sábado, 28 de maio de 2016

José Serra: O chanceler do oportunismo

O representante diplomático dos golpistas tem uma ambição e um oportunismo cujas gigantescas dimensões são inversamente proporcionais aos seus escrúpulos.


Eric Nepomuceno, para o Página/12, do Rio de Janeiro José Cruz / Agência Brasil


Sua origem política foi o movimento estudantil. Serra foi presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) durante o governo de Jango Goulart (1961-1964), e um dos fundadores da AP (Ação Popular), ativa e poderosa organização de esquerda da época. Em 1964, quando o golpe instaurou no Brasil uma ditadura que duraria 21 anos, Serra foi preso. Se exilou, primeiro na Bolívia, depois na França, e logo no Chile. Com o golpe de Pinochet, ele se refugiou na Embaixada de Itália – é filho de italianos –, e em seguida se exilou nos Estados Unidos.

Sua trajetória, um tanto comum em nossas esquerdas, é a de uma guinada radical à direita mais dura. E essa mudança, em seu caso particular, foi reforçada por dois aspectos de sua personalidade: uma ambição e um oportunismo cujas gigantescas dimensões são inversamente proporcionais aos seus escrúpulos.


Serra atua nas sombras e é conhecido por ser bastante vingativo. Adepto feroz da teoria de dividir para dominar, o chanceler interino e um especialista em dividir companheiros para ampliar seu espaço de manobra.

Durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, seu amigo desde os tempos do exílio chileno, Serra quis ser ministro da Fazenda. No primeiro, teve que se contentar com a pasta do Planejamento. No segundo, insistiu em que seu objetivo era a Fazenda, e novamente ficou sem ela, foi destinado à Saúde. Chegou a conquistas de grande importância, como a quebra de patentes internacionais e a entrada dos genéricos no país e desenhou uma política de combate à AIDS que foi considerada referência. Seus amigos e familiares, por outro lado, obtiveram duvidosos contratos milionários junto à indústria farmacêutica.

A flexibilidade de princípios de Serra se mostrou em todo o seu esplendor durante a disputa presidencial com Dilma Rousseff, em 2010. Enquanto alimentava nas sombras uma campanha junto aos setores conservadores da Igreja contra sua oponente, acusada de ateia e comunista, ele fazia campanha junto às paróquias, e chegou comungar seis vezes num só dia.

Declarando-se feroz opositor do aborto, insinuou que Dilma era favorável a essa política. Por acaso, se esqueceu que sua esposa, a chilena Mónica Allende, havia praticado um aborto de um filho seu – fato que foi conhecido durante a campanha.

Quando o golpe institucional destinado a destituir Dilma Rousseff começou a ganhar força, seu partido – o PSDB, derrotado quatro vezes consecutivas pelo PT nas presidenciais – titubeou em subir no carro da conspiração parlamentar-judicial-midiática. Atuando nos bastidores e com oportunismo, como é do seu mais conhecido feitio, Serra se aliou aos golpistas. Seus rivais no partido, o senador Aécio Neves (derrotado por Dilma nas presidenciais de 2014) e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (derrotado por Lula em 2006), se mantiveram à margem, buscando tatear melhor o cenário.

Assim, Serra se transformou no vínculo entre o PSDB, Michel Temer e os demais conspiradores. Quando Alckmin e Aécio se uniram ao golpe, era tarde: o espaço principal já estava ocupado.

Uma vez mais, Serra, economista de formação, tentou se apoderar do Ministério da Fazenda. E novamente não conseguiu. Tentou o do Planejamento, e nada. Ficou com um nada desprezível prêmio de consolo, o Ministério de Relações Exteriores. Estreou na pasta com uma guinada radical na política implantada por Lula, e mantida por Dilma. Do sue passado de esquerda, surgiu um fidelíssimo paladino do neoliberalismo mais extremo.

Tão logo soube do afastamento de Romero Jucá, devido a uma confissão que surgiu no noticiário brasileiro como uma verdadeira autópsia do golpe que ele nega existir, o chanceler voou rapidamente de volta a Brasília. Antes, claro, filtrou aos meios de comunicação o rumor de que era a principal opção de Temer para ocupar o posto de Jucá, ou seja, o desejado Ministério do Planejamento.

Até a noite de ontem, nada. Mas Serra, conhecido por ser um noctívago, sabe esperar. Enquanto se desvela, ele conspira. E, se não consegue outra vez o cargo no Planejamento, saberá impor suas novas ideias na política externa brasileira.

Esta é uma péssima hora para a América Latina.

Tradução: Victor Farinelli

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