quinta-feira, 21 de junho de 2012

Tal mãe, tal filho

 
A mãe de Assange não apenas aplaudiu a decisão do filho, de pedir asilo, mas resumiu bem a situação, ao falar com a imprensa:
Christine, mãe de Julian
Espero que o Equador lhe dê asilo e, se não, algum outro país do Terceiro Mundo. Espero que o Terceiro Mundo levante-se e faça o que é moralmente certo, quando o Primeiro Mundo não pode e não fará, porque vive com o focinho enfiado no cocho, subjugado pela ganância dos EUA e da grande finança.
Julian é prisioneiro político, é jornalista, é editor que publicou a verdade sobre corrupção, crimes de guerra, sequestros, chantagem e manipulação. Não há nenhuma acusação formal contra ele e sequer foi interrogado sobre crime que, se você examina os eventos, não tem base alguma. É claro que teria de pedir asilo.
Acrescentou que seu filho é vítima de decisões tomadas por EUA, Grã-Bretanha, Suécia e Austrália no sentido de deixar de lado o devido processo legal.
Muito século 20!
Deixar de lado o devido processo legal? É argumento – colhendo emprestada a expressão do eminente especialista em leis e professor Alberto Gonzales — tão “antigo”, tão “obsoleto”, “tão pré-11/9”! Deixar de lado o devido processo legal tornou-se, depois do 11/9, o “novo paradigma” adotado não só pelo governo Bush, mas também pelo governo Obama.
Assange não tem só pleno direito de buscar asilo: ele também avalia corretamente a situação objetiva e decide certo. Considerem o seguinte: estava a um passo de ser enviado para uma Suécia falsamente neutra, com histórico recente de curvar-se a todas as demandas dos EUA, em todos os casos em que Washington alegou algum tipo de ameaça à segurança dos EUA. Na 3ª-feira, Glenn Greenwald já apresentara um exemplo:
Em dezembro de 2001, a Suécia entregou duas pessoas à CIA a qual, em seguida, entregou as mesmas pessoas ao Egito, para serem torturadas. Decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU condenou a Suécia por violar a lei que proíbe a tortura em todo o mundo, violação que se consumou na entrega daquelas pessoas a um terceiro país (adiante, as duas pessoas vitimadas nesse procedimento processaram o governo sueco e obtiveram substancial indenização) [1]
Quem esteja pensando “Ah, mas isso foi durante o governo Bush, essas coisas já não acontecem”, repense. Em 2010 e 2011, a histeria que cerca a revelação dos crimes e vícios no modo como os EUA atuam no mundo levou várias figuras proeminentes do cenário político norte-americano a “exigir” que Assange fosse classificado como terrorista, que fosse preso e processado como espião. E houve até quem pregasse que fosse assassinado.
O deputado Peter King, Republicano de New York, presidente da Comissão de Segurança Nacional da Câmara de Deputados, exigiu que WikiLeaks fosse declarada organização terrorista e que Assange fosse processado nos termos da Lei de Espionagem de 1917, posição partilhada pela senadora Dianne Feinstein, Democrata da California, presidente da Comissão de Inteligência do Senado, que escreveu, em coluna assinada no Wall Street Journal:
“A divulgação desses documentos causa dano aos nossos interesses nacionais e põe em risco vidas de inocentes. Ele deve ser vigorosamente processado por espionagem”.
Sarah Palin
Outros foram ainda mais longe e exigiram que Assange fosse assassinado, por meios judiciais ou extrajudiciais. Por exemplo, um ex-funcionário canadense, Tom Flanagan, pregou abertamente o assassinato de Assange.
A ex-governadora do Alaska Sarah Palin disse de Assange que seria “agente antiamericano com sangue nas mãos”, caso a ser tratado como se tratam os terroristas da al-Qaeda.
Em postado em Facebook, Palin disse que Assange seria tão jornalista quanto o “editor” da revista da al-Qaeda em inglês, Inspire. E acrescentou:
“Os documentos secretos que ele divulgou revelaram a identidade de mais de 100 contatos afegãos Talibã. Por que não é caçado com a mesma urgência com que caçamos os líderes da al-Qaeda e dos Talibã?”
Tudo isso considerado, ponham-se no lugar de Assange. Se o New York Times noticia, acuradamente, que o presidente Barack Obama considerou “fácil” a decisão de mandar assassinar Anwar al-Awlaki, cidadão norte-americano suspeito de ter participado de operações terroristas contra alvos norte-americanos... como confiar que o ex-professor de Direito Constitucional saberá resistir à pressão política para mandar assassinar... você?
Pode-se descartar qualquer movimento para dronar um prédio no centro de Londres. Mas Assange, muito compreensivelmente, deve temer uma operação clandestina pelos contrapartes britânicos do FBI e da CIA — MI-5 e MI-6 — para eliminá-lo “com preconceito extremo”, como se dizia antigamente na CIA.
Dr. David Kelly
Por melodramático que soe, é preciso não esquecer que faz apenas nove anos que o biólogo do Ministério da Defesa britânico e inspetor de armamentos da ONU, Dr. David Kelly, “foi suicidado”. Sobrevivem até hoje muitas provas (circunstanciais) de que aquele suicídio não foi autoinfligido.
Kelly foi considerado “culpado” por ter distribuído informação acurada e verdadeira sobre a inexistência de “provas” das armas de destruição em massa que haveria, mas jamais houve, no Iraque. Foi convenientemente removido do palco, há quem acredite, pelas próprias mãos. A embaixada do Equador bem fará se contratar provadores britânicos, para provar todo o foie gras, trufas e bolinhos que encomendem na Harrods, vizinha.
Correa na televisão, com Assange
Quatro semanas antes de Assange procurar asilo, ele entrevistou o presidente do Equador, Rafael Correa, no 6º episódio do programa “The World Tomorrow” (programa de entrevistas, assinado por Assange, no canal Russia Today, exibido às 3ª-feiras [2]). Assange perguntou a Correa por que tanto insistira para que WikiLeaks divulgasse todos os telegramas que tinha. Correa respondeu:
“Porque quem nada deve nada teme. Nós nada temos a ocultar. De fato, os [telegramas divulgados por] WikiLeaks nos fortaleceram.” (...) Nós não tememos nada. Que publiquem tudo o que tenham a publicar sobre o governo do Equador. Não se encontrará nada contra nós. E veremos aparecer muitas informações sobre entreguismos, traições, acertos, feitos por muitos supostos opositores da revolução cidadã no Equador…
Correa comentou que quando os telegramas WikiLeaks foram distribuídos para as empresas de mídia no Equador, as empresas optaram por não publicá-los – em parte porque os documentos revelavam muito, também, sobre os próprios veículos e os próprios jornalistas. Lembrou que quando assumiu a presidência, em janeiro de 2007, cinco das sete empresas privadas de comunicação com canais de televisão no Equador eram propriedade de banqueiros. Os banqueiros usavam a máscara do jornalismo, para interferir na política e desestabilizar governos, por medo de perder poder.
Equador e EUA
Rafael Correa
Correa, 49, formado na Bélgica, na Universidade Católica de Louvain e na Universidade de Illinois em Urbana/Champaign (onde viveu por quatro anos e obteve dois títulos, de mestre e de PhD em economia), disse que admira muito o povo norte-americano. Mas o governo dos EUA é outro assunto.
Assange e Correa discutiram a decisão de Correa de expulsar do Equador a embaixadora dos EUA, Heather Hodges, tanto pelo que os telegramas de WikiLeaks revelaram quanto pela “arrogância” da embaixadora; discutiram também a decisão unilateral do presidente do Equador, de ordenar o fechamento da base militar dos EUA que havia em Manta.
Mesmo assim, tem-se a impressão de que Correa ainda tem grandes esperanças de que as coisas possam melhorar no governo Obama. O presidente do Equador comentou uma vez que o que Hugo Chávez dizia de Bush – que é o demônio – não era justa com o demônio. E que o governo de Bush tornara “invisível” a América Latina.
Sobre as relações gerais entre Equador e EUA, Correa disse a Assange que teriam de ser “um quadro de respeito mútuo e soberania.” Essa expectativa de respeito mútuo, sobretudo o respeito que Washington deve à soberania do Equador estará sendo testada nas próximas semanas.

Hillary Clinton
Hillary Clinton já deve estar arrependida de ter gasto tanta energia em sua primeira visita à Suécia como secretária de Estado, no início do mês. Se Assange conseguir escapar às garras suecas e partir para o Equador, Clinton será obrigada a repor Quito em sua agenda de viagens.
Há dois anos, uma visita de Clinton à capital do Equador foi marcada por vastos protestos, mas o presidente Correa revelou-se anfitrião elegante e cortês. Sim, mas isso foi antes de o Equador ser informado dos comentários que a embaixadora Hodges dedicava ao próprio Correa e sua equipe; antes, portanto, de Correa ter despachado a embaixadora de Clinton, de volta para casa, por excesso de “arrogância”.
Correa parece ter desenvolvido alergia aguda a arrogâncias. Clinton, portanto, talvez deva considerar a possibilidade de mandar alguém em seu lugar, no caso de os EUA precisarem persuadir o Equador a entregar Assange às suaves graças da “justiça” norte-americana.

Notas dos tradutores
[1] 19/6/2012, Glenn Greenwald, Salon, em: Assange asks Ecuador for asylum (excerto traduzido ao português na redecastorphoto)
[2] A entrevista (22/5/2012, redecastorphoto) pode ser vista em vídeo, traduzida ao português, em: Assange entrevista No. 6 – “Rafael Correa, presidente do Equador”
[3] Saltei de Banda






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