terça-feira, 7 de agosto de 2012

Reflexões de um sociólogo mineiro

Alfredo Pereira dos Santos
Assim como quem quer fazer uma casa, e não entende de arquitetura ou engenharia, precisa consultar quem entenda do assunto, para entender esse nosso Brasil temos que consultar também quem entenda. Nesse caso nada melhor do que o sociólogo Gilberto Felisberto Vasconcellos, cuja obra eu conheço de longa data, tendo na minha biblioteca todos os livros que ele escreveu e que consegui achar. O Cabaré das Crianças é um livro escrito em 1998 mas eu retornei a ele pelo fato de continuar atualíssimo. O Gilberto nos fala do “Brasil Crianção”, usando esta expressão para tratar de tema que tem sido objeto das minhas elucubrações recentes: o povo brasileiro é um povo infantilizado.
Gilberto Felisberto Vasconcellos
Essa não deve ser uma característica exclusivamente brasileira, uma vez que o doutor Freud, que morreu em 1939, já “tinha cantado a pedra” ao dizer que “o homem precisa deixar de ser uma eterna criança e aprender a enfrentar o mundo hostil”. Só que no Brasil os adultos abusam do direito de ser criança. A socióloga Bárbara Freitag chegou a dizer que setenta por cento da população brasileira adulta está na faixa mental de crianças de seis ou sete anos.
Feita a constatação resta-nos saber por que chegamos a este ponto. E ai eu digo: CONFESSO QUE ENTENDI.
Na quarta capa do livro o leitor já pode ter uma amostra do que o espera. Vejamos.
Nesta sociologia do cabaré infantil o leitor encontrará as conexões entre a menstruação prematura das crianças, o futuro seqüestro orgasmático na mulher adulta, a língua presa dos cantores, o infanticídio em massa, a prostituição infantil, a matança de pivetes, o sadomasoquismo dos programas de auditório e a humilhação do aposentado e da dona-de-casa.
O Cabaré das Crianças é o espelho perverso do mundo adulto e de suas relações sociais. Até hoje ninguém ainda contestou a seguinte verdade: a criança é o pai do homem!
Este livro traz uma reflexão profunda sobre a videopatologia da vida cotidiana brasileira a partir da década de 80.
A mulher e a criança do Terceiro Mundo são as vítimas mais sacrificadas dos atuais modelos energéticos, econômicos e midiáticos.
Nas orelhas do livro mais dicas, com alguns destaques feitos por mim:
Neste livro muito bem escrito - um ensaio literário que se filia à tradição de Montaigne - o tema da pedofilia é abordado através da psicanálise, da sociologia, do folclore e da crítica da cultura. Eis o ponto de partida, a cena primária do infans brasileiro: o coito danado entre a Casa Grande e a Senzala.
O autor não deixa de tecer considerações sobre o encontro do útero ameraba com o membrum virile português, do qual nasce o brasileiro, no amanhecer do século XVI. De 1500 à recente mutação antropológica, representada pela televisão, agrava-se sobremaneira a condição ágrafa da sociedade brasileira.
A escola foi substituída pela telenovela e pelos programas de auditório. Resulta daí a emergência deseducadora do cabaré para as crianças e famílias: a novela familiar contemporânea é pai, mãe, filho e programa de auditório.
De todos os lados se impõe a interpretação da carência do pai na cultura brasileira. Somos o país da imago paterna renegada: Tiradentes, Zumbi, Antonio Conselheiro, Getúlio Vargas.
Ao perguntar qual é o lugar da criança, logo nos damos conta de que o país todo está infantilizado. É inegável o traço sexual perverso na cultura. A criança torna-se comedora voraz: oral, anal e genital precoce. Está compelida a comer imagens e, através destas, come os detritos dos programas de auditório.
As relações pessoais acompanham a pobreza existencial das telenovelas e dos programas. É a acústica do curso tatibitati , ensurdecedora, sem silêncio e, portanto, sem conversa. E aí entra a questão da voz, objeto primordial para Freud, Lacan e Heidegger.
O idiotismo é a norma televisiva e radiofônica.
Brasil crianção. A ânsia dos órfãos é a característica psicológica fundamental d’O Cabaré das Crianças.
Isso ai foi só o hors d’oeuvre. O prato principal fica para depois. Até lá.
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