por Emir Sader, no seu blog em Carta Maior
Tivemos a proclamação da República mais de seis  décadas depois da  independência, porque esta nos levou de Colônia à  Monarquia pelas mãos  do monarca português, que ainda nos ofendeu, com as  palavras – que  repetíamos burocraticamente na escola- “antes que algum  aventureiro o  faça”. Aventureiros éramos nós, algum outro Tiradentes, ou  algum  Bolívar, Artigas, Sucre, San Martin O´Higgins, que lideraram  revoluções  de independência nos seus países, expulsando os colonizadores  em  processos articulados dos países da região.
Foi o primeiro  pacto de elite da nossa história, em que as elites mudam  a forma da  dominação, para imprimir continuidade a ela, sob outra  forma política.  Neste caso, impôs-se a monarquia. Tivemos dois monarcas  descendentes da  família imperial portuguesa, ao invés da República,  construindo estados  nacionais independentes, expulsando os  colonizadores ao invés do  “jeitinho” da conciliação.
Como sempre acontece com os pactos de elite, o povo é quem paga o seu preço. Enquanto nos outros países do continente, as guerras de independência terminaram imediatamente com a escravidão, esta se prolongou no Brasil, fazendo com que fossemos o último país a terminar com ela, prolongando-a por várias décadas mais. Nesse intervalo de tempo foi proclamada a Lei de Terras, de 1850, que legalizou – mediante a grilagem, aquela falcatrua em que o documento forjado é deixado na gaveta e o cocô do grilo faz parecer um documento antigo – todas as terras nas mãos dos latifundiários. Assim, quando finalmente terminou a escravidão, não havia terras para os escravos, que se tornaram livres, mas pobres, submetidos à exploração dos donos fajutos das terras.
Dessa forma, a questão colonial se articulou com a questão racial e com a questão agrária. Esse pacto de elite responde pelo prolongado poder do latifúndio e pela discriminação contra a primeira geração de trabalhadores no Brasil, os negros que, trazidos à força da África vieram para produzir riquezas para a nobreza européia como classe inferior. Desqualificava-se ao mesmo tempo o negro e o trabalho.
A República foi proclamada como um golpe militar, que a população assistiu “bestializada”, segundo um cronista da época, sem entender do que se tratava – o segundo grande pacto de elite, que marginalizou o povo das grandes transformações históricas.
 
 
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