O policial MJP, de São Paulo, deu um depoimento sobre a
desmilitarização da PM. MJP defende a desmilitarização e conta como a
corporação discute, interiormente, essa questão, bem como o problema da
truculência na reação aos protestos.
“Não sei por que matei, não sei por quem matei”; “A
polícia militar tem de acabar”. Assim disse o Coronel Nascimento,
personagem interpretado pelo ator Wagner Moura, na Assembleia
Legislativa do Rio, na parte final do filme “Tropa de Elite II”. O
sucesso estrondoso do filme se deu pela violência retratada do dia a dia
da tropa de elite do Rio, o BOPE, violência essa que é aceita pela
sociedade, desde que não bata à sua porta.
Não existem em nenhum estado da federação políticas
públicas para a segurança pública e os efeitos se veem nos indicadores
criminais, que só aumentam. O Estado está sempre um passo atrás da
criminalidade e quando decide agir já é tarde.
A desmilitarização não é um tema muito bem aceito entre
os oficiais. É algo indigesto. Eles a defendem sob o argumento de
manutenção da hierarquia e disciplina. São reacionários. As praças quase
em sua totalidade são a favor da desmilitarização e por um motivo quase
unânime: o assédio moral sofrido dentro dos quarteis pelas minorias
(oficiais). Acredita-se que, com a desmilitarização, muitos oficiais
estariam disputando os cargos de chefia com os delegados de polícia e
essa disputa se daria no campo da competência e do conhecimento, o que
tornaria a vida de muitos comandantes incerta.
Esse era um tema até então esquecido, mas que voltou à
pauta após a reação desproporcional da PM contra manifestantes desde
junho. O caso de Amarildo, torturado e morto covardemente por policiais
militares, colocou mais lenha na fogueira. Certamente essa não é a
polícia que a sociedade quer. O caso Amarildo nos remete aos porões da
ditadura, onde pessoas eram presas, torturadas, mortas e a possibilidade
de isso voltar a acontecer, em pleno estado democrático, faz com que se
questione se há ou não a necessidade da desmilitarização.
Com meus 14 anos de profissão, consigo enxergar bem os
valores totalitários que existem dentro das corporações. A Lei
Complementar paulista 893/01, que institui o Regulamento Disciplinar da
Polícia Militar de São Paulo – RDPM, está eivada de
inconstitucionalidades. Mas o pior não é isso, e sim os valores
fascistas.
Infelizmente, dentro dos quarteis há a cultura do medo,
resquícios da ditadura militar, e há também o desprezo, pois os
militares são vistos como diferentes, como alegorias, passíveis de serem
regidos por normas espúrias. As praças das policias militares,
especialmente em São Paulo, sofrem verdadeira alienação funcional de
ordem disciplinar.
Entra governo, sai governo e se esquecem de investir no que é mais substancial para uma segurança pública: o capital humano.
A consequência de tudo isso se vê em desvios de toda
ordem: problemas psiquiátricos, doenças mentais, alcoolismo, divórcios,
separações, drogas e por aí vai. A outra consequência é a truculência
que vemos.
Pergunte a qualquer policial militar sobre o que ele
gostaria que mudasse e sua resposta será o tratamento que lhe é
dispensado por seus superiores. Antes mesmo da remuneração. O policial
militar é mal remunerado, trabalha em condições precárias, fica exposto a
condições estressantes, lida com situações extremas, tem direitos
trabalhistas suprimidos por ser o “diferente”, não tem o devido
reconhecimento e, somado a tudo isso, está submetido a uma disciplina
fascista imposta pela Lei Complementar 893/09.
Algo tem de ser feito. A desmilitarização é apenas uma parte.
A desmilitarização ocorre inicialmente no plano
constitucional com a mudança da Carta Magna. Em um segundo momento, em
questões administrativas e culturais, pois não basta só mudar o nome,
tem que mudar o comportamento. Toda democracia necessita de uma polícia
forte e não violenta. Precisamos de um policial cidadão, que entenda as
questões além das ações policiais.
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