terça-feira, 14 de abril de 2015

Classe média que grita ‘fora, Dilma’ ainda vai gritar ‘veta, Dilma’

Público dos atos contra o governo e a ficha de seus frequentadores começam a cair. Alguns se darão conta de que projeto da terceirização ameaça até seus sonhos com bom salário e carreira promissora
por Helena Sthephanowitz publicado 
Marcia Minillo/RBA
Terceirização
Manifestante que foi à Avenida Paulista neste domingo expõe decepção com votação do PL 4.330
O instituto Datafolha divulgou na noite de ontem (12) que o número de pessoas que participaram da manifestação na Avenida Paulista chegou a 100 mil, menos da metade do público de 15 de março. Ainda de acordo com a pesquisa, nos 24 Estados e o Distrito Federal, os protestos teriam reunido “590 mil pelo país”. As manifestações anti-Dilma têm como característica serem mobilizadas mais como uma ação de marketing nas redes sociais, que quer porque quer vender um produto, do que de consciência política ou identidade com um projeto. Protesto incentivado por grupos privados, que se interessam pela desestabilização do governo.
A promoção dos eventos nas redes sociais tem por trás, em geral, empresários e profissionais de propaganda, de vendas e de internet que migraram o modelo de empresas startups (novas empresas com pretensão de crescimento rápido) para a criação de ONGs com a missão de arregimentar manifestantes para derrubar o governo eleito substituí-lo por outro que seja dócil às elites e anti-trabalhista. Portanto, com “fins lucrativos”.
Saem os partidos de oposição que fracassaram nas urnas, entram as startups de marketing político viral. Com um produto duvidoso, a convocação precisou de uma embalagem sedutora: “Contra a corrupção”. Muita gente viu a embalagem e “comprou” para experimentar, indo ao protesto de 15 de março e não voltou no 12 de abril, depois de ter conhecido o produto.
Até mesmo gente de classe média que foi protestar descobriu que, enquanto batia panelas, ingenuamente, a serviço de banqueiros e empresários bilionários interessados na captura do poder, a bancada de deputados federais dava-lhe uma facada nas costas. Sim, a bancada conservadora, que nas últimas eleições graças ao eleitorado seduzido pela embalagem do conservadorismo, votou em poucas semanas de legislatura o projeto de lei da terceirização ilimitada (PL 4.330). A pauta tramitava há mais de uma década no Congresso, mas a bancada empresarial não havia ainda encontrado condições favoráveis para votá-la.
Essa classe média sabe, por experiência própria – pois o uso indevido de mão de obra terceirizada não é novidade por aqui e vinha sendo cada vez mais condenado na Justiça – que esse projeto, se passar como está, tem tudo para detonar o emprego e o salário de quem trabalha em grandes empresas. E também o sonho de muitas pessoas de classe média: passar num concurso público ou empregar-se em uma grande empresa, para ter um bom salário e uma carreira profissional estável e promissora. Com a terceirização ilimitada, adeus carreira, adeus bons salários, adeus direitos e benefícios. Mesmo os concursos em empresas estatais mistas podem ir para o vinagre se um governo for do tipo “choque de gestão” tucano, pois também poderão contratar toda a mão de obra terceirizada.
Paradoxalmente, quem defende os direitos trabalhistas, inclusive da classe média, é justamente o principal alvo dos protestos: a presidente Dilma Rousseff, a quem caberá vetar perdas de direitos, e seu partido. O PT, o PCdoB e o Psol foram os únicos partidos que votaram contra a terceirização ilimitada.
Outro fator para o esvaziamento dessas manifestações é que ninguém quer fazer papel de bobo para ser burro de carga, carregando faixas e cartazes contra a corrupção, a serviço de movimentos patrocinados por banqueiros e bilionários, alguns deles possivelmente metidos em escândalos de corrupção e sonegação, que sabe com contas na Suíça ou enrolados na operação Zelotes, da Polícia Federal.
Além disso, que protesto anti-corrupção é esse que não cobra o julgamento do mensalão tucano em Minas Gerais, a investigação do trensalão em São Paulo, das denúncias de sonegação contra grandes empresários, bancos, multinacionais e até a Globo, não menciona a taxação de grandes fortunas nem o fim do financiamento privado?
A não ser as “viúvas” da ditadura e dos governos tucanos, quem vai percebendo o que está por trás dessas manifestações não volta. E quem não foi já dispõe de informação para não se deixar levar pela embalagem do protestos convocados pelas startups. É até provável que muita gente de boa-fé, que realmente busque mais direitos, encontre sua turma em outros protestos, em movimentos mais autênticos, com pautas de reivindicações claras, objetivas e coerentes – diferentemente dessas que escondem seus verdadeiros patrocinadores e o que querem de fato.
Esse modelo de manifestação política patrocinada por empresários e políticos que agem nas sombras já vem sendo tentado e aprimorado desde o movimento Cansei. Escaldados com a reação de boicote a suas marcas, grandes empresas não querem mais se expor. No Piauí, rede de lojas de departamentos Claudino – uma das maiores do Nordeste e quinta maior compradora de produtos Philips do país – mandou suspender encomendas depois de o presidente da multinacional, Paulo Zottolo, ter dito que “se o Piauí deixasse de existir ninguém ficaria chateado”. O próprio Zottolo acabou ficando chateado com o prejuízo que tomaria. Acabou pedindo desculpas.
Daí as ONGs startups passaram a vir a calhar, podendo ser patrocinadas nos bastidores por empresários, inclusive estrangeiros com interesses no Brasil, sem expor suas marcas a desgastes políticos. Com pouca militância espontânea, desde as eleições de 2008 partidos como o DEM e o PSDB também passaram a contratar empresas de tecnologia para fazer suas campanhas virtuais. A campanha presidencial de José Serra (PSDB-SP) em 2010 chegou a trazer um guru indiano radicado nos Estados Unidos, especialista em explorar os caminhos da internet.
Passava a campanha eleitoral, os serviços eram desmobilizados. A partir de 2012 começaram as tentativas de mobilização em protestos “contra a corrupção”, inspirados nas revoltas ocorridas em países árabes e do leste europeus. Lá também foi aplicada a tecnologia de ONGs patrocinadas por empresas estrangeiras operando nas redes sociais. A diferença é que muitos daqueles países viviam em ditadura há décadas, ampliando a insatisfação popular.
No Brasil, vivemos em plena democracia, com eleições livres de quatro em quatro anos. O direito de escolher seu governante pelo voto nenhum brasileiro quer perder – muitos dos manifestantes do domingo reclamam uma tal alternância de poder, desde que não seja no estado de São Paulo. O que o país precisa é ampliar os canais de participação popular nas decisões, portanto mais democracia, e de uma reforma política e eleitoral que reduza a influência do poder econômico nas eleições, de modo que a maioria dos cidadãos passe a ser mais bem representada e menos subordinada a quem tem mais dinheiro para controlar quem legisla.

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