Santayana e a arrogância dos bancos
Mauro Santayana
Em seu editorial de ontem, o New
York Times trata do depoimento do banqueiro Jamie Dimon, o todo poderoso
presidente do J.P.Morgan, ao Comitê de Bancos do Senado
norte-americano, a propósito do sistema financeiro de seu país. Depois
de admitir erros fatais na ação de sua empresa, Dimon foi mais longe,
dizendo que os chamados bancos grandes demais para falir têm aspectos
negativos, como “ganância, arrogância, insolência, e falta de atenção
com os detalhes”.
Dimon é um dos heróis maiores de nossos
tempos neoliberais. Aos 56 anos, filho e neto de operadores no mercado
de capitais, fez carreira sucessiva nas principais instituições
financeiras norte-americanas, até chegar ao topo do J.P.Morgan em 2006,
aos 50 anos. Ligado ao Partido Democrata, é visto como amigo de Obama, e
o seu nome foi cogitado para ser o Secretário de Tesouro do atual
presidente.
O New York Times registra que, apesar
de seus reparos, Dimon repele qualquer regulamentação do sistema e se
opõe até mesmo aos frágeis controles propostos por Paul Volcker, quando
presidente do FED.
Muito bem, revela um banqueiro dos
maiores, o sistema financeiro se move pela ganância, pela arrogância e
pela insolência. Enfim, pela prepotência. E só os absolutamente néscios
(salvo os interessados) podem acreditar que os governos do mundo são
conduzidos pelas doutrinas políticas, e não pelos banqueiros. Esses,
além da atuar em seu próprio interesse, cuidam dos interesses dos
grandes acionistas, que não passam de algumas dezenas de grandes
famílias. A remuneração normal de Dimon, conhecida, é de 24 milhões de
dólares ao ano, sem contar com as gratificações, e as indenizações, em
caso de saída da instituição.
O sistema financeiro sempre foi
instrumento da injustiça, da desigualdade e das guerras. Mais uma vez,
os grandes bancos, insatisfeitos com tudo o que saquearam, estão
espalhando os vírus de uma conflagração geral. Como
os recentes episódios europeus estão demonstrando, os bancos já não se
limitam a cooptar os governantes, mas passaram a administrar diretamente
os estados, ao colocar seus empregados na chefia dos governos, como
fez o Goldman Sachs.
A crise européia, no entanto, é muito
mais do que um problema financeiro. É um imenso problema político. A
guerra de 1914 – fomentada, como tantas outras, pelo grande capital –
não resolveu os dissídios entre as potências continentais, sobretudo
entre a Alemanha e a França, que disputam o domínio da Europa desde o
confronto entre Richelieu e o Conde-Duque de Olivares, no século 17, e
foram ao conflito armado em 1870.
Os vencedores das duas guerras mundiais
foram incapazes de administrar as duas derrotas alemãs com competência
política. A tentativa de superar o problema com a criação da União
Européia não trouxe a solução, 61 anos depois de seu primeiro passo, com
a formação da Comunidade do Carvão e do Aço. A razão é simples: a
formação de um bloco supranacional não elimina as rivalidades nacionais.
Nós sabemos bem disso: enquanto o Brasil não se desenvolver como um
todo, os estados mais ricos – e, assim, mais poderosos – continuarão a
exercer a hegemonia do poder no país.
Novamente a Alemanha, baseada em seu
poder industrial, dita o comportamento da Europa. Aliada dos grandes
bancos, e dos Estados Unidos, que se dispõem a favorecer a sua posição
no continente, a Senhora Merkel expressa os antivalores euro-americanos
que Dimon reconhece no sistema financeiro: ganância, insolência,
arrogância.
O capitalismo não cresce sem
desigualdade, mas a desigualdade exacerbada conduz às crises, com o
desemprego, a queda do consumo e a falência das grandes empresas. É
nesse momento que se incentivam as guerras, com a ocupação dos
desempregados, seja na indústria bélica, seja nas fileiras de
combatentes. Quando a situação ainda permite, os conflitos se dão na
periferia, mas chega o momento em que os países centrais entram
diretamente em combate.
Não foi suficiente a intervenção na
Líbia – promovida pela França, pelos Estados Unidos e pela Grã Bretanha –
para o controle do deserto encharcado de petróleo. O país está entregue
a bandos armados, sem governo, sem leis. O conflito interno na Síria
não é tão simples como parece: está hoje claro que a violência não é
monopólio do governo, mas sim estimulada por rebeldes armados e
financiados do exterior. A programada agressão ao Irã envolverá, em sua
defesa, a Rússia e, provavelmente, a China.
Diante desse quadro mundial de
perspectivas desastrosas, temos que nos preparar, sem pânico, mas com
firmeza, contra o projeto de recolonização em andamento, aqui, na
África, na Ásia. Daí a urgência em buscar – não a hegemonia continental,
que é presunção também insolente - justo entendimento com os nossos
vizinhos, baseado nos interesses e sentimentos comuns, como pretende a
Chefe do Estado.
E, como tarefa prioritária, impor aos
banqueiros o controle necessário do Estado contra a ganância, a
arrogância e a insolência, confessadas por Jamie Dimon ao Senado
americano.
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