O
ex-presidente Lula visita a presidente argentina, Cristina Kirchner, no
Palácio do Governo, em Buenos Aires, nesta quarta-feira (17)
Juani Roncoroni/Estadão
O ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva está na Argentina, onde cumpre intensa agenda
política: almoçou com a presidenta Cristina Kirchner, na quarta (17), e
participa, nesta quinta (18), de um congresso empresarial. Em
entrevista ao jornal La Nación, ecoando o amplo debate a respeito da
entrada em vigor da Lei dos Meios naquele país, Lula foi taxativo ao
avaliar a situação do Brasil: “aqui precisamos instalar uma discussão
política sobre um novo marco regulatório da comunicação”
Lula também
falou sobre o menor crescimento econômico do Brasil neste ano e destacou
a necessidade de uma reformulação no FMI e nos organismos
internacionais como a ONU. Com relação ao polêmico julgamento do
“mensalão” e a possibilidade de ele também ser julgado, é categórico:
“eu já fui julgado. A eleição de Dilma foi um julgamento extraordinário.
Um presidente com oito anos de mandato sair com 87% de aprovação é um
tremendo julgamento”.
Relações internacionais
O fato de
querermos fazer uma reforma nas instituições multilaterais não depende
da crise. A crise apenas agravou este debate. O Brasil, há pelo menos 15
anos luta para que a ONU seja reformada, e que tenha uma representação
do mundo geográfico correspondente a 2012 e ao século 21 e não que
represente o mundo de 1948. Não há explicação para que apenas cinco
países tenham o controle dos assuntos mais importantes do mundo, sem que
haja um representante da América Latina, da África, sem um país de 1
bilhão de habitantes como a Índia ou mesmo a Alemanha. Queremos que a
ONU e o Conselho de Segurança sejam representativos da realidade de
hoje, e não do passado.
O FMI também
tem que ser reformado para que possa funcionar como um banco que possa
ajudar os países em crise e não como um banco para fazer pressão nas
economias dos países pobres. Na crise atual dos Estados Unidos e Europa,
o FMI não sabe o que fazer. Ninguém sequer quer escutar o FMI! É como
se não servisse para nada! Dá a impressão de que foi criado para
Argentina, Brasil, Bolívia ou México e não para a Alemanha nem Grécia. É
por isso que nós queremos fazer um debate.
Irã
Vejamos o
caso do Irã. Todos os dias vejo notícias que dizem que o Irã quer
construir uma bomba atômica. Eu não acredito nisso. Eu desejo para o Irã
o mesmo que desejo para o Brasil: utilizar a energia nuclear para fins
pacíficos. E com esta ideia eu fui ao Irã. Os membros do Conselho de
Segurança nunca tinham conversado com [Mahmoud] Ahmadinejad. A política
foi terceirizada, colocam assessores para conversar e os presidentes
nunca conversam. E quando eu disse que ia conversar com Ahmadinejad para
que ele se comprometesse a aceitar as regras que eram impostas pela
AIEA, disseram que era ingênuo. Fomos ao Irã, estivemos dois dias juntos
com a Turquia, e conseguimos que o Irã se comprometesse com o que os
norte-americanos e a União Europeia queriam. Para a minha surpresa,
quando Ahmadinejad aceitou e nós apresentamos um documento assinado, o
que aconteceu? Sancionaram o Irã. Por que? Porque não era aceitável que
um país do terceiro mundo tivesse conseguido o que eles não conseguiram.
Chávez
É necessário
analisar a Venezuela não em comparação com o Brasil ou Argentina, nem
com a Europa. Tem que analisar a Venezuela de Chávez em comparação com a
Venezuela antes de Chávez. E melhorou muito a Venezuela. O povo pobre
ganhou dignidade. A América do Sul ganhou muito com o Chávez. Porque
antes até os vasos sanitários eram importados dos Estados Unidos. Hoje
importa de outros países: Brasil, Argentina… Venezuela começou a olhar a
América Latina e por isso defendi a entrada da Venezuela no Mercosul.
Pela importância estratégica da Venezuela, é uma das maiores reservas de
petróleo do mundo e de gás, tem um potencial energético extraordinário.
Nós precisamos, enquanto Unasul, discutir como nos tornar sócios dessa
riqueza que temos. Por isso penso que Chávez foi importante para a
Venezuela. (…) Com a minha chegada ao poder, a de Kirchner, de Chávez,
de Evo Morales, foi que as pessoas começaram a perceber que gostamos de
nossos países, que começamos a ver nossos países a partir de nossa
própria realidade. Isso mudou. Quando cheguei ao governo, a relação
comercial entre Brasil e Argentina era de US$ 7 bilhões. No ano passado,
foi US$ 40 bilhões.
Meios de comunicação
Eu penso que
poucos líderes políticos do mundo foram e são tão criticados pela
imprensa como eu. No entanto, não reclamo. Eu nunca tive a imprensa a
meu favor, e não é por isso que deixei de ser presidente com a maior
aprovação de meu país. Me parece que devemos acreditar na sabedoria dos
leitores, dos ouvintes de rádio e dos telespectadores. Eles saberão
julgar os valores do comportamento de um político, e também do
comportamento da imprensa.
Acredito que
no Brasil precisamos instalar uma discussão política sobre um novo marco
regulatório da comunicação. A última regulação é de 1962, não há
nenhuma explicação para que no século 21 tenhamos a mesma regulação que
em 1962, quando não havia telefones celulares, nem internet. A evolução
que teve nas telecomunicações não está regulada. Essa briga existe na
Argentina, na Venezuela, no México, onde Ricardo Salinas e Slim estão em
guerra todo santo dia. E no Brasil preparamos uma conferência nacional –
na qual participaram partidos, meios de comunicação, telefonia – e
elaboramos uma proposta de regulação, que precisa ser discutida com a
sociedade. Não há modelo definitivo, não há o modelo de O Globo, da
Folha, de Lula ou de Dilma, isso não existe. Então vamos começar uma
discussão com a sociedade para saber o que é o mais importante para que
os meios de comunicação sejam cada vez mais retransmissores de
conhecimento, de informação, cada vez mais livres e sem ingerência do
governo.
Mercosul
Penso que o
que fizemos na América do Sul já é muito. O problema é que éramos países
com uma cultura colonizada, com uma mente colonizada. Fomos doutrinados
para que nos víssemos como adversários, como inimigos e os amigos
estavam no Norte. Quando na verdade, não tem que ter inimigos nem no
Norte, nem aqui, temos que construir o que for bom para Argentina e
Brasil. Lembro que há muito tempo realizamos reuniões onde muitos países
diziam que o Mercosul já não interessava, que o Mercosul tinha acabado,
e que havia que implementar a Alca. Hoje, nem o governo norte-americano
fala da Alca. Sequer eles.
Mensalão
Não me
manifesto sobre esse processo, primeiro porque naquela época eu era
presidente da República e creio que um ex-presidente não pode opinar
sobre a Suprema Corte. Principalmente quando o processo está em
desenvolvimento. Vamos esperar que termine o processo e então com
certeza poderei emitir minha opinião.
Eu já fui
julgado. A eleição de Dilma foi um julgamento extraordinário. Um
presidente com oito anos de mandato sair com 87% de aprovação é um
tremendo julgamento e não me preocupo com nada. Cada poder: Executivo,
Legislativo ou Judiciário, tem suas próprias responsabilidades e cada um
deve cumprir com a mesma.
Economia
Sejamos
sinceros. Há uma desaceleração econômica promovida pelo próprio governo.
Obviamente há problemas com a crise econômica, mas acontece que em 2010
nós crescemos muito, o consumo era exageradamente alto e era necessário
diminuir um pouco esse ímpeto da economia. Essa redução do governo
também foi afetada pela crise internacional. Houve uma diminuição das
exportações. As exportações da Argentina caíram quase 20%, houve uma
diminuição importante, e no nível mundial a diminuição foi somente 6%.
Era necessário controlar a inflação. As informações que tenho da
Presidência e do ministro da Fazenda é que a inflação está controlada e
para o próximo ano, Brasil voltará a crescer mais ou menos 4,5%.
Volta à presidência
Um político
não pode nunca descartar [esta hipótese]. O problema é que cada vez que
fazem esta pergunta... se eu digo que não o descarto, a imprensa diz:
“Lula admite que será candidato”. Se eu digo o contrário, dizem “Lula
nunca mais será presidente”. Eu sou um político, e creio que já cumpri
minha parte. Toda a minha vida tive vontade de provar que era capaz de
fazer o que eu reivindicava, e creio que conseguimos fazer muito mais.
Hoje, o principal legado que deixamos para a sociedade brasileira, além
dos 40 milhões de brasileiros que ascenderam à classe média, além do
aumento do salário mínimo, dos 17 milhões de empregos formais criados, o
principal legado é a relação entre o Estado e a sociedade. Realizamos
73 conferências nacionais. As principais políticas de meu governo foram
decididas em plenários, onde havia debates no âmbito municipal, estadual
e nacional. Eram políticas de todas as áreas, tudo foi discutido.
Queria provar a mim mesmo que um governante nunca, em hipótese alguma,
deve ter medo de conversar com a sociedade. Não podemos ver em cada
pessoa que nos cerca na rua um inimigo. Porque muitas vezes temos que
nos perguntar por que é inimigo agora se votou em mim.
Integração
Sonho com a
integração da América Latina. A integração não é um discurso, deve
transformar-se em um ato cotidiano de cada cidadão e de cada governante.
E ainda nos resta muito por fazer.
Da Redação do Vermelho,
Nenhum comentário:
Postar um comentário
se não tem nada a contribuir não escreva!