Os mais celebrados mestres da culinária vanguardista, ou seja, aqueles
que empregam produtos da Nestlé e figuram em uma classificação anual
divulgada pela revista Restaurants (20 mil exemplares de
tiragem, destinada aos refinados do mundo), acabam de encerrar em
Copenhague um simpósio exaltante. Festa entre amigos, corrente da
felicidade, realizada à sombra do Noma, primeiro da lista da Restaurants, do chef
René Redzepi. Entre as novidades apresentadas, formigas vivas nutridas
com citronela e coentro, de sorte a assumir um gosto suavemente
acidulado, para o agrado de todos os paladares, segundo os participantes
do evento. Cuja contribuição à imbecilização global é de evidência
solar.
Há atenuantes. A quem interessa ler a Restaurants
qual fosse o Novíssimo Testamento ou comer formigas vivas, ou até
espuminhas de camarão, a preços estratosféricos, está claro? A minoria
de imbecilizados, é a conclusão inescapável, em um mundo onde a pobreza
fermenta e muitos morrem de fome. Mundo capaz de grandes progressos
científicos, presa, ao mesmo tempo, de uma crise econômica monstruosa,
provocada pela sanha de poucos em detrimento dos demais semelhantes.
Bilhões.
As atenuantes, como se vê, são medíocres, embora não exija esforços
mentais brutais perceber que imbecil é quem come formigas vivas em lugar
de um mero trivial. Somos o que comemos, dizem os sábios, donde a
inevitabilidade das ilações quando se multiplicam as provas da
cretinização global. Neste mar a vanguarda da gastronomia ao alcance dos
bolsos recheados é um lambari.
O Brasil não escapa, e nem poderia. Somos uma nação vincada pela
ignorância e pela prepotência da minoria reacionária, a preferir que as
coisas fiquem como estão para ver como ficam e a reputar sagrada a
classificação da Restaurants. Aqui manda a moda, mas, neste
mar, a dita cultura de massa é o próprio vento a enfunar as velas. Sem
contar a desorientação diante do mistério da vida e o medo da morte.
Deixarei de falar de esperanças impossíveis. Vou para miudezas, de certa
forma, para falar de situações recentes. E então, digamos, Anderson
Silva.
É brasileiro o número 1 do MMA, o vale-tudo do octógono, a luta que
assinala o retorno aos gladiadores. Li, pasmem, na primeira página do Estadão.
Só falta o Coliseu. Também faltam os leões, mas não nos surpreenderemos
se, de uma hora para outra, irromperem na arena. Os índices de
audiência são altíssimos, obviamente, e haverá quem se ufane de ser
brasileiro ao se deparar com a ferocidade de Anderson, nosso Hércules. E
fique feliz porque a transmissão do MMA iguala o Brasil aos Estados
Unidos e ao Japão. No resto dos países tidos como civilizados, a luta é
proibida.
Vale recordar que a tevê nativa ostenta tradições valiosas. Por exemplo: o nosso Big Brother,
ao repetir experiências globais, bate recordes de grosseria.
Acrescentem-se os programas populares do fim de semana, os seguidores do
Homem do Sapato Branco e os tempos da celebração da dança da garrafinha em horário nobre. Aproveito para sublinhar que a pensata “nobre” me deslumbra.
A aposta na parvoíce da plateia é constante. Inesgotável. Praticada pela
mídia nativa com singular esmero, produziu o efeito de comprometer a
saúde intelectual dos seus autores. Não fogem do destino inúmeros
políticos, vitimados por sua própria incompetência. Permito-me escalar
nestas linhas o presidente do PT, Rui Falcão, e o novo presidente da
CUT, Vagner Freitas. Em perfeita sintonia, ambos anunciam sua
inconformidade em relação ao possível “julgamento político do mensalão”.
Peculiar visão, a dos cavalheiros acima. O processo tem e terá
inevitáveis implicações políticas, e não cabe a eles exercer qualquer
gênero de pressão sobre o Supremo.
Enquanto evita-se discutir com toda legitimidade uma
questão premente, isto é, a inegável suspeição quanto à participação do
julgamento do ministro Gilmar Mendes, Falcão e Freitas oferecem munição
de graça à mídia nativa, ela mesma tão interessada em politizar o
processo. Os meus melancólicos botões garantem que os políticos de
antanho, vários bem mais à esquerda dos senhores citados, eram também
mais espertos.
Mino Carta.
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