sábado, 20 de fevereiro de 2010

PRESSA PARA MORRER MAIS CEDO!



POR WASHINGTON ARAUJO

Vivemos na ante-sala da Idade Mídia onde tudo se transforma em alucinantes jogos de luzes. A Idade Mídia tem seus cânones. Tudo o que não repercute não é digno da atividade humana de pensar.

A cultura do big Mac – aquele sanduíche carro-chefe da franquia Mcdonalds – começa a produzir seus frutos mais nefastos e perniciosos para esta e as próximas gerações. É a cultura do transitório e do efêmero onde nada dura nem perdura, nada progride, mantém-se e só. O marketing coloca o supérfluo sob lente de aumento e a felicidade é poder estar dentro da moda, moda-vagalume com cada vez menos tempo de vida, sendo sempre substituída por outro artificialismo como a enraizar no espaço entre as nuvens suas raízes. É claro que temos um estilo de vida moderna cada vez mais insustentável, nem moral nem material, apenas estilo de vida descartável onde colocamos em sua voraz fornalha o que temos de mais precioso em nossa vida – o tempo.
Vivemos em uma paralisia de poder, anestesiados, precocemente envelhecidos pela idéia que o amanhã é apenas outro nome para hoje. Prisioneiros do dinheiro viramos reféns de um processo de globalização que nos faz reféns do medo. A miséria foi globalizada e sabemos muito bem o que é um pobre nas palafitas de Salvador, na Baía de Todos os Santos e outro seu semelhante nas cercanias de Nova Déli, onde pedir esmola é crime punido com detenção em regime fechado. O mundo tornou-se tão terrivelmente desigual em suas oportunidades e tão igualitário em suas formas de opressão. O dinheiro que antes circulava fisicamente hoje circula virtualmente. É, por sua natureza, apátrida e como tal não guarda relações de lealdade com os condenados da Terra. Sem vínculo algum com o trabalhador, o capital globalizado vê um desempregado potencial em cada rosto de trabalhador. E não poderia ser diferente já que tratamos aqui da ótica do predador. Primeiro avalia-se a força física, depois psicológica, depois financeira, depois midiática.

Jared Diamond argumenta que muitos dos colapsos de civilizações antigas foram os resultados de suícidios ecológicos. O autor de Colapso estabelece assim o paralelo com as sociedades atuais, onde os problemas ambientais são também uma grave ameaça. No entanto, Diamond reconhece que o colapso de uma sociedade ou civilização é quase sempre o resultado da combinação de diversos fatores. Para além da destruição do meio ambiente, ele atribui um papel às alterações climáticas, às relações comerciais com outros países, à existência ou não de povos vizinhos hostis, e, acima de tudo, à capacidade das sociedades adaptarem o seu modo de vida aos recursos naturais disponíveis.

Diamond dá-nos também exemplos de sociedades que, tendo enfrentado problemas semelhantes aos descritos acima, conseguiram, pelas escolhas que fizeram, ultrapassá-los e subsistir até hoje. A Islândia e a ilha de Tikopia mostram como é possível subsistir, mesmo em condições muito adversas, quando as sociedades fazem, em cada momento, as escolhas certas. O meio ambiente da Islândia é um dos mais frágeis do mundo, o que não impediu a sua população de ter um dos rendimentos per capita mais elevados do mundo. A ilha de Tikopia mantém uma população constante de 25 000 habitantes há mais de 2500 anos. Os seus habitantes rapidamente se aperceberam que o frágil meio ambiente da sua ilha não suportava uma população superior. Assim, para além de terem eliminado hábitos antigos, como a criação de porcos, animais que destruíam a frágil vegetação da ilha, utilizaram o aborto e mesmo o infanticídio como formas de controlo da população. Uma ideia fundamental do livro de Diamond é a da necessidade de ajustarmos o nosso modo de vida, produção e hábitos de consumo aos recursos naturais que temos à nossa disposição, dependendo disso a sobrevivência das sociedades atuais.

Enquanto isso o desespero humano atinge proporções inauditas. Para alcançar o desespero humano mais completo e mais sofrido leva-se tempo. Combate-se o uso de drogas, essa válvula de escape de crescente legião de desiludidos, sem se dar conta que para a maior parte dos usuários a droga real e intransferível é a própria vida que levam, sem sentido e sem rumo como pequenos barcos de papel lançados em alto mar. E se as taxas de suicídios só fazem crescer nas antes festejadas maiores economias do planeta – como a Suíça, o Japão e os Estados Unidos – já deveriam ser vistas como tenebrosos alertas de que algo de muito podre vem sustentando o presente estágio de pré-barbárie em que vivemos onde recursos naturais continuam sendo saqueados, inutilizados e desperdiçados em benefício de uma cruel elite de senhores feudais que aprenderam como criar a sede e o sono, mas não arriscaram soluções para criar água e descanso.

A busca desenfreada pelo cintilar fugaz dos holofotes torna defeituosas gerações de jovens que parecem abdicar em massa de sua condição humana para a condição de produtos expostos em gôndolas de mercados espalhadas ao longo da vida. A certidão de nascimento deixa de ser emitida pelos prosaicos cartórios para virem a existência no momento mesmo em que viram personagens de realities-shows, de pegadinhas sórdidas, de capas de revistas e jornais. Estamos transitando do estágio de nascer para o de estrear.

Se nossos antepassados sofreram horrores inimagináveis que somente uma Idade Média poderia suscitar, nós hoje, seus descendentes, vivemos na ante-sala da Idade Mídia onde tudo se transforma em alucinantes jogos de luzes. A Idade Mídia tem seus cânones. Tudo o que não repercute não é digno da atividade humana de pensar. Tudo o que não entra na escalada de notícias de telejornais não possui existência própria nem autônoma. Tudo o que sinaliza para uma ética dos direitos humanos constitui atentado aos poderes midiáticos constituídos. O planeta inteiro começa a passar em cada vez maiores telas de tevê, lugar mágico onde as “coisas” podem ser vistas mas não podem ser “tocadas”.

Toda aspiração que vise elevar a qualidade da vida humana é atentado direto ao principio da liberdade individual, pois todo ser humano tem o direito à sua própria infelicidade sem interferência de qualquer poder e não importando em que faixa etária se encontre. Toda pessoa baixa é criança – e, portanto incapaz de autodeterminação - não importa se é filha de anões ou se descende longinquamente de pais historicamente baixos. Os tais valores humanos estão com sinais tão trocados que o novelista global Manoel Carlos (de Viver a Vida) vem sendo comparado com William Shakespeare (de Hamlet) e se acha muito natural que criança de tenros 8 anos possa interpretar vilã-mirim em novela das 8 da emissora campeã de audiência no Brasil, sendo execrável que alguém se atreva a dizer que o “caso” requer imputar responsabilidades a quem de direito: os pais ou responsáveis da criança, a emissora de televisão que lhe facilita o roubo da infância, as varas de família e juizados de menores que deveriam zelar por seu desenvolvimento físico, moral, social.

Terminamos confinados à insônia originária de diversos fatores, dentre os quais destaco a ansiedade irreprimível por comprar e a angústia de não ter como pagar. A insônia nunca foi boa para ninguém salvo os donos de laboratórios farmacêuticos. Não à toa que os Estados Unidos consomem 53% de todos os sedativos, ansiolíticos e outros medicamentos vendidos de forma legal em todo o mundo e quase 50% das drogas proibidas vendidas ilegalmente no mundo. O patético da história que a nação do Norte conserva em suas fronteiras geográficas não mais que 5% de toda a população mundial.

Do jeito que as coisas vão não haverá o dia em que a esperança venha se encontrar com a realidade.

Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com

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