Gulfsteam de Erdogan (que voava sob prefixo THY 8456, disfarçado como voo da Turkish Airlines).

Mas quem estava por trás de tudo isso?

Erdogan em missão dada por Deus 

O conhecido 'vazador' saudita "Mujtahid" causou frisson ao revelar que os Emirados Árabes não apenas "tiveram uma função" no golpe mas, também porque manteve a Casa de Saud no circuito. Como se já não houvesse aí problemas que bastassem, o autodeposto emir do Qatar, Sheikh Hamad al-Thani, muito próximo de Erdogan, afirmou que EUA e outra nação europeia (alta probabilidade de ser a França) montaram toda a operação, com envolvimento da Arábia Saudita. Ankara, como seria de prever, negou tudo.

O Irã, por sua vez, viu claramente o jogo de longo prazo e apoiou firmemente Erdogan desde o início. E mais uma vez ninguém falará sobre o assunto, é claro, porque a inteligência russa sabia perfeitamente de todos esses passos – o que o rápido telefonema do presidente Putin a Erdogan, imediatamente depois do golpe, só confirma.

Mais uma vez, os fatos básicos: todos os agentes operadores de inteligência no sul da Ásia sabem que sem luz verde do Pentágono, todas as facções militares turcas encontrariam imensa dificuldade – senão absoluta impossibilidade – de organizar qualquer golpe. Além disso, durante aquela noite fatídica, até que se teve certeza de que o golpe fracassara, nenhum dos conspiradores – de Washington a Bruxelas – foi apresentado precisamente como "o mal".

Uma fonte da alta inteligência norte-americana, que não acompanha o consenso da Av.Beltway, não precisa de meias palavras. Para essa fonte,

"os militares turcos jamais dariam um passo sem luz verde de Washington. Planejou-se o mesmo para a Arábia Saudita em abril de 2014, mas o movimento foi bloqueado nos mais altos escalões em Washington, por um amigo da Arábia Saudita".

Essa fonte, que é capaz de pensar fora da caixa, adere à hipótese que se tem de tomar como hipótese chave e atual hipótese de trabalho: o golpe aconteceu, ou foi acelerado, essencialmente, "por causa da repentina reaproximação de Erdogan com a Rússia". Turcos de todo o espectro jogam gasolina ao fogo, insistindo que é mais que provável que as bombas contra o aeroporto de Istanbul tenham sido uma Operação Gladio. Não param de surgir rumores, de leste e de oeste, já sinalizando que Erdogan deixará a OTAN mais dia, menos dia; para integrar-se à Organização de Cooperação de Xangai.

Apesar de Erdogan ser ator no qual absolutamente não se pode confiar e canhão geopolítico giratório, não se deve descartar a possibilidade de que esteja a caminho um convite de Moscou-Pequim, em futuro não muito distante. Putin e Erdogan terão encontro absolutamente crucial no início de agosto. Erdogan conversou por telefone com o presidente do Irã Hassan Rouhani. O quedisseram disparou calafrios pela espinha da OTAN:

"Hoje estamos decididos, mais que antes, a contribuir para a solução dos problemas regionais, de mãos dadas com a Rússia e em cooperação com eles".

Assim sendo, mais uma vez está configurada a disputa crucial que definirá o século 21: OTAN contra a integração da Eurásia, com o Sultão do Vaivém da Turquia exatamente no meio. "Deus" com certeza brincou com esse cenário arrepiante, quando falou diretamente a Erdogan, por Face Time.*****