Jérome Duval |
1/12/2011, Jérome Duval, Comité pour l'annulation de la dette du Tiers Monde, Cadtm
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
A “austeridade” contra a democracia
Vacilante, a democracia faz triste figura e tende a naufragar, contra o pano de fundo de um bipartidarismo institucionalizado a serviço dos rentistas. Por toda a Europa, todos se dirigem para uma mesma política de ‘austeridade’ desejada pelos tecnocratas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central Europeu. A demonstração faz-se não só pelo exemplo grego (não funciona, com certeza, para a população grega), mas toma-se também a precaução, quando alguém se preocupa com eleições, de entronizar os mesmos políticos, seja o eleito quem for. O povo já nada escolhe. A política econômica está prefixada pelos financistas, como na Irlanda ou em Portugal, desde a véspera das eleições. A troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) impõe suas políticas. Ao candidato vencedor nas urnas só cabe aplicá-las, enganando o eleitor sobre alguma inexistente diferença entre os partidos, em matéria de economia.
Na Espanha, Mariano Rajoy, herdeiro de Aznar, não se atreveu a divulgar as futuras medidas de austeridade que o prejudicariam durante a campanha eleitoral. Nem acabou de ser eleito e já está sendo pressionado para revelar os membros de seu governo, antes até de tomar posse (1); e não faz outra coisa além de reunir-se com os grandes banqueiros espanhóis – Isidro Fainé da Caixa, Francisco González do segundo banco espanhol, o BBVA, e Rodrigo de Rato, presidente do Bankia e ex-diretor geral do FMI... Os grandes bancos credores da dívida espanhola comandam as rédeas, Mariano Rajoy gesticula.
Ou se trata de uma ditadura que se vai impondo, como na Grécia, ou a extrema direita fascista (partido Laos) imiscui-se no poder, sem mandato recebido das urnas. Por toda parte, assiste-se a evicção dos responsáveis políticos, os quais, em vez de serem julgados por suas políticas antissociais, as quais jamais mencionaram nos programas eleitorais, são salvos da vingança do povo, apesar do imundo trabalho que fizeram. Aconteceu com Berlusconi, que achou escapatória segura, apesar de muitos, com certeza, preferirem vê-lo atrás das grades pelo muito que fez sofrer o povo, condenado também a reembolsar todo o dinheiro que desviou e roubou do contribuinte italiano.
Banco Central Europeu, Itália, Grécia, a dança das cadeiras dos “ex” Goldman Sachs
Um paladino da privatização, à testa do Banco Central Europeu
Custe e o que custar, ainda que custem sacrifícios humanos inauditos, a ideologia capitalista ávida de lucros reforça sua dominação em toda a Europa. Durante o mês de novembro de 2011, muitos responsáveis pela débâcle financeira europeia foram empossados, mesmo sem terem sido eleitos. Mario Draghi acaba de ser nomeado para o Banco Central Europeu; Lucas Papadémos caiu de paraquedas na chefia do Estado grego; e Mario Monti substitui formalmente um Berlusconi já excessivamente impopular para dirigir a Itália. Nenhum desses personagens jamais recebeu um voto, nenhum tem qualquer programa que se tenha comprometido a cumprir, nada de campanha eleitoral que permitisse qualquer discussão ou debate. Mas sobre cada um desses pesa uma parte da responsabilidade pela crise que agora se apresentam para resolver, desde quando viviam sob a atmosfera sulfurosa do conglomerado bancário Goldman Sachs, norte-americano, rei de burlas astronômicas. Mario Draghi, quando vice-presidente para a Europa (de Goldman Sachs Internationale); Lucas Papadémos, quando presidente do Banco Central da Grécia; e Mario Monti, quando conselheiro internacional de Goldman Sachs; os três provocaram, em diferentes graus, a crise europeia, ajudando a falsificar as contas da dívida grega e especulando sobre a dívida (falsificada) (2). Carregam pesadas responsabilidades na criação da crise que cresce hoje em toda a Europa e, por isso, têm de ser demitidos dos cargos que ocupam e têm de responder por seus crimes perante a Justiça.
Na Grécia, o falsificador das contas apresenta-se para saneá-las
Apesar de ter tentado a todo custo manter-se no poder e adiar as eleições gerais, motivo pelo qual propôs um referendo popular, que levou à sua demissão, Georges Papandreou teve de curvar-se sob pressões que vinham de todos os lados, até de dentro de seu próprio governo. Não esqueçamos que um mês apenas, depois de Papandreou ter sido eleito em outubro de 2009, Gary Cohn, número 2 de Goldman Sachs, desembarcou em Atenas, acompanhado de investidores, entre os quais John Paulson, que reaparecerá no centro do que ficou conhecido como “o escândalo Abacus”… (3)
Favorito do mundo dos negócios, dos banqueiros e parceiros internacionais, Lucas Papadémos deixa a vice-presidência do Banco Central Europeu para tornar-se novo primeiro-ministro da Grécia, sem ter sido eleito. Foi presidente do Banco Central Grego entre 1994 e 2002 e, nesse cargo, participou da operação de adulteração das contas perpetrada por Goldman Sachs. A observar que o gestor da dívida grega é um tal Petros Christodoulos, ex-corretor de Goldman Sachs.
Já não cabe duvidar de que a Grécia deixou de ser nação soberana: seguindo as missões regulares da Troika (BCE, CE, FMI) que visitam os ministérios na capital, haverá agora uma missão permanente, domiciliada em Atenas, para implantar, controlar e supervisionar a política econômica do país. O governo que se comporte! Para bem firmar o cabresto, a Troika prevê um novo plano de endividamento, uma vez que o primeiro memorando (cerca de 110 bilhões de euros, em maio de 2010), anticonstitucional, pois não foi aprovado pelo Parlamento, não foi totalmente pago. As garras da dívida ferram-se inexoravelmente à carne do povo grego.
Na Itália, depois de uma década de decadência da democracia, o conselheiro da Coca Cola aplica o golpe de misericórdia.
Com quase nove anos na presidência do Conselho, o império Berlusconi, terceira fortuna da Itália (4), marcou profundamente a vida política. Seu reinado marca a decadência e a agonia de uma democracia que morre sufocada. Tornado motivo de zombaria da imprensa internacional por seus casos, soterrado sob histórias infindáveis de corrupção e com a popularidade em queda livres, Berlusconi renuncia à presidência do Conselho, dia 12 de novembro de 2011, para não convocar eleições antecipadas. Dia seguinte, o presidente italiano Giorgio Napolitano nomeia o ex-comissário europeu Mario Monti para que assuma imediatamente. Poucos dias antes, dia 9/11, Napolitano já nomeara Monti senador vitalício. Monti obtém larga maioria na Câmara de Deputados no dia 18/11 (556 votos a 61, de 617 votantes). Sem se intimidar ante o acúmulo de funções, já primeiro-ministro, se autonomeia também ministro da Economia. Mario Monti não tem qualquer legitimidade para impor qualquer política de “austeridade” aos italianos. Houve um putsch!
Conselheiro para negócios internacionais de Goldman Sachs desde 2005 (na qualidade de membro do Research Advisory Council do Goldman Sachs Global Market Institute), Mario Monti foi nomeado comissário europeu para o mercado interno em 1995, depois comissário europeu para a Concorrência em Bruxelas (1999-2004). É presidente da Universidade Bocconi em Milão, membro do comitê diretor do poderoso Clube Bilderberg, do think tank neoliberal Bruegel fundado em 2005, do præsidium Amigos da Europa, outro influente think tank com sede em Bruxelas... e conselheiro da Coca Cola. Em maio de 2010, chegou à presidência do departamento Europa, da Trilateral, um dos mais poderosos cenáculos da elite oligárquica internacional.
Como escreveu Giulietto Chiesa no jornal de esquerda Il Fatto Quotidiano (5), veio para “reeducar” os italianos na religião da dívida. Em seu governo, fez-se cercar de banqueiros e seu ministro de Assuntos Estrangeiros, Giulio Terzi di Sant’agata, foi conselheiro político da OTAN, antes de ser embaixador em Washington. Não bastasse, um novo superministério encarregado do desenvolvimento econômico, da infraestrutura e dos transportes foi entregue a Corrado Passera, PDG do banco Intesa Sanpaolo.
Por todos os lados, os interesses privados da oligarquia financeira ultraconservadora e amiga de Washington estão postos acima e antes dos interesses das populações. Esses governos fantoches obedecem aos diktats da finança, forçando os cidadãos a pagar uma dívida injusta pela qual não são responsáveis e que jamais lhes valeu qualquer benefício. A salvação só poderá vir de baixo. Façamos nossa a palavra de ordem dos gregos: “Não devemos, não vendemos, não pagaremos!” (6)
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