Hugo Chávez morre, em Caracas, aos 58 anos. A notícia vem acompanhada de
uma fala dura do vice-presidente Nicolas Maduro que lança a suspeita de
que ele possa vir a ter sido envenenado, como Yasser Arafat. Maduro diz
que pretende instalar uma comissão de cientistas para investigar a
causa da morte do ex-presidente. A simples suspeita de que isso possa
ter ocorrido já é em si uma tragédia. Mas se algo vier a ser comprovado,
acabaram-se os limites que garantem algum nível de estabilidade
democrática em nosso Continente.
Nos últimos anos várias lideranças políticas de esquerda foram vítimas
de câncer na região. Entre elas, Chávez, Lula, Lugo e Dilma Rousseff.
Mas isso pode ter sido apenas uma coincidência. E será melhor para todos
que sim. Porque senão líderes de todas as partes do mundo que não
fizerem o jogo do império e das grandes corporações passam a estar
ameaçados. E se isso vier a ocorrer, a democracia será menos do que uma
falácia.
A liderança que Chávez exerceu durante seus anos à frente do governo
venezuelano incomodou por demais os EUA e seus parceiros. Também porque a
Venezuela é um importante país exportador de petróleo, mas não só por
isso. Principalmente porque ao conquistar o governo ele ousou estimular
líderes de outros países a radicalizarem seus discursos nas disputas
locais. E foi fundamental para vitórias de candidatos mais à esquerda na
Bolívia, no Equador, no Peru, na Nicaraguá, entre outros.
Chávez sabia que não podia ficar isolado. Precisava fazer com que os EUA
perdessem força no Continente para que seu governo pudesse se
desenvolver com algum nível de independência. Em 2002, quando Lula
disputava a presidência da República, já tinha visitado por três vezes a
Venezuela e mantinha contato frequente com pessoas próximas do governo.
Quase todas avaliavam que se Lula perdesse, Chávez teria muita
dificuldade em continuar no poder.
O ataque mais forte a Chávez foi em abril de 2002, mas depois da eleição
de Lula, a Venezuela teve o paro petroleiro. Naquela ocasião o governo
brasileiro colocou técnicos à disposição para operar na PDVSA. E
contribuiu fortemente contra o apagão no país.
Chávez foi uma liderança fantástica. Seu carisma é difícil de ser
entendido pelo brasileiro padrão. Mas cansei de ver venezuelanos
chorando enquanto ele discursava. Ao mesmo tempo, ouvi todos os tipos de
agressão daqueles que não o suportavam. Chávez sempre ganhou eleições
com aproximadamente 55% dos votos. Ele nunca reinou absoluto, mas desde
que se candidatou, sempre venceu. Quase sempre pelo mesmo placar.
Hoje milhares de pessoas devem estar chorando sua morte em todas as
partes da Venezuela. Nos cierros de Caracas, a desolação deve ser total.
Mas em muitas casas, em geral as mais nobres, certamente a noite vai
ser curta para as comemorações. Nos Vales, há celebração.
Qual vai ser o destino da Venezuela sem Chávez? Há muitas
possibilidades. Mas mesmo no limiar da morte, Chávez fez um movimento
que indica que a unidade, ao menos nesta primeira fase, está garantida.
Ele indicou Maduro como seu sucessor. E se houver eleição, Maduro
repetirá algo próximo dos 55% históricos de Chávez.
Essa é a tendência, mas não é uma certeza. E mesmo vitorioso
dificilmente Maduro conseguirá repetir Chávez. A liderança de Chávez era
contestada, discutida e criticada, mas ninguém ousava menosprezá-la.
A Venezuela perde muito com sua morte. A América Latina idem.
Mas Chávez morre sem ser derrotado pelos seus adversários. Pode até ter
sido assassinado por eles, mas derrotado não. E por isso, ao que tudo
indica, morre o homem e nasce o mito.
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