Em mais uma ação de cabal subordinação à finança anglo-americana, o
Banco Central do Brasil está dificultando, com evidente intenção de
sabotar a capitalização da parte brasileira no Banco dos BRICS sob o
pretexto imbecil de proteger as reservas internacionais. O Banco dos
BRICS é, de longe, o principal legado do primeiro mandato de Dilma no
plano internacional. Deverá ser o grande instrumento de financiamento da
infraestrutura no bloco, independente da interferência, das taxas de
juros e das condicionalidades norte-americanas e europeias.
O argumento da vertente entreguista do Banco Central é grotesco, já que
a transferência de recursos das reservas para a capitalização do banco
não altera a posição fiscal brasileira. Afinal, é muito mais
interessante ter dinheiro rendendo juros no banco do que rendendo os
pífios juros dos títulos públicos dos Estados Unidos, nos quais as
reservas são aplicadas. No Banco dos BRICS o dinheiro vai gerar
investimentos reais, e não apenas um fluxograma de recursos totalmente
desvinculado da economia real.
Já é tempo de nacionalizarmos o Banco Central do Brasil. É curioso que
ele tenha sido criado pelos militares, num primeiro momento sem
oposição americana, como um banco desenvolvimentista, grande financiador
da agricultura brasileira. Foi nossa titubeante democracia, no Governo
Sarney, e pelas mãos de economistas ditos progressistas, que o Banco
Central virou-se para o lado da ortodoxia anglo-americana, tornando-se,
pela política monetária, um dos principais obstáculos ao nosso
desenvolvimento econômico.
Outra curiosidade é que não foram os americanos, mas os ingleses e
franceses, que espalharam pelo mundo a concepção de bancos centrais
ortodoxos. Descrevi isso na minha tese de doutorado na Coppe, convertida
em livro, “Moeda, Soberania e Trabalho”, ed. Europa. O que então se
entendia como ortodoxia monetária era uma extensão direta do
colonialismo, via os chamados currency boards (total vinculação
da moeda local à moeda da matriz, com toda a receita de senhoriagem
apropriada por ela). A total conversão à ortodoxia se deu via influência
posterior dos Estados Unidos no FMI, revelando outra tremenda
contradição: os americanos exigem que todo mundo tenha banco central
ortodoxo, mas eles próprios tem um banco desenvolvimentista, organizado
de forma tão cínica que é capaz de despejar trilhões de dólares em
moeda fiduciária no mundo sem qualquer tipo de controle.
O Banco dos BRICS, que o Banco Central tenta boicotar, será a primeira
fissura na arquitetura financeira internacional erigida pelos
anglo-americanos no pós-guerra. Será um banco ligado à produção, à
economia real. Não essa fábrica de papel sórdida operada nos EUA e agora
também no BCE, oferecendo a seus nacionais dinheiro de graça para que
adquiram patrimônios reais mundo afora, praticamente sem custos. Com a
próxima vinda ao Brasil do Primeiro Ministro chinês, a Presidenta Dilma
poderia aproveitar a oportunidade para dar uma ordem seca ao Banco
Central para deixar de criar obstáculos para o Banco dos BRICS e
disponibilizar imediatamente as reservas a fim de que isso seja feito.
Será que, nesse contexto, podemos ter um banco central
desenvolvimentista? A condição para isso é imitar a China e outros
países asiáticos: construir um grande colchão de reservas internacionais
para evitar ou derrotar eventuais corridas contra o real em situação
de déficit em conta corrente. O Banco dos BRICS poderá ajudar
decisivamente nesse programa junto com alguma articulação produtiva com a
China. É dessa articulação que poderemos tirar grandes saldos
comerciais também no campo dos manufaturados, além das commodities. Com
uma posição forte em reservas, teremos política cambial e política
monetária soberanas, tal como acontece na órbita chinesa.
J. Carlos de Assis -
Economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20
livros sobre economia política brasileira, estando dois novos no prelo.
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