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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Deve se erguer parede entre Estado e religião


O passado refletido no presente

por Claudio Lembo, do Terra Magazine

Desenvolve-se a campanha, em busca do segundo turno, com um componente de há muito ausente das pugnas eleitorais. Antes de 1964, a religião dominante sempre avocava o direito de indicar caminhos para o eleitorado.

Com a implantação do regime militar está prática deixou ser utilizada. Nenhum documento era emitido pela hierarquia apontando os caminhos a serem traçados para o voto de cada fiel.

Isto não quer dizer que não havia direcionamento político por parte do clero. A sua maioria optara pelo combate ao regime militar e isto conduzia a uma pregação continua nos púlpitos.

Os temas da moral individual ficaram marginalizados. Ou submersos. Procurou a hierarquia, naquela oportunidade, a análise da ética social e o afastamento dos obstáculos impostos pelo autoritarismo.

Nesta campanha, contudo, temas correspondentes à moral individual passaram a ser abordado pelas diversas correntes do pensamento religioso, como de há muito não se observava na vida política nacional.

Claro que não se pode impedir às religiões o oferecimento de suas posturas em matérias de moral. Todas elas, além do escopo da salvação, contam com o objetivo de conferir uma escala de valores à sociedade.

O risco se coloca no excesso de questionamentos neste difícil campo da esfera individual da cidadania. Isto pode levar ao rompimento do preceito clássico edificado pelos juristas em outras épocas.

Trata-se do absoluto isolamento de atuação entre o Estado e as religiões. Ou no dizer dos jurisconsultos norte-americanos: deve ser erguer uma parede entre os assuntos do Estado e das religiões.

Quando este princípio é violado, há perigo à vista. Os temas atinentes ao cenário civil passam a ser dominados por ortodoxias e estas podem conduzir a sectarismos indesejáveis.

Durante séculos, os assuntos religiosos e a ação dos governantes caminharam concomitantemente. Desde a Idade Média, ergueram-se por toda a parte, particularmente na Europa, os tribunais do Santo Ofício da Inquisição.

Buscavam estas instituições a preservação da pureza das crenças religiosas e, de maneira muito particular, combater todas as formas de heterodoxia em matéria sexual.

Os autos inquisitoriais estão recheados de insinuações de práticas privadas condenadas pelos inquisidores. São conhecidos os manuais utilizados para captar dos índios suas maneiras de se relacionarem sexualmente.

Os questionamentos feriam a cultura dos autóctones e os conduzia a perplexidade. Não só a perseguição a outras religiões era intensa e tenaz. Os chamados cristãos novos sofreram em suas carnes os horrores da Inquisição.

A perseguição colocava-se em todos os cenários. As fortunas eram recolhidas aos cofres inquisitoriais e figuras, bem colocadas na sociedade colonial, eram julgadas e condenadas em tribunais religiosos portugueses.

Tudo começou quando o recém descoberto Brasil conheceu a cultura européia. A Inquisição portuguesa é implantada em 1531 pela bula Cum ad nihil magis. A primeira cidade brasileira se instalou em 1532.

Inquisição e Brasil nasceram concomitantemente. Aquela agiu duramente durante séculos e só foi afastada do cenário publicou em 1821. Uma longa jornada de obscurantismo e violações.

A alma nacional ficou marcada profundamente pelas práticas inquisitoriais e, por vezes, quando menos parece plausível, explodem traços de reacionarismo e obscurantismo.

Tudo se fazia mediante denuncias. Pero de Campo Tourinho, donatário de Porto Seguro, foi apontado como herético em 1543 por João Barbosa Pais. Foi o primeiro homem público a ser perseguido por motivos religiosos.

Depois muitos outros tiveram a mesma desventura. Alguns chegaram a sofrer as chamas dos autos de fé, como Antonio José, o teatrólogo. Uma tragédia. Quando se vê o panorama contemporâneo, deve-se recolher o passado de nossa trajetória. Captar-se-á então que todas as perseguições em matéria religiosa encontram raízes profundas na nossa História.

Aqui e ali ressurgem com vigor e levam os que pensam com liberdade a sentir um profundo calafrio em suas consciências.

Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.

domingo, 1 de agosto de 2010

Mauro Santayana: O homem do lado de fora





Por Mauro Santayana

O rápido olhar para as notícias do mundo, nesta semana que anuncia agosto, dá a impressão de que o homem procura fugir de si mesmo, para longe de sua condição humana. A ciência anda em busca do truque de Deus, a famosa partícula de Bóson, e, nesse orgulhoso desafio, já consumiu, no acelerador de partículas do centro da Europa, mais de 10 bilhões de dólares. Esta mesma e orgulhosa ciência, que pretende reproduzir o momento exato da criação do Universo, ainda não foi capaz (ou não teve interesse) de salvar o homem da fome, das endemias e da insânia, que se manifesta, com maior gravidade, entre os grandes da Terra.

Da França, que um dia iluminou a Europa com sua razão, chega a notícia da mãe que matou, um após outro, seus oito filhos recém-nascidos, apesar de seu rosto sereno.

Ainda que o homem identificasse, no acelerador de partículas, o momento preciso do nascimento do Universo, de nada isso lhe valeria para guardar a memória de seu grande feito. Ao que dizem outras notícias, a vida, pelo menos a do homem e dos mamíferos superiores, parece caminhar para o fim. Segundo medições criteriosas, realizadas durante o século passado e na primeira década deste, diminuiu em 40% a existência dos fitoplânctons na superfície dos oceanos. Isso me lembra o sorriso irônico de um cientista brasileiro, em Estocolmo, na Primeira Conferência do Meio Ambiente – em 1972 – quando alguém vociferava, já então, contra a devastação da Amazônia, com o argumento de que a floresta era o “pulmão do mundo”. O pulmão do mundo, explicou o brasileiro, é o mar, porque mais da metade do oxigênio do planeta é produzido pelos plânctons. O mar, nestes últimos decênios, se tornou o grande depósito de lixo do planeta. No Pacífico, de acordo com o oceanógrafo norte-americano Charles Moore, calcula-se em 100 milhões de toneladas o mingau de plástico que cobre área equivalente a duas vezes os Estados Unidos, vagando entre a Califórnia e o Japão.

Há, silenciosa, outra armadilha contra o homem, na excitação do campo magnético, pelos novos instrumentos de produção e de telecomunicações. Apesar de todos os desmentidos dos fabricantes de aparelhos e das empresas mundiais interessadas, há suspeitas de que ela já esteja causando danos irreparáveis ao homem. De qualquer forma, há sempre o risco, advertido pelos físicos, entre eles o brasileiro Ubirajara Brito, de que, em qualquer momento, pode inverter-se o campo magnético da Terra ou ocorrer tempestade solar, como a de 1859, que venha a trazer o definitivo “apagão” de todos os computadores do mundo. Se isso ocorrer, provavelmente teremos que retornar ao ábaco, se houver ainda quem saiba usá-lo.

Não obstante todos esses avisos, o homem, desnorteado, tenta a fuga, mediante a presunção de que a ciência, e não a política, que é uma ciência moral – como a definiu Tomás de Aquino – poderá salvá-lo.

Nunca a política pareceu tão inútil, e jamais ela foi tão necessária quanto hoje. É exigida, a fim de reunir os homens, promover a discussão do que é preciso fazer para conservar a civilização e, mediante a solidariedade, extinguir o legado de Caim, que se manifesta em nosso tempo na aldeã de Villers-au-Tertre, na violência urbana, nos assassinatos em massa, nos crimes de Auschwitz, Hiroxima, My Lai; no Iraque, na Faixa de Gaza, em Guantánamo, no Afeganistão.

Nenhuma ata deste nosso tempo é tão assustadora quanto os 91 mil documentos militares do Afeganistão, com sua lista de crimes horrendos, cometidos em nome da pax americana.