Luis Fernando Veríssimo - O Estado de S.Paulo
A única maneira de conviver com um elefante na sala é fingir que ele não
está ali. Ignorá-lo. Se algum visitante desavisado perguntar o que um
elefante está fazendo na sua sala, a resposta padrão deve ser "Que
elefante?". No Brasil nos acostumamos a conviver com elefantes na sala.
Exemplo: só quase 30 anos depois do fim do período de exceção inaugurado
em 1964 uma comissão começa a procurar a verdade sobre o que realmente
aconteceu durante o período. Por quase 30 anos este elefante específico
não mereceu atenção e viveu entre nós como um parente apenas vagamente
incômodo. A tal comissão não vai punir, antes tarde do que nunca, os
desmandos da época. Os criminosos de então estão anistiados, mesmo
identificados não sofrerão castigo ou sequer reprimendas da sua própria
corporação. Mas pelo menos o elefante está sendo reconhecido. E citado.
Outros elefantes continuam ignorados, e continuam na sala. Hoje não há
nenhuma dúvida de que o cigarro mata e o fumo é a principal causa do
câncer no Brasil e no mundo. No caso do Brasil só o volume de impostos
que a indústria do fumo paga ao governo explica que não haja um combate
mais aberto e decisivo ao vício assassino. Em alguns casos a indústria
tem até vantagens fiscais. Já o volume de impostos não pagos pelas
religiões organizadas explica a proliferação de Igrejas e seitas no País
e a presença de pastores evangélicos brasileiros nas listas dos mais
ricos do mundo. Mas a isenção dada ao negócio da religião é um dos
assuntos intocáveis do País, um elefante enorme cuja presença na sala
nem a imprensa nem ninguém se anima a reconhecer.
Potência. Contam que o Stalin, avisado de que determinada decisão iria
desagradar ao Vaticano, teria perguntado "E quantas divisões tem o
papa?". Descontando-se a Guarda Suíça, que só existe para fins
decorativos, o papa, como se sabe, não tem tropas. Mas o Stalin se
espantaria com a demonstração de poder do Vaticano dada pela cobertura
da renúncia do papa e das especulações sobre o seu sucessor. Páginas e
páginas de jornal, horas e horas de televisão - um triunfo de potência
desarmada. A União Soviética tinha as divisões. Não tinha as relações
públicas da Igreja.
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