BRENO ALTMAN
Não falta quem apresente o governo de Pyongyang como um bando de
aloprados, chefiado por um herdeiro tonto e tutelado por generais dignos
de Dr. Strangelove, o célebre filme de Stanley Kubrick estrelado por
Peter Sellers. Mas fica difícil acreditar que um Estado pintado nessas
cores possa ter sobrevivido a tantas dificuldades nesses últimos vinte
anos.
Depois do fim da União Soviética e do campo socialista na Europa
Oriental, que eram seus grandes parceiros econômicos, a Coreia do Norte
entrou em colapso. O caos foi agravado por catástrofes naturais que
empurraram o país para uma situação de fome. Poderia ter adotado o
caminho de reformas semelhantes às chinesas, mas o risco de ser
açambarcado por Seul afastou essa hipótese.
O forte nacionalismo, mesclado com economia socialista e mecanismos
monárquicos, impulsionou uma estratégia de preservação do sistema. Laços
com a China foram reatados. E os norte-coreanos resolveram peitar o
cerco promovido pelos EUA, cuja exigência era rendição incondicional.
A consequência óbvia dessa decisão foi reforçar a defesa militar, tanto
do ponto de vista material quando cultural. Na chamada ideologia juche,
criada pelo fundador da Coreia do Norte, Kim Il Sung, que combina
marxismo e patriotismo, as Forças Armadas são a coluna vertebral da
nação.
Pyongyang, portanto, jamais descuidou de estar preparada para novos
conflitos depois do armistício que, em julho de 1953, suspendeu a Guerra
da Coreia. Sempre considerou que a disputa entre norte e sul teria a
variável da presença de tropas estadounidenses.
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Mas outras lições foram extraídas a partir dos anos 90. O primeiro
desses ensinamentos foi que, após a debacle soviética, a Casa Branca
passara a intervir militarmente contra os países que não se curvassem à
sua geopolítica. Iugoslávia, Afeganistão, Iraque e, mais recentemente,
Líbia servem como exemplos desse axioma.
O segundo aprendizado está na conclusão de que qualquer guerra
convencional contra o Pentágono estaria provavelmente fadada à derrota.
Somente uma força nuclear de dissuasão poderia servir de escudo eficaz.
Ao longo do tempo, o governo dos Kim deu-se conta de que, no controle
desse dispositivo, poderia impor certas condições econômicas e políticas
que ajudassem a recuperação do país, pois os temores militares de Seul e
Tóquio obrigavam os EUA a negociar.
No curso dessa estratégia, demonstrações de poderio bélico e vontade de
combate são essenciais. Os Estados Unidos recrudesceram, por sua vez, a
pressão para que os norte-coreanos se desarmem, como pré-condição para
qualquer alívio de medidas punitivas.
Pyongyang resolveu reiterar, nas últimas semanas, que não está para
brincadeiras. De quebra, parece sinalizar que não aceita ficar sob o
guarda-chuva chinês e rifar sua independência político-militar.
Pode-se não gostar da política e do estilo, mas a Coreia do Norte está
longe de ser uma pantomima do absurdo. Eles sabem o que fazem. Seu
regime sobrevive porque aprendeu que a única linguagem entendida por
Washington é a força. Quem não entendeu isso, dançou na história.
Breno
Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi e da revista
Samuel
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