Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Helena
Smith
é correspondente do The Guardian na
Turquia, Grécia e Chipre
Alexis Tsipras em seu escritório no edifício do Parlamento grego nesta sexta-feira |
O destino da Grécia e da Eurozona
pode estar agora nas mãos de um jovem de 37 anos de idade e de seu partido
Syriza
“A Grécia está sendo usada como
cobaia, para um experimento do capitalismo”.
“Não acredito em heróis ou
salvadores da pátria”, diz Alexis Tsipras, “mas acredito na luta por direitos.
Ninguém tem o direito de reduzir gente honrada a esse estado de miséria e
indignidade”.
O homem que tem nas mãos o destino
do euro – o líder do partido grego que quer rasgar o acordo de “resgate” do
país, de €130 bilhões – diz que a Grécia é hoje a linha de frente de uma guerra
que se espalha por toda a Europa.
Longo bombardeio pelas armas de um
“choque neoliberal” – aumentos draconianos nos impostos e impiedosos cortes de
gastos públicos – provocou imenso dano colateral. “Nunca estivemos em pior
posição”, diz ele, mangas arregaçadas, olhos postos num ponto médio entre a sala
e o horizonte, por trás da mesa que divide no seu pequeno gabinete no
Parlamento. “Depois de dois anos e meio de catástrofe, os gregos estamos de
joelhos. O estado social está em colapso; um, de cada dois jovens está
desempregado há emigração em massa; o clima psicológico é de pessimismo,
depressão, suicídio em massa.”
Mas, apesar de exausto e em
frangalhos, o país que está em pior situação na escalada da dívida, na Europa, e
à beira da falência, também amadureceu e endureceu. E cada vez mais caminha na
direção de Tsipras, para liderá-lo em sua luta.
“Só se perde luta que não se
combate”, diz o jovem político, que, quase da noite para o dia, viu seu partido
da Coalizão da Esquerda Radical, Syriza, saltar da posição de representante de
menos de 5% dos gregos, para mais de 25% dos votos nas urnas.
“Você pergunta se tenho medo...
Teria medo, isso sim, se continuássemos naquele caminho, que leva diretamente ao
inferno social. Se se luta, sempre há chances de vencer. Estamos lutando para
vencer”.
Antes de os gregos terem ido às
urnas, dia 6/5, nem Tsipras nem seu partido eram nomes dos quais se ouvia falar
muito. Havia quem os visse como uma espécie de caricatura: um ex-estudante
comunista de rabo-de-cavalo, liderando um bando de esfarrapados ex-trotskyistas,
maoístas, socialistas-caviar e verdes. Os assessores de Tsipras rapidamente
admitem que seja vistos por muitos ainda como “militantes” e, sobretudo, da
causa da antiglobalização.
Mas, hoje, os jornalistas do Guardian foram o terceiro item na agenda
de Tsipras, que nos recebeu em seu gabinete no segundo piso do prédio do
Parlamento. Antes de receber o Guardian, Tsipras já recebeu o
embaixador da Alemanha na Grécia e o presidente do Parlamento Europeu, Martin
Schulz. Com os gregos preparando-se para voltar às urnas dia 17/6, e candidato
que lidera as principais pesquisas de intenção de voto no país – depois que sua
Coalizão Syriza chegou em segundo lugar nas eleições desse mês, em que nenhum
dos vitoriosos alcançou maioria que lhe permitisse compor um governo – Tsipras é
o homem que todos querem ver e ouvir.
“Não me pareceu tão perigoso,
pessoalmente, como quando fala pela televisão, mas tem posições arriscadas”, diz
Schulz, saindo da audiência com Tsipras.
“A [próxima] votação na Grécia
decidirá não só o que acontece aqui, mas o que acontecerá internacionalmente”,
acrescenta o alemão, antes de dizer o que realmente quer dizer: “Se o Memorando
[o acordo de empréstimo da União Europeia e do FMI, para ‘'resgate'’ do país] é
posto em dúvida, os pagamentos [empréstimos] para a Grécia também são postos em
dúvida”.
Tsipras, que completará 38 anos em
julho, insiste em deixar claro que a guerra não é pessoal. O inimigo não é
Berlin, até agora o principal provedor dos fundos para o monumental “resgate”
que deve manter à tona a economia grega, afundada em dívidas. “Não se trata de
confronto entre nações ou povos”, diz ele. “De um lado, estão os trabalhadores e
grandes maiorias da população; de outro lado, estão os capitalistas globais,
banqueiros globais, financistas que lucram nas bolsas de valores, os grandes
fundos. Os povos estão em guerra contra o capitalismo... e, como em todas as
guerras, o que acontece na linha de frente define a batalha. O que acontecer
aqui será decisivo para a guerra em outros pontos”.
A Grécia, diz Tsipras, tornou-se
“caso exemplar” para o resto da Europa, porque foi o primeiro país a cair,
vítima das políticas neoliberais violentas de “crescimento a qualquer custo”,
implantadas em nome de superar a crise.
“A Grécia foi escolhida como
cobaia de um experimento: a aplicação de políticas neoliberais de choque. O povo
grego entrou aí como porcos-da-Índia”.
“Se o experimento puder continuar,
será considerado bem-sucedido; e políticas semelhantes serão aplicadas
em outros países.
Por isso é tão importante dar por encerrado, aqui, o
experimento. Não será vitória da Grécia. Será vitória de todos os povos da
Europa”.
Sob as condições do atual plano de
“resgate”, que submeteu a Grécia a violentíssima “austeridade” – o poder de
compra médio na Grécia já caiu cerca de 35% – e o sistema financeiro
internacional, e sobretudo os bancos, são os únicos vencedores, diz Tsipras.
“Quem está sobrevivendo?” pergunta ele. “Não são os gregos. Os empréstimos vão
diretamente para pagar juros e para pagar bancos”.
Outro ponto que Tsipras quer
deixar claro é que não está contra o euro nem contra a união monetária. Para
ele, o medo de que a Grécia deixaria a Eurozona está sendo disseminado para
aterrorizar as pessoas e manter o status quo. Por causa dos boatos, o país
assistiu a saques de “mais de €75 bilhões”, euros sacados dos bancos gregos
desde o início da crise em Atenas, em dezembro de 2009.
Na próxima semana, Tsipras estará
reunido com representantes do governo alemão em Berlim. Diz que “Angela Merkel
deve saber que tem hoje imensa responsabilidade histórica”.
“Não nos opomos à Europa unificada
ou à união monetária”, ele insiste. “Não queremos chantagear ninguém. Queremos
persuadir nossos parceiros europeus de que o modo como escolheram fazer da
Grécia um “caso exemplar” para o resto da Europa e nos desafiar, nessa disputa
de vida ou morte, é atitude contraproducente. Os empréstimos que estão propondo
à Grécia, ou são negócios acertados entre banqueiros, à custa da sobrevivência
dos gregos, ou é jogar dinheiro num poço sem fundo”.
Nos últimos dois anos, Atenas
recebeu dois grandes empréstimos da União Europeia e do FMI: €110 bilhões em
maio de 2010 e, em março de 2012, mais €130 bilhões, mas os duros programas de
ajuste fiscal exigidos como contrapartida, evidentemente não estão funcionando,
diz Tsipras.
Se não se cuida agora de
reenergizar a mais moribunda das várias economias europeias moribundas, com um
empurrão no desenvolvimento, “em seis meses estaremos obrigados a discutir um
terceiro pacote de empréstimos e, logo depois, um quarto pacote”, ele prevê.
“Os contribuintes europeus devem
saber que, se dão dinheiro à Grécia, deveria haver algum resultado. O dinheiro
deveria ser encaminhado sob a forma de investimentos, em projetos, para que se
pudesse realmente cogitar de superar as dificuldades e a Grécia pudesse
enfrentar, de fato, a questão da dívida. Com a fórmula que está sendo aplicada,
e o dinheiro dos novos empréstimos consumido integralmente para pagar dívidas
antigas aos mesmos banqueiros, não há meios pelos quais a Grécia possa sair da
situação em que está”.
Tudo isso soa em tom notavelmente
mais moderado que a retórica furibunda à qual Tsipras estava associado, antes de
seu partido emergir como força com possibilidade de chegar à maioria, num
Parlamento sitiado.
A primeira medida da Coalizão
Syriza no poder será anular o controverso “memorando de entendimento” que a
Grécia assinou com os credores, no qual se detalham as onerosas condições sob as
quais o país recebe parcelas semestrais de injeções de dinheiro.
O memorando, diz Tsipras, foi
assinado sem consulta aos eleitores gregos. E agora, depois das eleições de 6/5,
quando mais de 70% dos eleitores deixaram claro que se opõem àquelas políticas e
votaram em partidos “anti-resgate”, é evidente que o memorando já perdeu
qualquer legitimidade que tivesse.
É jogo de apostas altíssimas, mas,
ele argumenta, a Europa é quem menos tem chances de vencer, porque, diz Tsipras,
nos termos da lei europeia, a Grécia não pode ser ‘expulsa’ do bloco de 17
países da União Europeia.
“Os europeus têm de entender que
não temos nenhuma intenção de adotar qualquer espécie de movimento unilateral.
Só agiremos se formos obrigados a agir, se, antes, eles optarem por algum
movimento unilateral”, diz ele. “Se o dinheiro não vier, a Grécia não terá como
pagar os credores. Nada disso é muito difícil de entender”.
E se a Grécia parar de pagar os
credores, o problema, então sim, sim, mudará de direção. A posição da Grécia é
muito mais forte do que tantos supõem.
“Keynes já explicou isso, há
muitos anos. Nem sempre o devedor está em posição mais fraca que o credor. A
posição do credor também pode ser extremamente difícil. Se você deve £5.000 ao
banco, o problema é seu. Mas se você deve £500.000, o problema é do banco. O
problema hoje não é da Grécia: é problema de Merkel. É problema europeu. É
problema global”.
Bem apessoado, cabelos e olhos
castanhos, e competente com as palavras, seja na oratória candente seja na
oratória moderada, Tsipras parece mais uma “celebridade” (que é como parte da
população grega o vê) do que um salvador, que é como o veem muitos outros
gregos.
Seus assessores acrescentam que um
de seus heróis é o presidente Hugo Chávez da Venezuela, que faz aniversário
também dia 28/7. E que Tsipras não acredita em rótulos político-partidários,
“nesses tempos de crise”. Mas Tsipras, embora pareça estar-se preparando para
governar e tenha moderado o tom dos discursos, diz que “a luta
continua”.
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