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Artigo de Thomas Henrique de Toledo
Dizem que só existe uma democracia livre quando a imprensa é livre. Mas no Brasil, apesar de todas as liberdades garantidas pela Constituição de 1988, nossa imprensa hegemônica continua presa e submissa à visão estadunidense dos acontecimentos internacionais.
Artigo de Thomas Henrique de Toledo
Dizem que só existe uma democracia livre quando a imprensa é livre. Mas no Brasil, apesar de todas as liberdades garantidas pela Constituição de 1988, nossa imprensa hegemônica continua presa e submissa à visão estadunidense dos acontecimentos internacionais.
Se observarmos os grandes órgãos midiáticos do país, vide Estadão, Folha, Veja e Globo, além de outros, não coincidentemente controlado por algumas poucas famílias, eles parecem incapazes de formularem uma visão brasileira sobre o que ocorre no mundo.
Ao contrário, reproduzem de forma sistemática e acrítica o que é publicado no The Washington Post, The New York Times, Reuters, CNN e FoxNews. Esses, por sua vez, reproduzem as visões oficiais do Departamento de Estado norte-americano, especialmente após o Patriotic Act, que criou naquele país um Estado policialesco e censurador, de proporções jamais vistas.
Vejam o exemplo das guerras de Bush. Quantas vezes os títulos das manchetes publicadas por esses órgãos brasileiros reproduziram a expressão “Guerra ao Terror”, cunhada pelos falcões republicanos para justificar sua guerra infinita que manteria em constante atividade sua indústria bélica? Mas o que é Terror? Os sanguinários e violentos filmes de Hollywood e jogos de video-game que "educam" nossas crianças? As “humanitárias” prisões de Abu Graib e Guantánamo? Ou as ações bélicas imperialistas mundo afora?
Assim, não é de estranhar porque no Brasil a morte dos pouco mais de 3 mil estadunidenses no 11 de Setembro de 2001 conseguem sensibilizar muito mais do que a dos 300 mil iraquianos após a invasão em 2003.
Aliás, essa mesma Guerra ao Iraque, rejeitada em quase todo o mundo pelo pensamento e pela impresa crítica, aparecia aqui no Brasil com capas e capas de apoio àqueles que “levariam a democracia ao Oriente Médio”. Mas o que a história tem mostrado é que a democracia é um processo que se conquista de baixo para cima, e somos testemunhas contemporâneas deste processo no Oriente Médio ocorrendo à revelia dos EUA.
Ironicamente, ao invés de “democratizar” qualquer país, os EUA sempre apoiaram as piores ditaduras e monarquias absolutistas não apenas na região, mas em todo o mundo, desde que fossem seus aliados estratégicos.
Mas e o caso da Líbia? O assim descrito como “cruel, sanguinário e ditador” Muomar Kadafi, que até a década de 1990 era tratado como um pária, transformou-se na década de 2000 em um símbolo de regeneração por se aproximar dos EUA e do “Ocidente”.
Deste modo, Kadafi tornava-se um “exemplo de cooperação” na “Guerra ao Terror”, como os “reis” sauditas e outros governos criados artificialmente no processo de “descolonização”, que na prática apenas preservou o controle estadunidense e europeu sobre o petróleo e áreas estratégicas.
Agora, quando os EUA perdem posições em países como o Líbano, a Tunísia e o Egito, Kadafi volta a ser um “assassino, terrorista e desumano”, especialmente quando os preços do barril de petróleo ultrapassam os US$ 100. Dessa forma, a “repressão à oposição democrática” era o pretexto que faltava para uma invasão de uma área estratégica no Mediterrâneo.
Corremos, assim, o risco de assistir a mais um grotesco espetáculo de guerra e carnificina liderado pelos EUA, com bombardeio, destruição e genocídio na Líbia, sob o pretexto de levar “a liberdade e apoiar os defensores da democracia”.
Até a imprensa dos EUA ser apoiadora de tais aberrações é compreensível, apesar de não ser aceitável. O problema é a mídia brasileira adotar como universal a visão de mundo deste país e reproduzir o que um ministro dos tempos da ditadura dizia: “o que é bom para os EUA é bom pra o Brasil”. Será mesmo?
E o caso do subsidio governamental dos EUA ao algodão e ao etanol que prejudicam as exportações de nossa agricultura e de nossa indústria? E a ausência de apoio dos EUA ao pleito brasileiro no Conselho de Segurança da ONU, que insistem em congelar o sistema de poder mundial? E a oposição frontal dos EUA à política externa afirmativa, multipolar e ampla que o Brasil tem desenvolvido?
Esses são apenas alguns entre muitos exemplos que opõem frontalmente nossos interesses aos dos EUA, mas ironicamente nossa imprensa parece sempre ficar ao lado deles, com publicações deslegitimando nossos objetivos.
Será que não é hora de ser revista essas linhas editoriais baseada na “Guerra Fria” e na bipolaridade que já deixou de existir há mais de duas décadas? Será que não chegou o momento de nossa imprensa sair das fraldas da visão subdesenvolvida e colonial de que eles sempre estão certos por serem grandes e nós errados por sermos pequenos?
Ou será que chegou finalmente o momento de, com a revolução digital e a universalização do acesso à internet, deixarmos de pensar como essas famílias midiáticas e conquistarmos nossa verdadeira independência incentivando formas alternativas e realmente livres de comunicação?
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