A
mãe de Assange não apenas aplaudiu a decisão do filho, de pedir asilo, mas
resumiu bem a situação, ao falar com a imprensa:
Christine, mãe de Julian |
Espero
que o Equador lhe dê asilo e, se não, algum outro país do Terceiro Mundo. Espero
que o Terceiro Mundo levante-se e faça o que é moralmente certo, quando o
Primeiro Mundo não pode e não fará, porque vive com o focinho enfiado no cocho,
subjugado pela ganância dos EUA e da grande finança.
Julian
é prisioneiro político, é jornalista, é editor que publicou a verdade sobre
corrupção, crimes de guerra, sequestros, chantagem e manipulação. Não há nenhuma
acusação formal contra ele e sequer foi interrogado sobre crime que, se você
examina os eventos, não tem base alguma. É claro que teria de pedir asilo.
Acrescentou
que seu filho é vítima de decisões tomadas por EUA, Grã-Bretanha, Suécia e
Austrália no sentido de deixar de lado o devido processo legal.
Muito
século 20!
Deixar
de lado o devido processo legal? É argumento – colhendo emprestada a expressão
do eminente especialista em leis e professor Alberto Gonzales — tão “antigo”,
tão “obsoleto”, “tão pré-11/9”! Deixar de lado o devido processo legal
tornou-se, depois do 11/9, o “novo paradigma” adotado não só pelo governo Bush,
mas também pelo governo Obama.
Assange
não tem só pleno direito de buscar asilo: ele também avalia corretamente a
situação objetiva e decide certo. Considerem o seguinte: estava a um passo de
ser enviado para uma Suécia falsamente neutra, com histórico recente de
curvar-se a todas as demandas dos EUA, em todos os casos em que Washington
alegou algum tipo de ameaça à segurança dos EUA. Na 3ª-feira, Glenn Greenwald já
apresentara um exemplo:
Em
dezembro de 2001,
a Suécia entregou duas pessoas à CIA a qual, em seguida,
entregou as mesmas pessoas ao Egito, para serem torturadas. Decisão do Comitê de
Direitos Humanos da ONU condenou a Suécia por violar a lei que proíbe a tortura
em todo o mundo, violação que se consumou na entrega daquelas pessoas a um
terceiro país (adiante, as duas pessoas vitimadas nesse procedimento processaram
o governo sueco e obtiveram substancial indenização)
[1]
Quem
esteja pensando “Ah, mas isso foi durante o governo Bush, essas coisas já não
acontecem”, repense. Em 2010 e 2011, a histeria que cerca a revelação
dos crimes e vícios no modo como os EUA atuam no mundo levou várias figuras
proeminentes do cenário político norte-americano a “exigir” que Assange fosse
classificado como terrorista, que fosse preso e processado como espião. E houve
até quem pregasse que fosse assassinado.
O
deputado Peter King, Republicano de New
York, presidente da Comissão de Segurança Nacional da Câmara de Deputados,
exigiu que WikiLeaks fosse declarada organização terrorista e que Assange fosse
processado nos termos da Lei de Espionagem de 1917, posição partilhada pela
senadora Dianne Feinstein, Democrata da California, presidente da Comissão de
Inteligência do Senado, que escreveu, em coluna assinada no Wall Street
Journal:
“A
divulgação desses documentos causa dano aos nossos interesses nacionais e põe em
risco vidas de inocentes. Ele deve ser vigorosamente processado por espionagem”.
Sarah Palin |
Outros
foram ainda mais longe e exigiram que Assange fosse assassinado, por meios
judiciais ou extrajudiciais. Por exemplo, um ex-funcionário canadense, Tom
Flanagan, pregou abertamente o assassinato de Assange.
A
ex-governadora do Alaska Sarah Palin disse de Assange que seria “agente
antiamericano com sangue nas mãos”, caso a ser tratado como se tratam os
terroristas da al-Qaeda.
Em
postado em Facebook,
Palin disse que Assange seria tão jornalista quanto o “editor” da revista da
al-Qaeda em inglês,
Inspire. E acrescentou:
“Os
documentos secretos que ele divulgou revelaram a identidade de mais de 100
contatos afegãos Talibã. Por que não é caçado com a mesma urgência com que
caçamos os líderes da al-Qaeda e dos Talibã?”
Tudo
isso considerado, ponham-se no lugar de Assange. Se o New York Times
noticia, acuradamente, que o presidente Barack Obama considerou “fácil” a
decisão de mandar assassinar Anwar al-Awlaki, cidadão norte-americano suspeito
de ter participado de operações terroristas contra alvos norte-americanos...
como confiar que o ex-professor de Direito Constitucional saberá resistir à
pressão política para mandar assassinar... você?
Pode-se
descartar qualquer movimento para dronar um prédio no centro de Londres.
Mas Assange, muito compreensivelmente, deve temer uma operação clandestina pelos
contrapartes britânicos do FBI e da CIA — MI-5 e MI-6 — para eliminá-lo “com
preconceito extremo”, como se dizia antigamente na CIA.
Dr. David Kelly |
Por
melodramático que soe, é preciso não esquecer que faz apenas nove anos que o
biólogo do Ministério da Defesa britânico e inspetor de armamentos da ONU, Dr.
David Kelly, “foi suicidado”. Sobrevivem até hoje muitas provas
(circunstanciais) de que aquele suicídio não foi autoinfligido.
Kelly
foi considerado “culpado” por ter distribuído informação acurada e verdadeira
sobre a inexistência de “provas” das armas de destruição em massa que haveria,
mas jamais houve, no Iraque. Foi convenientemente removido do palco, há quem
acredite, pelas próprias mãos. A embaixada do Equador bem fará se contratar
provadores britânicos, para provar todo o foie gras, trufas e bolinhos
que encomendem na Harrods, vizinha.
Correa
na televisão, com Assange
Quatro semanas antes de Assange
procurar asilo, ele entrevistou o presidente do Equador, Rafael Correa, no 6º
episódio do programa “The World Tomorrow” (programa de entrevistas, assinado por
Assange, no canal Russia Today, exibido às 3ª-feiras [2]).
Assange perguntou a Correa por que tanto insistira para que WikiLeaks divulgasse
todos os telegramas que tinha. Correa respondeu:
“Porque
quem nada deve nada teme. Nós nada temos a ocultar. De fato, os [telegramas
divulgados por] WikiLeaks nos fortaleceram.” (...) Nós não tememos nada. Que
publiquem tudo o que tenham a publicar sobre o governo do Equador. Não se
encontrará nada contra nós. E veremos aparecer muitas informações sobre
entreguismos, traições, acertos, feitos por muitos supostos opositores da
revolução cidadã no Equador…
Correa
comentou que quando os telegramas WikiLeaks foram distribuídos para as empresas
de mídia no Equador, as empresas optaram por não publicá-los – em parte porque
os documentos revelavam muito, também, sobre os próprios veículos e os próprios
jornalistas. Lembrou que quando assumiu a presidência, em janeiro de 2007, cinco
das sete empresas privadas de comunicação com canais de televisão no Equador
eram propriedade de banqueiros. Os banqueiros usavam a máscara do jornalismo,
para interferir na política e desestabilizar governos, por medo de perder poder.
Equador
e EUA
Rafael Correa |
Correa,
49, formado na Bélgica, na Universidade Católica de Louvain e na Universidade de
Illinois em
Urbana/Champaign (onde viveu por quatro anos e obteve dois
títulos, de mestre e de PhD em economia), disse que admira muito o povo
norte-americano. Mas o governo dos EUA é outro assunto.
Assange
e Correa discutiram a decisão de Correa de expulsar do Equador a embaixadora dos
EUA, Heather Hodges, tanto pelo que os telegramas de WikiLeaks revelaram quanto
pela “arrogância” da embaixadora; discutiram também a decisão unilateral do
presidente do Equador, de ordenar o fechamento da base militar dos EUA que havia
em Manta.
Mesmo
assim, tem-se a impressão de que Correa ainda tem grandes esperanças de que as
coisas possam melhorar no governo Obama. O presidente do Equador comentou uma
vez que o que Hugo Chávez dizia de Bush – que é o demônio – não era justa com o
demônio. E que o governo de Bush tornara “invisível” a América Latina.
Sobre
as relações gerais entre Equador e EUA, Correa disse a Assange que teriam de ser
“um quadro de respeito mútuo e soberania.” Essa expectativa de respeito mútuo,
sobretudo o respeito que Washington deve à soberania do Equador estará sendo
testada nas próximas semanas.
Hillary Clinton |
Hillary
Clinton já deve estar arrependida de ter gasto tanta energia em sua primeira
visita à Suécia como secretária de Estado, no início do mês. Se Assange
conseguir escapar às garras suecas e partir para o Equador, Clinton será
obrigada a repor Quito em sua agenda de viagens.
Há
dois anos, uma visita de Clinton à capital do Equador foi marcada por vastos
protestos, mas o presidente Correa revelou-se anfitrião elegante e cortês. Sim,
mas isso foi antes de o Equador ser informado dos comentários que a embaixadora
Hodges dedicava ao próprio Correa e sua equipe; antes, portanto, de Correa ter
despachado a embaixadora de Clinton, de volta para casa, por excesso de
“arrogância”.
Correa
parece ter desenvolvido alergia aguda a arrogâncias. Clinton, portanto, talvez
deva considerar a possibilidade de mandar alguém em seu lugar, no caso de os EUA
precisarem persuadir o Equador a entregar Assange às suaves graças da “justiça”
norte-americana.
Notas dos
tradutores
[1] 19/6/2012, Glenn Greenwald, Salon, em: Assange asks Ecuador for asylum (excerto traduzido ao português na redecastorphoto)
[2] A entrevista (22/5/2012, redecastorphoto) pode ser vista em
vídeo, traduzida ao português, em: Assange
entrevista No. 6 – “Rafael
Correa, presidente do Equador”
[3] Saltei de
Banda
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