EXCLUSIVO: o DCM joga novas luzes sobre o Escândalo do Banestado
Por Renan Antunes de Oliveira
Se alguém suspeita de parcialidade da
Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário na caça aos corruptos
deve comparar a Lava Jato com o quase esquecido Escândalo Banestado para
tirar sua conclusão.
Foi o escândalo da hora na Era FHC, entre 1996 e 2003, também nas mãos do juiz Sérgio Moro, mas sem a pirotecnia do Petrolão.
Um retrato da época mostra que nem todo delegado federal é um caçador de petistas.
Que nem todo procurador do MPF investiga corruptos em nome de Deus.
E que o juiz premiado não teve o mesmo apetite justiceiro diante dos poderosos do tucanato.
O Escândalo do Banestado serviu de
modelo para as grandes operações midiáticas Mensalão e Petrolão da Era
Lula-Dilma e é o melhor exemplo do pior das três instituições, cinco se
incluídos Legislativo e Imprensa.
Nele, apurou-se que 124 bilhões de dólares foram levados e lavados no exterior.
Nele, estavam envolvidos grandes empresas (Globo) e políticos expressivos.
Mas estranhamente a CPI do caso deu em nada.
E o Judiciário, no primeiro grande caso nas mãos de Moro, jogou pesado com laranjas, prendendo apenas chinelões.
O procurador Celso Três e o delegado
José Castilho levantaram a tampa do esgoto e se deram mal – suas
carreiras acabaram quando denunciaram tucanos e seus aliados.
Castilho e Três viraram críticos das instituições em que trabalham. A experiência pioneira deles foi desprezada pela cúpula.
Hoje seus nomes ainda são respeitados
entre a maioria dos colegas. Mas seus exemplos de seriedade, honestidade
e competência não empolgaram as novas gerações. Muitos viram que agir
como eles é ruim para a carreira.
Ninguém duvida: suas carreiras
estagnaram por apontar culpados com longa folha de serviços prestados à
elite que domina o país há séculos, o verdadeiro centro do poder.
Esta é a história deles.
(Castilho)
Delegado Castilho: “Lava Jato vai pegar Renan, Jucá, Cunha e Temer”
“Tenho convicção que a Lava Jato pegará
Renan (Calheiros, presidente do Senado), Jucá (Romero, senador), Cunha
(presidente afastado da Câmara) e até o Temer (Michel, presidente da
República)”, disse o delegado federal José Castilho Neto, 56, em
entrevista ao DCM.
Castilho é referência dentro da PF. Tem fama de competente e incorruptível.
Castilho é referência dentro da PF. Tem fama de competente e incorruptível.
Está na geladeira desde que conduziu o
inquérito do Escândalo do Banestado, no governo tucano de FHC – rombo de
124 bilhões de dólares que bota Mensalão e Petrolão no chinelo.
Castilho diz que “a Lava Jato não está
só atrás de petistas, como parece. Ela busca atingir a corrupção no
núcleo do poder da República, agora é a vez de ir atrás dos outros”.
Acredita nisso “porque é a PF e o MPF
que estão comandando a luta contra a corrupção, o juiz Sérgio Moro só se
manifesta com base nas ações e pedidos destas duas instituições”.
Castilho está na geladeira da PF desde
2003, quando esteve no auge, na transição de FHC para Lula. O posto dele
em Joinville é considerado menor: “É o meu exílio profissional”.
Ele acredita que foi posto lá porque
“denunciei na TV o envolvimento de gente da cúpula do governo FHC no
caso Banestado”. Castilho afirma que “a linha divisória entre a
impunidade da classe dominante e período de vigência da lei foi o caso
Banestado”.
Ele é considerado precursor no uso das
técnicas de investigação adotadas pelas equipes da PF. Castilho já tinha
trabalhado com o juiz Moro no Banestado, onde rastreou contas
internacionais de empresários e políticos. Foi o primeiro a prender o
doleiro Alberto Youssef, o delator zero do Petrolão.
Castilho revela mágoas por ter sido
afastado na transição do governo FHC para Lula “pela panelinha que
comanda a PF”, mas acha que a vida é assim, “é a dinâmica do poder”.
Ele atribui sua queda e exílio em
Joinville (depois de outros postos menores ainda) porque “fiz a denúncia
pública dos nomes de gente poderosa cujas contas no exterior foram
reveladas, entre eles Jorge Bornhausen, José Serra, Sérgio Motta e do
operador de FHC, Ricardo Oliveira”.
Castilho lembra que estava em Nova York
trabalhando no rastreamento quando foi chamado de volta e afastado da
operação. Foi quando ele procurou a mídia para fazer as denúncias.
Encontrou um paredão, porque entre as
empresas que usaram o recurso ilegal de enviar dólares para o exterior
estavam Rede Globo, Editora Abril, RBS e Correio Braziliense.
Seu momento de glória foi fazer a
denúncia na Record, num programa nas altas horas, audiência quase zero –
digite o nome do delegado e veja no You Tube. Em 2003, o caso Banestado
rendeu uma CPI que deu em pizza.
Castilho foi a estrela dela, levando um
livrão verde com a lista dos nomes de 3 mil pessoas com contas em dólar
no esquema, entre mandantes e laranjas. Ele brandiu o livro no ar no
plenário da Câmara, sem sucesso: “Havia gente poderosa envolvida, tinha
gente lá de dentro, é claro que iriam abafar e foi o que fizeram”.
Ele diz que no início do governo Lula
foi trazido de volta ao lado bom da carreira por iniciativa de José
Dirceu. “Mal eu comecei a mexer, fui outra vez afastado,
definitivamente”. Castilho sorri quando explica sua versão: “Acharam que
eu era petista, mas não sou nada. Sou contra a corrupção. Acho que o
pessoal do PT aprendeu como se fazia no Banestado e preferiu não mexer
no esquema”.
O Banestado sumiu da mídia quando começou o Mensalão. E o Petrolão substituiu o Mensalão.
Castilho diz acreditar que “o pessoal (da PF) que hoje atua na Lava Jato é movido não por sua preferência política, como muitos acreditam, porque cada um tem a sua, mas sim por uma imensa vaidade. É a mídia, é querer aparecer, estar na vanguarda, tudo pura vaidade”.
Castilho diz acreditar que “o pessoal (da PF) que hoje atua na Lava Jato é movido não por sua preferência política, como muitos acreditam, porque cada um tem a sua, mas sim por uma imensa vaidade. É a mídia, é querer aparecer, estar na vanguarda, tudo pura vaidade”.
Para Castilho o episódio em que Moro
jogou no ar a gravação do tchau querida “foi um erro”. Aí, pensou um
pouco e elaborou uma frase mais light: “Muito antes de eventuais desvios
(do juiz) há um mar de descumprimentos legais”.
Castilho disse que a PF foi modernizada
na Era Lula e cresceu muito. “Ganhamos verbas, carros, tudo, mas o foco
eram prefeitinhos e pequenos casos regionais”, lamentou.
Ele acredita que “por muito tempo a
maior operação da PF foi a ‘cortina de fumaça’, qualquer coisa que não
chegasse ao núcleo do poder”.
Castilho acha que “no governo FHC não
havia interesse em ir fundo, porque era um governo corrupto. Depois, a
PF modernizada foi atrás dos prefeitinhos. Só agora é que o foco está em
derrubar o núcleo no poder, seja de que partido for”.
Ele admite que “mesmo assim o que se vê
é uma mira certeira em partidos de esquerda e outros que deram
sustentação a um governo de centro-esquerda”.
Castilho se sente orgulhoso de ter
contribuído no combate contra a corrupção. Ensina às novas gerações de
delegados que “dinheiro não some, alguém fica com ele” e que o caminho
“é sempre seguir a trilha dele”.
O delegado disse que fez sua parte
“deixando uma longa lista de criminosos de colarinho branco que continua
em ação, mas que já foram identificados. Está tudo num arquivo digital
na Divisão de Ações contra Ilícitos Financeiros, que deixei lá”. Segundo
ele “ali está o mapa da corrupção, estranhamente abandonado”.
Com sua experiência, sabe que seria mais útil se pudesse voltar ao núcleo de elite da PF.
Aceita, no entanto, o destino: “Minha rotina é perigosa, mas é a mesma de muitos policiais. Acordo cedo, boto uma pistola na cintura e saio com minha equipe para caçar traficantes. Alguém tem que fazer este trabalho.”
Aceita, no entanto, o destino: “Minha rotina é perigosa, mas é a mesma de muitos policiais. Acordo cedo, boto uma pistola na cintura e saio com minha equipe para caçar traficantes. Alguém tem que fazer este trabalho.”
(Três)
Procurador Celso Três: “Conspiração da Justiça derrubou Dilma”
O procurador federal Celso Antônio Três
(55), membro do grupo anticorrupção do MPF, é um crítico da Lava Jato:
“Janot (Rodrigo, procurador geral) e Sérgio Moro fizeram uma conspiração
da Justiça contra a política para dar o golpe que derrubou a presidente
Dilma”.
Ele fala com a autoridade de ter sido o
primeiro procurador federal a seguir a trilha de volumosa quantia de
dinheiro desviado do Brasil para o exterior – o Escândalo Banestado em
2003. Um trabalho de investigação monumental, sem os recursos que o MPF
tem hoje.
Em entrevista ao DCM o procurador
afirmou que “é inconcebível essa intromissão da Justiça na política. É
evidente que o que vai ficar na história não é essa coisa ridícula da
pedalada fiscal, mas sim a existência de uma conspiração. A divulgação
da gravação da conversa Dilma-Lula foi uma ilegalidade, e isto é
inaceitável vindo de um juiz”.
Celso critica, também, a prisão do
senador Delcídio Amaral. “A Constituição é clara quando diz que um
senador só pode ser preso em flagrante delito e por crime inafiançável.”
Para o procurador “se houve alguma
transgressão foi da própria Justiça, que cometeu ‘um crime de
hermenêutica’ ” (de interpretação da lei) – esta é a palavra usada de
forma irônica dos juristas para criticar o sistema: “Eles foram torcendo
a lei até achar um jeito de enquadrá-lo e forçar a delação”.
Assinalou que “outra coisa grave é
querer condenar políticos por receber doações legais. Se está na lei,
não é vantagem indevida. Esta história de que um parlamentar pode ser
condenado se o dinheiro veio de um desvio (no caso, da Petrobras) é
bobagem, porque precisa se provar que ele tenha participado da origem do
desvio”.
Celso Três fala com a experiência de
ter sido entre 1996 e 2003 o nome mais importante do MPF, por sua
atuação firme e corajosa no Caso Banestado.
Com base na atuação dele o MPF passou a
criar grupos especializados em crimes financeiros . O Judiciário também
criou varas idênticas, sendo a primeira delas a do juiz Sérgio Moro.
Banestado, Mensalão e Petrolão se ligam porque muitos dos procuradores e
o juiz Moro trabalharam em todos eles.
Três vê na Lava Jato “uma excrescência
jurídica e com claros atropelos da Constituição”. Ele trabalhou com
alguns dos integrantes do MPF que hoje estão na força-tarefa da Lava
Jato e acredita que “existe uma natural exacerbação que parece de boa
fé, mas inaceitável. É ridículo um procurador invocar Deus”
(referindo-se, sem citar, ao chefe da equipe de procuradores, Deltan
Dallagnol).
O procurador disse ainda que “mais
atropelos vêm aí, como aquele pacote de 10 medidas anticorrupção enviado
ao Congresso. Não é tarefa do MPF, e além do mais tem erros grosseiros
no item das nulidades, só vai piorar as coisas se for aprovado”. Três
disse também que “a Justiça tem efeito indevido na política, mas o
Brasil é movido por tsunamis”.
Três comandou o inquérito das contas
CC5 do Caso Banestado. O modelo de investigação quebrou o sigilo de
milhares de pessoas e empresas, flagrando as irregularidades.
Ele ainda hoje mantém cópia dos volumes
do inquérito em seu gabinete. Gosta de exibi-los aos interessados.
“Nunca se pôde fazer justiça porque o governo FHC tinha altos membros
envolvidos. Parte do dinheiro serviu para compra de votos para a
reeleição dele, outro escândalo da época”, lembra, manuseando os
documentos.
“Nós do MPF tivemos que desmembrar cada
ação por domicílio fiscal dos suspeitos, o que se tornou um pesadelo. O
Banco Central e a PF nunca colaboraram efetivamente, até atrapalhavam
as investigações, visivelmente por ordem do Executivo. Por causa disso
os principais mandantes nunca foram presos”.
Celso diz que “os efeitos do caso
Banestado até hoje são sentidos. O atual governador do Paraná, Beto
Richa, tinha despachado para o exterior 1 milhão de dólares, sem
comprovar a origem do dinheiro”.
Ele exibe documentos e mostra que o
Banco Araucária (do ex-senador e governador biônico catarinense Jorge
Bornhausen) enviou para o exterior 2,4 bilhões de dólares.
“Nossa experiência de combate à
corrupção serviu como modelo para a Lava Jato. Não pudemos avançar
porque a CPI deu em pizza. E um dos entraves foi quando flagramos a Rede
Globo e a RBS mandando dinheiro para fora”.
A carreira de Três declinou depois que
ele fez as denúncias da mídia para a mídia – nunca foi indicado para
nenhum prêmio. Pior: só recebeu ameaças de morte. Foi movido para outras
comarcas.
Lotado em Santa Catarina no ano 2000,
iniciou um processo que o botou na geladeira de vez: tentou quebrar o
monopólio da RBS (repetidora da Globo) no estado. Ele sustenta que a
empresa “monopolizou a imprensa em SC, controla rádio, jornais e TVs,
ferindo a Constituição”.
O caso ainda está pendente de decisão
do TRF4, em Porto Alegre. Celso Três é procurador em Novo Hamburgo, no
interior do Rio Grande do Sul.
ENTENDA O ESCÂNDALO DO BANESTADO
O que é: maior caso de evasão de divisas do Brasil.
Quanto: 128 bilhões de dólares. Quase 420 bilhões de reais ao câmbio atual.
Quando: 1996 a 2003.
Onde: epicentro em Foz do Iguaçu (PR), com raio de ação em todo Brasil, Nova Iorque e Bahamas.
Origem do nome: o caso foi descoberto na agência do Banestado, em Foz do Iguaçu.
Investigados: 3 mil pessoas, empreiteiras, mídia, bancos e casas de câmbio.
Condenados: 26 laranjas, nenhum político ou empresário poderoso.
Legado: o modelo de investigação
internacional reinventou o papel do Ministério Público Federal, criou as
bases da moderna Polícia Federal para investigar crimes financeiros,
obrigou o Judiciário a criar varas especializadas como aquela que Sérgio
Moro comanda, forçou o Executivo a reequipar a PF e o MPF, e serviu de
modelo para a Lava Jato.
Personagens: Procurador do MPF Celso Três e delegado da PF José Castilho Neto.
COMO FOI
Mídia envia dinheiro ao exterior e boicota escândalo
Políticos e empresários usaram doleiros
e laranjas para remeter dinheiro para paraísos fiscais entre 1996 e
2003, burlando o sistema legal de remessa pelas contas internacionais
conhecidas como CC5 (por isso também conhecido como Escândalo das CC5). O
MPF em Foz do Iguaçu descobriu a fraude porque a agência local do
Banestado enviou para a agência de Nova York cerca de 30 bilhões de
dólares – o total com outros bancos chegou aos 124 bilhões.
A movimentação era demais naquele final
dos anos 90 e levou o até então desconhecido procurador Celso Três a
começar a investigação. Como o MPF não tinha técnicos e
supercomputadores, quem deu início ao rastreamento de contas pela
internet foi um motorista do órgão. Apaixonado por computadores, ele
usou um PC apreendido de contrabandistas para descobrir a fraude.
O procurador formou dupla com o
delegado federal José Castilho Neto para levar a investigação aos
Estados Unidos, seguindo a trilha do dinheiro enviado para o exterior. A
investigação identificou dezenas de doleiros, entre eles o mesmo
Alberto Youssef delator da Operação Lava Jato, e cerca de 3 mil laranjas
(pessoas comuns, usadas por políticos e empresários para enviar
dinheiro em seus nomes).
Foram flagrados com remessas ilegais os
políticos Jorge Bornhausen, José Serra, Sérgio Motta (já falecido),
Ricardo Oliveira (operador nas campanhas de FHC e José Serra) e até o
jovem Carlos Alberto Richa (Beto Richa), hoje governador do Paraná, que
remeteu 1 milhão de dólares. Quase todos eram da cúpula do governo FHC. O
doleiro Youssef foi preso e tornou-se delator pela primeira vez. O
trabalho do procurador e do delegado deu base para a abertura de uma
CPI, em 2003.
A mídia promoveu boicote depois que
foram apresentados documentos de remessa ilegal de dinheiro pela Rede
Globo, Editora Abril, RBS e Correio Braziliense. No front político, a
investigação do Banestado morreu na CPI. No front jurídico, o MPF e a PF
foram esvaziados, perdendo poderes. Ainda em 2003, quase no final, um
novo juiz assumiu o caso: Sérgio Moro. Mas as investigações não
avançaram.
O procurador e o delegado foram
afastados. A investigação foi desmembrada, numa decisão que depois se
mostrou equivocada ou, quem sabe, muito bem calculada para chegar aonde
chegou: a nada. Cada laranja deveria enfrentar processo em seu domicílio
fiscal, em dezenas de comarcas pelo Brasil. Houve 91 prisões de ”peixes
miúdos”, do quais só 26 foram efetivamente fisgados. Muitas das ações
ainda estão dormindo nos tribunais. Parece que a Justiça se
desinteressou depois que o Mensalão (2004) pintou na mídia. É um
pesadelo logístico saber quantas ações do caso Banestado já caducaram.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
se não tem nada a contribuir não escreva!