A cobertura da proteção social ao trabalho assalariado no mercado formal do Brasil é maior que a registrada nos Estados Unidos.
A constatação, inédita, integra investigação, também pioneira, conduzida pelos professores Claudio Dedecca, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, e Wilson Menezes (UFBA), cujo foco é uma análise comparativa das diferenças e semelhanças das estruturas ocupacionais dos dois maiores mercados de trabalho das Américas.Sentidos da precariedade
O estudo, que rendeu o ensaio “Os sentidos das precariedades em dois mercados nacionais de trabalho: Brasil e Estados Unidos, uma comparação”, chegou a outras conclusões não menos surpreendentes, entre as quais a que revela que a distribuição de rendimentos no mercado de trabalho assalariado brasileiro apresenta um menor grau de concentração que a registrada nos EUA. Mais: demonstra que, enquanto no Brasil a recuperação gerou emprego e repôs perdas salariais, nos EUA os salários permaneceram estagnados.
A degradação da situação da classe trabalhadora na maior economia capitalista do mundo surpreendeu os pesquisadores. "Sabíamos que os Estados Unidos tinham conhecido um processo de deterioração na década passada, mas não que houvesse uma situação tão próxima da realidade do mercado de trabalho brasileiro”, afirma Dedecca na entrevista reproduzida abaixo.
Jornal da Unicamp: O que o levou a fazer essa comparação?
Claudio Dedecca: Há dois anos realizei pesquisa na França, cujo objetivo era tratar do tema das desigualdades. A preocupação era olhar como estava sendo tratada essa questão no exterior. Isto porque o problema da desigualdade é crescente no mundo inteiro e, ademais, queria entender como a reflexão existente nos países desenvolvidos poderia propiciar alguma contribuição para a compreensão da situação brasileira.
Ao longo desse período no exterior, estabeleci contatos com alguns pesquisadores conhecidos, nascendo assim a ideia de um projeto comparativo entre os países do Norte e do Sul. Este projeto foi montado e, atualmente, está sendo avaliado pela Comunidade Europeia. O trabalho envolve pesquisadores brasileiros, americanos, ingleses e franceses. Há, portanto, um fator institucional que estimulou o estudo comparativo entre Brasil e Estados Unidos, desenvolvido em parceria com o professor Wilson Menezes, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), além de o tema integrar um projeto de pesquisa do CNPq, também centrado no tema da desigualdade.
Jornal da Unicamp: E por que fazer a comparação entre os mercados de trabalho do Brasil e dos Estados Unidos?
CD: Em primeiro lugar, porque falamos dos dois maiores mercados de trabalho das Américas. Eles jamais foram estudados comparativamente. É a primeira vez que há um estudo dessa natureza, seja para o Brasil seja para outros países do Mercosul. É sabido que, nos Estados Unidos, na década passada, os problemas das condições de mercado de trabalho e de renda se ampliaram, mesmo com o país tendo conhecido uma trajetória de crescimento. Os EUA cresceram durante quase duas décadas, situação que nenhum país europeu conseguiu. E, ao mesmo tempo, as informações davam conta de que as condições sociais e de desigualdade tinham se deteriorado, fato que inclusive foi objeto de acirradas discussões que culminaram na eleição de Obama.
Trata-se de um país desenvolvido que vivenciou um processo de deterioração; já o Brasil registrou, em uma dimensão pequena, uma queda de desigualdade de renda. Meu projeto, desenvolvido no exterior, mostrou como a desigualdade caiu em nosso país, mas não tanto, como foi apregoado.
Jornal da Unicamp: Essa constatação vai contra o senso comum.
CD: Sim, essa é uma das razões pelas quais decidimos fazer o estudo. Para o Brasil, os resultados que tínhamos diziam que havia caído a desigualdade de renda, mas, por outro lado, que não haviam ocorrido modificações estruturais em termos do perfil da ocupação e quanto ao acesso a bens públicos como saúde e habitação. Ademais, a análise da situação do trabalho no Brasil é vista, muitas vezes, como apresentando grandes desvantagens em relação à encontrada para os Estados Unidos. Existe um ideário muito forte sobre a sua pujança.
Obviamente que a situação brasileira é difícil, mas hoje a condição norte-americana também não é das melhores e talvez não seja interessante para nós tomarmos os Estados Unidos como referência. É fundamental usarmos como exemplo o Brasil, o próprio país. E aqui reside um aspecto importante de ressaltar: realizado o estudo, os resultados surpreenderam, ou melhor, nos assustaram.
Jornal da Unicamp: Em que medida?
CD: Não esperávamos uma semelhança tão grande em termos de precarização do mercado de trabalho. Sabíamos que os Estados Unidos tinham conhecido um processo de deterioração na década passada, mas não que tivessem hoje uma similitude, uma situação tão próxima da realidade do mercado de trabalho brasileiro. O ensaio mostra, por exemplo, que menos da metade dos trabalhadores assalariados americanos tem um emprego socialmente protegido, enquanto que, no Brasil, mais da metade possui.
Não temos uma situação europeia, mas em termos de cobertura da proteção social ao trabalho assalariado estamos um pouco à frente dos Estados Unidos. Trata-se de um fato inédito. Constatamos também, por exemplo, que a distribuição de rendimentos no mercado de trabalho assalariado brasileiro apresenta um menor grau de concentração que o observado para os EUA. Nesse contexto, irrompe um aspecto que merece destaque.
Jornal da Unicamp: Qual?
CD: Normalmente, a nossa experiência, quando olhamos os países desenvolvidos, usamos análises já realizadas e processadas. Neste estudo, trata-se de um aspecto novo, especialmente no Brasil. Por quê? Pegamos a base de dados americana e a processamos diretamente com a mesma metodologia usada para a base brasileira. Os resultados, então, foram produzidos especificamente para esse projeto. Eles são, portanto, comparáveis.
Jornal da Unicamp: Que tipo de trabalho foi analisado?
CD: Basicamente, assalariados. Por quê? Trata-se do grupo de trabalhadores cuja base comparativa apresenta maior consistência. Jamais imaginamos que a situação de ocupação e renda nos EUA estivesse tão desfavorável, ainda durante o longo período de crescimento daquela economia. A situação difícil do Brasil é amplamente reconhecida. Vende-se muito a ideia de que o mercado americano é fantástico. No entanto, o estudo revela que as grandes possibilidades nos EUA são oportunidades pessimamente remuneradas. Numa alusão à ideia do junk food [comida lixo], podemos dizer que a grande maioria das oportunidades naquele país é de junk labor ou junk job...
Jornal da Unicamp: Onde estão empregados esses trabalhadores?
CD: São subempregos, com postos em supermercados, em lanchonetes, etc. Esse é o mercado de trabalho que mais cresce nos Estados Unidos. O emprego lá vem sendo gerado em ocupações de baixíssima remuneração e qualificação. Esse é o ponto.
Jornal da Unicamp: Ambos os países atravessaram a década passada em meio a processos diferentes em determinadas fases, como o crescimento brasileiro e a crise pela qual passou a economia norte-americana em 2008. Em que medida esses fenômenos pesaram, para efeito comparativo, no resultado das conclusões?
CD: Os efeitos da crise nos dois países foram muito diferentes. Na verdade, tomamos, para fundamentar o estudo, o período que precedeu a crise, quando ambas as economias cresciam. O nosso crescimento foi mais modesto, mesmo que em taxa maior do que a americana. Entretanto, a grande questão que se coloca é que o crescimento americano atravessou quase duas décadas e o brasileiro deu-se apenas ao longo de cinco anos. Outra diferença: embora houvesse geração de empregos nos dois países nesse processo de crescimento, nos EUA isso ocorreu em boa parte sem proteção social. O mercado de trabalho formal, nos EUA, com proteção social, recuou. Já no Brasil, no trabalho formal, o país ampliou seu peso e sua importância. Mais: enquanto no Brasil a recuperação gerou emprego e repôs perdas salariais, nos EUA os salários ficaram estagnados.
Jornal da Unicamp: O que o estudo constatou nessa disparidade?
CD: A recuperação salarial brasileira deveu-se, em grande medida, ao salário mínimo. Já nos Estados Unidos, o mínimo foi relegado ao esquecimento, foi abandonado. Trata-se de um fator importante para explicar a performance de renda ruim dos americanos. O que ocorreria se essas duas trajetórias se mantivessem nessa década? Sob hipótese, diria que a tendência seria de o Brasil melhorar nosso perfil em termos de remuneração, redução da informalidade e queda de desemprego.
Na experiência americana, o desemprego também cairia, mas provavelmente a proteção ao mercado de trabalho e a renda continuariam mal. São, portanto, duas trajetórias muito distintas. É importante olhar para esse fenômeno. Nosso crescimento não revolucionou o país, mas oxigenou a economia. O país se transformou socialmente? Eu diria que não, mas comparando os dois países, se esse crescimento no Brasil continuar nesta década, a possibilidade de transformação passa a ser real e a ter efeitos em outras dimensões.
Olhando o mercado americano, isso não ocorre. Sua trajetória é de deterioração. Como disse anteriormente, uma das coisas interessantes do estudo é justamente quebrar um pouco essa visão profundamente falsa das virtudes da sociedade americana, que campeia na nossa.
Jornal da Unicamp: Incluindo, obviamente, o mercado de trabalho.
CD: Exatamente. É extensivo, se aplica. Eles têm lá os “tops” – o pessoal que está nos escritórios de advocacia, nas grandes empresas, na bolsa de valores, nos bancos, os “nerds” da Apple, da Microsoft. Mas isso não reflete a realidade. O mercado norte-americano é hoje dominado, na verdade, pelo trabalho de baixa qualificação. Nosso estudo joga essa mística por terra.
Jornal da Unicamp: Qual o peso do Estado nesse contexto?
CD: Reside aqui um aspecto importante, que está inclusive no início do trabalho. Entre os economistas brasileiros, na década de 1990, predominou a tese de que, se o Estado saísse da regulação do mercado trabalho, impondo menos obrigações nos contratos, não só cairia o desemprego como aumentariam a sua qualidade e a respectiva proteção. O modelo americano era tido como virtuoso, a ser seguido. Caberia ao Estado sair da regulação do mercado.
Nosso trabalho mostra que nos EUA a presença do Estado é muito pequena. Ele intervém fundamentalmente na obrigação de um salário mínimo básico, na jornada de 40 horas e na contribuição para a previdência social pública básica. Não há descanso semanal remunerado, não existem as férias, enfim, a regulação e a proteção são muito limitadas. Tudo depende da capacidade que o trabalhador tem de organizar e lutar por seus direitos. Você precisa ter sindicato. E os sindicatos hoje em dia lá estão profundamente enfraquecidos. Atualmente, a taxa de sindicalização nos Estados Unidos corresponde a 8%, contra uma de 24% no Brasil.
Retomando: se vendia a ideia, como disse, de que o mercado de trabalho americano era bom porque o Estado não interfere. Não é o que demonstram os dados. O Brasil tem um mercado precário, em que pese a interferência do Estado; e os EUA também têm um mercado precário, apesar da não interferência do Estado.
Jornal da Unicamp: É preciso, portanto, relativizar essa importância.
CD: Sim. No caso dos salários, a intervenção do Estado foi decisiva para uma evolução mais favorável, por meio da política de salário mínimo. Ela amparou a recuperação dos salários e reduziu a desigualdade de renda no mercado de trabalho. Já nos Estados Unidos, o abandono do salário mínimo, em um contexto de enfraquecimento sindical, deu lastro à estagnação dos salários em um ambiente de crescimento. Se nós temos 50% de empregos protegidos e, nos EUA, um pouco mais de 40%, essa discrepância não parece ser resultado direto de uma maior presença do Estado na economia.
Se as empresas informalizaram o emprego no Brasil durante a década de 1990, sob a justificativa de que o Estado interferia demasiadamente, constata-se que estas mesmas empresas formalizaram sua estrutura ocupacional na década passada, apesar da reiteração da regulação pública sobre o mercado de trabalho. Cabe fazer a seguinte pergunta: quais são as razões das empresas não estabelecerem o emprego protegido em uma trajetória de crescimento nos Estados Unidos, se a baixa presença do Estado seria um fator decisivo para a realização dessa expectativa?
Temos que evitar, portanto, essa visão rudimentar e maniqueísta sobre o Estado e o mercado de trabalho. As coisas são muito mais complexas. Nosso trabalho, inclusive, argumenta nessa direção. Precisamos ser mais cautelosos. É sempre bom lembrar que, na década de 1990, mesmo com o enfraquecimento da presença do Estado, o Brasil teve aumentadas as taxas de desemprego e de informalidade. Como mostra o resultado da década passada, a piora do mercado de trabalho nos anos de 1990 foi determinada pela ausência de crescimento, nada tendo a ver com a regulação pública existente no país.
Jornal da Unicamp: Em que medida o Brasil lançou mão de práticas adotadas pelo mercado americano, cuja tônica, em alguns segmentos, é a precarização?
CD: Os estudos acadêmicos e a literatura dão boas pistas para compreender o processo de precarização do mercado de trabalho americano. Nele, o empregado é, cada vez mais, pressionado a dar tudo pela empresa. Esta cultura é muitas vezes vendida no Brasil como positiva. Atualmente, um emprego em uma grande rede de supermercado ou de fast food nos EUA, onde se concentra boa parte das novas oportunidades ocupacionais, inclusive para a parcela da população com maior nível educacional, paga um salário muito baixo, é caracterizado por uma jornada de trabalho superior a 44 horas por semana – em geral, realizada 7 dias sobre 7 –, não tem férias, não tem 13º, não tem acesso ao atendimento de saúde, não tem previdência, enfim, é carente de qualquer proteção social.
Outro segmento emblemático dessa situação é o das empresas de limpeza e manutenção, que ganha progressiva importância no mercado de trabalho americano. Há um livro, Nickel and Dimed: Undercover in Low-wage America, de Barbara Ehrenreich, no qual é feita uma descrição dessas ocupações, mostrando o tamanho da falta de proteção.
Jornal da Unicamp: E no Brasil?
CD: Aqui, se pegarmos os grandes supermercados, entre outros segmentos, os direitos básicos são cumpridos. As empresas vêm cada vez mais sendo obrigadas a seguirem isso em razão da chamada responsabilidade solidária. Para esses empregos na linha junk job, a situação brasileira é mais favorável que a americana.
Jornal da Unicamp: E no campo do trabalho informal?
CD: É a nossa grande dificuldade. Trata-se de um trabalho cada vez mais de conta própria. Do ponto de vista do assalariamento, mantida a trajetória atual, caminhamos progressivamente para uma maior proteção social. O que nós temos, e isso já foi bastante estudado, é um trabalho fortemente concentrado na baixa remuneração e na baixa qualificação. Nesse ponto, ele é muito semelhante ao americano.
Jornal da Unicamp: No ensaio, é apontado que ambos os mercados, em que pese a disparidade de suas respectivas estruturas institucionais, têm elevada flexibilidade dos contratos de trabalho. Esse quadro não foi obstáculo para aplicar a metodologia e sua consequente prospecção de dados?
CD: Um dos motivos pelos quais fizemos essa comparação foi uma preocupação maior com a experiência brasileira. Por quê? Nos jornais, é comum matérias que exploram a comparação entre mercado de trabalho rígido x mercado flexível, sendo reafirmado, na maioria das vezes, que o mercado de trabalho brasileiro é caracterizado pela primeira situação.
Qual o problema que o confronto carrega? Ele é realizado sempre a partir do papel normativo das instituições presentes nos mercados de trabalho. Não se considera, na maioria das vezes, que elas podem ser pouco efetivas no que diz respeito ao cumprimento das regras e normas que regulam o contrato de trabalho. Uma coisa é o papel formal da matriz institucional e outra é seu papel real. Na história brasileira, temos essa dualidade desde que as instituições de regulação do mercado de trabalho foram constituídas, na década de 1940.
Podemos dizer que, se houve um estadista inteligente no Brasil, este foi [Getúlio] Vargas. Ele cria a CLT, que constitui todo um conjunto enorme de regras de proteção, mas não colocou o Estado para fazer que a economia a cumprisse e, por outro lado, segurou a representação sindical, impedindo que os trabalhadores pressionassem as empresas para sua devida efetividade. A carteira de trabalho é uma expressão dessa dualidade. Afinal, por meio dela, o Estado determina: “quem tem carteira de trabalho é formal, é protegido, e quem não tem, está fora da proteção”... Não caberia ao Estado dizer que todo mundo é protegido e quem não cumprir a lei será punido?
A recorrência da dualidade foi garantida pelos governos autoritários, que não tinham interesse em rompê-la. Ademais, os períodos de crise pelos quais passamos jogaram contra a maior efetividade da normal legal. Neste início de século, pela primeira vez temos condições de fazer valer.
A quebradeira dos alojamentos em Jirau, em março, é um sinal de que novos tempos podem estar chegando. O governo se espantou injustificadamente em um primeiro momento. Afinal, mais cedo ou mais tarde isso iria ocorrer, quando se considera a história do mercado de trabalho brasileiro e sua relação com as grandes obras. Trata-se de uma cidade recebendo 30 mil trabalhadores, homens, podendo representar de 10% a 15% da população do município, num local inóspito, sem nada. Houve uma reação, o governo foi obrigado a reconhecer o erro e se comprometeu a acompanhar as empresas no cumprimento das determinações legais. Em épocas passadas, a situação teria sido resolvida por meio da violência exercida pelo aparato militar.
Jornal da Unicamp: O sr. acha que a precariedade predomina no Brasil?
CD: Sim. Mas eu diria que ela passa por um estágio que não pode ser dissociado de um desenvolvimento democrático limitado. Ainda não temos maturidade o bastante para sermos uma sociedade minimamente organizada, na qual inclusive o trabalho seja devidamente protegido. Isso não se constrói apenas com a lei. É necessário que a sociedade legitime, reconheça, participe.
Jornal da Unicamp: Quais seriam as principais conclusões do estudo?
CD: A primeira delas foi que a baixa proteção no mercado de trabalho assalariado americano era inferior à registrada no Brasil. Nós não imaginávamos isso, como já disse. O segundo aspecto importante é que o perfil de geração de empregos nos EUA seja pior do que o brasileiro ao longo da década passada, antes da crise de 2008. Ou seja, o junk job passou a ser muito mais uma característica do mercado de trabalho americano do que o brasileiro, a despeito de o nosso mercado não ser dos melhores. Outra coisa é o comportamento da renda e o seu grau de concentração da distribuição no mercado assalariado americano. A desigualdade da distribuição no Brasil é menor que a encontrada atualmente no país do Norte.
Jornal da Unicamp: O que explica esse comportamento?
CD: Na década passada, quando crescemos, nós reduzimos a desigualdade do trabalho assalariado, enquanto eles a mantiveram. Os resultados do estudo apontam que a política ativa do salário mínimo em um contexto de geração de emprego formal foi decisiva para diferenciar a situação brasileira. No exercício econométrico presente no estudo, mostra-se que o salário mínimo foi importante mesmo para aqueles que estão em ocupação sem proteção social. No Brasil, o piso salarial legal constitui um fator de proteção social amplo para o mercado de trabalho. Isso não ocorre nos Estados Unidos. Aqui ele funciona como indexador e lá, não.
Jornal da Unicamp: Quando começou essa deterioração?
CD: No âmbito dos países desenvolvidos, os EUA sempre apresentaram um mercado de trabalho mais desfavorável. Da década de 1940 até os anos de 1970, o desenvolvimento americano vai constituindo um núcleo intermediário na estrutura ocupacional muito fundado no setor industrial e nos segmentos de serviços mais organizados, com proteção sindical e negociação coletiva. As condições de trabalho e salariais eram boas. Tratava-se de um núcleo importante, cujas condições se irradiavam para os empregados de baixa qualificação. A proteção derivava fundamentalmente da negociação coletiva. A situação era diferente da Europa Ocidental, onde a proteção era estabelecida pelo Estado.
De 1980 para cá, porém, os EUA começaram a destruir esse segmento intermediário, que era o núcleo de sustentação da economia, inclusive nas grandes empresas. E isso vai reforçar o crescimento exacerbado do emprego sem qualificação vinculado ao setor de serviços, onde a negociação coletiva sempre teve baixa incidência. É este segmento que predomina. Um exemplo que assusta são as grandes redes de supermercados. Você vê pessoas muito idosas trabalhando, muitas vezes com dificuldade de andar e que necessitam do emprego porque não possuem aposentadoria, em razão de terem trilhado uma trajetória ocupacional precária. Não à toa, o estudo mostra que, no Brasil, o número de pessoas com mais de 65 anos na ativa é menor que nos Estados Unidos. Isso se deve ao nosso sistema de aposentadoria e de proteção social.
Fonte: Jornal da Unicamp
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