por Emir Sader*
O maior debate de ideias do nosso tempo é aquele que opõe o pensamento crítico ao pensamento único. A hegemonia neoliberal impôs o pensamento único e o Consenso de Washington como formas dominantes de enfocar a realidade e orientar as formas de vida das pessoas. Apologia do mercado, desqualificação dos Estados, taxação das políticas sociais como “populismo”, tentativas de desmoralização de tudo o que diferisse do capitalismo e do liberalismo, criminalização dos movimentos sociais e das suas lutas, entre outras fórmulas, foram disseminados pela mídia, pelas grandes editoras, ocupando espaços conquistados pelas grandes empresas monopolísticas.
Governos como os de Collor, Itamar, FHC, foram expressões do pensamento único e do Consenso de Washington. Consideravam que só havia uma política possível, aquela centrada nos ajustes fiscais e na estabilização monetária como eixo central dos governos. Governaram com programas similares aos de Menem, Fujimori, Carlos Andrés Perez, Salinas de Gortari, segundo as fórmulas do FMI, da OMC e do Banco Mundial.
A imprensa e as editoras difundiram esse discurso como o único possível, produzindo nova geração de best-sellers e de personagens da imprensa escrita, radial e televisiva, que se valiam do monopólio das empresas que os empregavam para repetir, mecanicamente, sem nenhuma criatividade, os mesmos jargões do pensamento único.
Os jornais foram perdendo interesse, todos se parecendo entre si, como se fossem escritos pela mesma pessoa, sem inventividade e defasados da realidade concreta. Os noticiários da TV foram sendo povoados por personagens grotescos, que banalizavam qualquer análise, vulgarizando os temas, sem qualquer informação ou análise concreta. Tudo isso foi desmoralizando a imprensa e fazendo com que os best-sellers esgotassem sua vigência conforme as crises seguintes fossem tirando-os de moda. Enquanto foi aparecendo a imprensa alternativa, hoje centrada na internet, que os derrota cotidianamente, de forma democrática, pluralista, inovadora, com ironia e criatividade.
A década que termina foi aquela que foi enterrando o pensamento único, esses personagens folclóricos na mídia e as forças políticas que os representam. A América Latina, principal vítima do neoliberalismo, foi quem mais fortemente reagiu, derrotando a imprensa monopolista e seus esquemas de pensamento.
Quando praticamente toda a mídia atacou Lula ao longo dos 8 anos do seu mandato, mas Lula terminou-o o com 87% de apoio e só 4% de rejeição – o que foi conquistado da opinião pública por essa mídia -, estava dada a derrota do pensamento único, do Consenso de Washington e dos seus porta-vozes. O mesmo aconteceu em muitos outros países da América Latina.
O debate atual sobre um simples projeto de promoção de debates de interesse geral para o Brasil de hoje em um centro de caráter público gerou uma resistência feroz da parte dos porta-vozes do pensamento único, que acreditam que ainda gozam do monopólio de formação da opinião publica. Será que não se dão conta de que suas ideias foram derrotadas nas últimas três eleições presidenciais? Que esses órgãos da mídia, que apoiaram a ditadura, foram perdendo leitores, credibilidade, viabilidade, foram sendo abandonados pelos jovens, pelos que preferem o pensamento crítico ao pensamento único?
É uma triste – e muito dura para eles – decadência, irreversível. Os brasileiros demonstram, no apoio que deram e dão ao Lula, atacado por eles todos os dias, como se autonomizaram desses meios que tentavam fazê-los pensar todos iguais, pela cartilha dos organismos internacionais.
Jornalistas mais jovens foram ocupando lugares nessa imprensa e envelhecem rapidamente, não conseguem ter sensibilidade popular para sentir como os governos Lula e Dilma triunfam porque se opuseram a seus clichês, porque derrotaram e derrotam cotidianamente suas opiniões. Os mesmos órgãos que repetem esses clichês ficam implorando para que escrevamos para eles. Eu lhes respondo que um texto dos “blogueiros sujos” – como o seu candidato nos chamava – tem milhares de vezes mais leitores do que um texto na sua mídia, que vende cada vez menos, cada vez é menos lida, cada vez mais é reduzida à intranscendência.
Hoje os grandes pensadores brasileiros são os que exercem ativamente o pensamento crítico contra o pensamento único. Pensadores como Marilena Chauí, Maria Conceição Tavares, José Luiz Fiori, Maria Rita Kehl, Wanderley Guilherme dos Santos, Leonardo Boff, Marcio Pochmann, Tania Bacelar – para mencionar apenas a alguns – desenvolvendo suas formas distintas de pensamento em uma lógica oposta aos dogmas do pensamento único, que continua a orientar a velha mídia. Por isso são cada vez menos lidos, não são mais levados em conta, constituem a útima geração de jornalistas desse tipo, de uma mídia monopolista que perdeu importância e viabilidade. Sobram para eles personagens grotescos, muitos deles ex-esquerdistas, que se penitenciam a vida inteira por ter sido de esquerda e repetem os mesmos clichês de todos, para poderem ter algum espaço nos jornais, revistas e programas de televisão.
O Brasil mudou e derrotou tudo isso que representa o Brasil do passado, aquele que fez do nosso país o mais desigual da América Latina e um dos mais desiguais do mundo. Aqueles que reclamam dos espaços de pensamento alternativo – na internet, nos centros de debate, nas publicações novas – são os mesmos que reclamam que os aeroportos se parecem a rodoviárias, os que reagem brutalmente para tentar impedir que a massa da população brasileira tenha acesso a bens fundamentais, até há pouco reservado a eles. São os que perderam e seguem perdendo as eleições, porque estão sem sintonia com o novo país. Usam ainda o monopólio privado da mídia para tentar sobreviver um pouco mais.
Todas as agressões que me reservam, eu as recebo como condecorações ao pensamento único. Não tive medo da ditadura, de processos que tentaram me silenciar, resisti, como tanto outros, a toda essa engrenagem e saímos vitoriosos, com a vitória do Lula e da Dilma. Grave seria se me exaltassem, eu esperava isso, porque conheço a direita brasileiro e seu ranço elitista. Porém o Brasil para todos os condena a falar para si mesmos, enquanto um novo Brasil surge, apesar de tudo isso e contra o pensamento único e o Consenso de Washington.
Os projetos propostos não serão brecados por essa barreira de intolerância e de neo-bushismo, dos saudosos de outras épocas em que dominavam a esfera pública. Esses projetos serão realizados – em um ou outro espaço público, disso não tenham dúvidas – e esperam contar com o apoio de todos os que preferem o pensamento crítico ao pensamento único. Eles passarão, nós passarinhos.
* Emir Sader é sociólogo e professor de Ciência Política, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
PS do Viomundo: O sociólogo Emir Sader deveria assumir esta semana a presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa. Porém, caiu antes. Foi após críticas à ministra da Cultura, Ana de Hollanda, numa entrevista à Folha de S. Paulo. A informação foi publicada hoje no portal de O Globo.
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