Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Os presidentes Cristina Kirchner e Vladimir Putin em reunião recente |
Começou
em abril/2015, com uma leva de acordos entre Argentina e Rússia,
assinados durante a visita da presidenta Cristina Kirchner a Moscou.
E
continuou com um investimento de US$ 53 bilhões, acertado enquanto o
premiê chinês Li Keqiang visitava o Brasil, na primeira parada de mais
uma ofensiva comercial pela América do Sul – e completado com uma doce
metáfora: Li viajou num vagão fabricado na China, que trafegará por uma
nova linha de metrô no Rio de Janeiro que estará operante para os Jogos
Olímpicos de 2016.
Onde
estão os EUA em tudo isso? Em lugar algum. Não estão. Aos poucos, passo
a passo, mas inexoravelmente, países membros do grupo BRICS, a China e
em menor medida também a Rússia – trabalharam para, nada menos que,
reestruturar o comércio e a infraestrutura por toda a América Latina.
Incontáveis
missões comerciais chinesas abordaram essas praias, sem descanso, mais
ou menos como os EUA fizeram entre a Iª e a IIª Guerra Mundial. Numa
reunião crucialmente importante em janeiro, com empresários
latino-americanos, o presidente Xi Jinping prometeu encaminhar US$ 250
bilhões para projetos de infraestrutura, nos próximos dez anos.
Grandes
projetos de infraestrutura na América Latina estão sendo financiados
por capital chinês – exceto o porto de Mariel, em Cuba, financiado pelo
BNDES do Brasil, e cuja operação ficará a cargo da operadora de portos
PSA International Pte Ltd., de Cingapura. A construção do Canal da
Nicarágua – maior, mais largo e mais profundo que o do Panamá – começou
ano passado, por empresa construtora de Hong Kong, e deve estar
concluído em 2019. A Argentina,
por sua vez, obteve empréstimo de US$ 4,7 bilhões dos chineses, para
construir duas barragens hidrelétricas na Patagônia.
Entre
os 35 acordos comerciais firmados durante a visita de Li ao Brasil,
estão um financiamento de US$ 7 bilhões para a gigante estatal
brasileira do petróleo, Petrobras; foram negociados 22 jatos comerciais
da Embraer, comprados pela Tianjin Airlines por US $1,3 bilhão; e vários
outros acordos envolvendo a mineradora brasileira Vale. Os
investimentos chineses devem ir, de algum modo, para recuperação e
reparos do horrendo sistema brasileiro de rodovias, ferrovias e portos;
os aeroportos estão em melhor estado, porque foram recuperados antes da
Copa do Mundo de futebol, ano passado.
PM chinês, Li Keqiang e a Presidenta Dilma Rousseff |
A estrela do show é sem dúvida a mega ferrovia de 3.500 quilômetros de
extensão, de US$ 30 bilhões, prevista para ligar o porto de Santos no
Brasil ao porto peruano de Ilo, no Pacífico peruano, cortando a
Amazônia. Logisticamente, é absoluta necessidade para o Brasil, abrindo
uma via até o Pacífico. Quem mais ganhará serão inevitavelmente os
produtores decommodities – de minério de ferro a soja em grãos – que exportam para a Ásia,
A
ferrovia Atlântico-Pacífico pode ser projeto extremamente complexo –
envolvendo questões de todo tipo, das ambientais a questões de terras,
até a preferência que tem de ser dada na construção a firmas chinesas,
sempre que os bancos chineses decidem sobre estender suas linhas de
crédito. Mas dessa vez está resolvido. Os suspeitos de sempre estão – e o
que mais poderiam estar? – preocupados.
De olho na geopolítica
A
política oficial do Brasil, desde os anos Lula, tem sido atrair grandes
investimentos chineses. China é o principal parceiro comercial do
Brasil, desde 2009; antes, foram os EUA. A tendência começou com
produção de alimentos, agora passa para investimentos em portos e
ferrovias, e o próximo estágio será transferência de tecnologia. O Novo
Banco de Desenvolvimento dos BRICS, e o Banco Asiático de Investimento
em Infraestrutura liderado pela China (BAII), do qual o Brasil é membro
fundador chave, fará, sem dúvida alguma, parte do mesmo quadro.
O
problema é que essa massiva interatuação comercial e de negócios, entre
todos os BRICS se intercruza com processo político dos mais complexos.
As três grandes potências da América do Sul – Brasil, Argentina e
Venezuela – vêm enfrentando repetidas tentativas de “desestabilização”,
coisa dos suspeitos de sempre, que regularmente denunciam a política
externa das presidentas Dilma Rousseff e Cristina Kirchner e do
presidente Nicolas Maduro, enquanto os mesmos suspeitos de sempre
continuam a ansiar pelos bons velhos tempos quando esses países viviam
sob dependência de Washington.
Com
diferentes graus de complexidade – e disputas internas – Brasília,
Buenos Aires e Caracas estão enfrentando simultaneamente complôs contra a
ordem institucional. Os suspeitos de sempre já nem tentam dissimular a
distância diplomática quase total em que estão, em relação aos Três
Grandes sul-americanos.
Venezuela,
sob sanções dos EUA, é considerada ameaça à segurança nacional dos EUA –
ideia que não presta nem como piada ruim. Kirchner tem estado sob
implacável assalto diplomático – para nem falar dos fundos abutres
norte-americanos que atacam a Argentina. E com Brasília, as relações
estão praticamente congeladas desde setembro de 2013, quando Rousseff
suspendeu visita que faria a Washington, como resposta a ações de
espionagem da Agência de Segurança Nacional dos EUA contra a Petrobras e
também contra a própria presidenta.
E tudo isso nos leva a uma questão geoestratégica crucial – até aqui ainda não resolvida.
A
Agência de Segurança Nacional dos EUA pode ter vazado informação
sensível com o objetivo de desestabilizar a agenda de desenvolvimento do
Brasil – que inclui, no caso da Petrobras, a exploração das maiores
reservas de depósitos de petróleo (o “pré-sal”) encontradas até aqui,
nesse jovem século XXI.
O
que se está desenrolando é absolutamente crucial, porque o Brasil é a
segunda maior economia da (depois dos EUA); é a maior potência comercial
e financeira da América Latina; abriga o ex-segundo maior banco de
desenvolvimento do mundo, o BNDES, posto que agora lhe foi tirado pelo
banco dos BRICS; e também é sede da maior empresa da América Latina,
Petrobras, também das maiores gigantes mundiais de energia.
Petrobras -Edifício sede, RJ-Brasil |
A
pressão violentíssima que está sendo feita contra a Petrobras parte
essencialmente de acionistas norte-americanos – que atuam como abutres,
dedicados a fazer sangrar a empresa e a arrancar lucros da hemorragia,
aliados a lobbyistas que abominam o status da Petrobras como exploradora prioritária dos depósitos do pré-sal.
Em
resumo, o Brasil é a maior fronteira soberana que resiste contra a
dominação hegemônica ilimitada das Américas. É claro que o Império do
Caos está incomodado.
Surfe a onda continental
A
parceria estratégica sempre em transformação que liga as nações BRICS
foi recebida em círculos de Washington não só com incredulidade, mas com
medo. É praticamente impossível para Washington causar dano real à
China. – Muito mais “fácil”, comparativamente se atacar o Brasil ou a
Rússia. Ainda que a ira de Washington concentre-se essencialmente contra
a China – que se atreveu a construir negócio após negócio no antigo
“quintal dos EUA”.
Mais
uma vez, a estratégia dos chineses – bem como dos russos – é manter a
calma e exibir perfil de “ganha-ganha”. Xi Jinping reuniu-se com Maduro
em janeiro para fazer – e o mais seria? – negócios. Reuniu-se com
Cristina Kirchner em fevereiro para fazer o mesmo, exatamente quando
especuladores preparavam-se para lançar mais um ataque contra o peso
argentino. Agora, aí está a visita de Li à América do Sul.
Desnecessário
dizer, os negócios entre América do Sul e China só fazem crescer.
Argentina exporta alimentos e soja em grão; Brasil idem, e mais
petróleo, minérios e madeira; Colômbia vende petróleo e minérios; Peru e
Chile, cobre e ferro; Venezuela vende petróleo; Bolívia, minérios.
China exporta principalmente produtos manufaturados de alto valor
agregado.
Megaferrovia Santos-Brasil até Ilo-Peru |
Desenvolvimento
chave a observar é o futuro imediato do Projeto Transul, proposto pela
primeira vez numa conferência dos BRICS, ano passado no Rio. Em resumo, é
uma aliança estratégica Brasil-China que conecta o desenvolvimento
industrial brasileiro ao fornecimento de metais para a China; a
crescente demanda chinesa – estão construindo nada menos que 30
megalópolis até 2030 – sendo suprida por companhias brasileiras ou
sino-brasileiras. Agora, afinal, Pequim apôs ao projeto o seu selo de
aprovação.
Por
tudo isso, o Grande Quadro permanece inexorável no longo prazo; as
nações BRICS e sul-americanas – que convergem na União das Nações
Sul-Americanas, UNASUL – estão também apostando numa ordem mundial
multipolar, e num processo de independência continental.
Muito fácil ver o quanto tudo isso está a oceanos de distância de uma Doutrina Monroe.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
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