Janio de Freitas
O abuso, seja do que for, nunca é abuso na visão de quem o pratica
O abuso, seja do que for, nunca é abuso na visão de quem o pratica
A oposição de juízes e procuradores ao projeto contra abuso de
autoridade, em tramitação no Senado, pode estar certa no varejo de
alguns artigos, mas não no atacado da proposta toda. O equívoco se
inicia já pela ideia de que o projeto é contra os juízes e procuradores,
esquecendo que polícias e outros setores que falam pelo Estado são
focos permanentes de abuso de autoridade.
É inegável que o projeto foi sugerido pela insegurança que a Lava Jato
difunde entre políticos. Daí a deduzir que a sua finalidade é impedir o
combate à corrupção, como dizem Sérgio Moro e seu grupo de procuradores,
falta muito.
O projeto e as emendas possíveis estão sujeitos a erros, e isso fica
evidente já na autoria: Renan Calheiros, carregado de situações
negativas na Justiça, só por assinar o projeto já o põe sob suspeições.
Somos todos, no entanto, vítimas e testemunhas de abusos de autoridade.
Variados na forma e na gravidade. Persistentes e apenas por exceção
punidos ou extintos. Se há oportunidade de prevenir alguns deles, o que
convém é discutir as maneiras de fazê-lo. Isso, os que se sentem visados
não fizeram.
O abuso, seja do que for, nunca é abuso na visão de quem o pratica.
Sérgio Moro considera perfeita a retenção de um suspeito na cadeia até
que, moral e psicologicamente destroçado, se ajoelhe à delação premiada.
Sem que com ela venha certeza alguma da veracidade e dos propósitos de
delações acusatórias.
Se invocada a utilidade da delação para direcionar investigações,
verdade maior é que incriminações e prisões valem-se, com frequência,
apenas do dito por delatores. É o que ocorre, por exemplo, com a delação
feita por Delcídio Amaral já depois que despiu a credibilidade
construída no Congresso.
Procuradores entraram com recente ação contra o juiz Ricardo Soares Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, pedindo seu afastamento da Operação Zelotes. Acusaram-no
de decisões abusivas que dificultavam provas da corrupção, em torno de
bilhões, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, da Receita
Federal. Procuradores também sabem, portanto, o que é a combinação de
autoridade e deslimite, encontrável até onde a autoridade deve
significar o limite. Ou, ao menos, sabem quando o ato que extrapola não é
seu.
Há muitas vozes sérias e experientes contra o que entendem como excessos
judiciais. Não raro ilegais, além de violentos. Ouvi-las é conveniente a
todos, e o projeto contra abuso de autoridade é capaz de fazê-lo se
submetido, não a um ataque letal, mas a uma apreciação sem facciosismos,
interesses subalternos e corporativismo.
O ministro Luiz Barroso assumiu no Supremo Tribunal Federal quando
estava em curso uma espécie de repassagem das discussões e decisões. Com
a finura habitual, disse não se sentir à vontade para apoiar as
condenações, já feitas, por formação de quadrilha. E expôs a sua
ponderação.
Aos poucos, baixou no tribunal um ambiente de serena racionalidade,
retomando o que o emocionalismo e a ira haviam engolfado, com desprezo
insultuoso pelos esforços do revisor Lewandowski por alguma
objetividade. Deu-se a reversão de vários votos: as condenações por
formação de quadrilha caíram.
Seriam, no entanto, se mantidas, mais do que erros de apreciação e
decisão. Decorreram do uso excessivo da autoridade, com a permissão
pessoal de que a exaltação tomasse o lugar do equilíbrio no julgamento.
Uma forma não reconhecida, mas inegável, de uso abusivo da autoridade,
que levaria vários sentenciados a perder mais vida na cadeia do que
deveriam.
A autoridade é, em si mesma, um abuso nas relações humanas. O que quer
que elimine uma partícula sua, será civilizador e de justiça. Caso não
tenha forma abusiva –o que, no projeto contra abuso de autoridade, não é
difícil evitar.
Mais razão têm os procuradores contra maiores concessões a quem traga
dinheiro mandado ao exterior por meio ilegal. Michel Temer apoia mais
benesses. Do gabinete de Rodrigo Janot, no entanto, vem o argumento,
exposto por Mônica Bergamo, contrário às regras em vigor por "premiarem
quem cometeu irregularidades escondendo dinheiro no exterior, ao
permitir que, pagando impostos e multa, regularizem a situação". Não é isso a versão financeira da delação premiada que a Procuradoria-Geral da República consagra na Lava Jato? Pois é.
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