Paulo Nogueira
O que levou um dos principais homens da Receita Federal, Caio Cândido, a sair fora com alarido
é ainda uma incógnita. O que é certo é que a Receita Federal tem que
passar urgentemente por um choque de transparência. É o interesse
público que está em jogo, e ele não pode se subordinar a nenhum outro –
sobretudo político. O dinheiro dos impostos constrói – ou não constrói –
escolas, hospitais, estradas, portos etc. A sociedade tem que saber
mais, muito mais, sobre a imensa caixa preta que é a Receita Federal.
Cândido alegou interferências externas, políticas, destinadas a
facilitar a vida de grandes devedores. Que devedores são esses? Quais as
supostas facilidades? A sociedade tem que saber.
Num mundo menos imperfeito, a mídia traria um pouco de luz à
escuridão fiscal. Mas acontece que a mídia tem sido amplamente
beneficiada pelos modos e costumes fiscais brasileiros. Para começo de
conversa, elas não pagam imposto sobre o papel que utilizam. É o chamado
“papel imune”, uma mamata antiga contra a qual Jânio Quadros tentou em
vão se erguer, há mais de meio século.
Fora isso, as empresas de mídia se adestraram no chamado
“planejamento fiscal” – uma forma de sonegação dentro de brechas abertas
por leis frouxas. “PJs” fajutos – pessoas jurídicas fora da CLT –
inundam as redações das grandes empresas.
Qual delas quer mexer nisso?
As companhias jornalísticas brasileiras não têm interesse nenhum num
choque de transparência na Receita. Cabe ao governo enfrentar
privilégios e mostrar aos brasileiros as entranhas da Receita.
Os protestos de junho demonstraram a insatisfação dos brasileiros com
a manutenção de regalias que prejudicam o combate ao mais dramático
problema nacional: a desigualdade.
“Planejamento fiscal” é uma praga planetária. A diferença é que em
outros países – Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra, Itália – o
cerco a espertezas é hoje intenso.
A principal forma de combate é, exatamente, a transparência. Na
Inglaterra, a Receita local divulgou a miséria que pagaram de impostos
britânicos nos últimos anos corporações como Google, Starbucks e Amazon.
Os principais executivos delas, no Reino Unido, foram intimados a dar
satisfações no Parlamento. A mensagem foi: se querem estar presentes
entre os britânicos, têm que pagar impostos britânicos.
No Brasil, tudo é vedado. Soube-se neste final de semana, pelo jornal mineiro Hoje em Dia, que a Globo recebeu 776 notificações da Receita nos últimos dois anos.
Sabia-se já alguns meses de sérios problemas – fraudes é uma palavra mais adequada — na aquisição dos direitos da Copa de 2002.
Tudo isso ocorre, absurdamente, longe dos olhos da sociedade.
Recentemente, o governo alemão lançou uma ofensiva contra contas
secretas no exterior e outras práticas sonegadoras. O presidente do
Bayern de Munique, que era visto como um cidadão exemplar, caiu na rede –
e está na iminência de ser preso.
“Nenhum país pode dar certo se as pessoas acham que podem se dar bem
sonegando impostos”, disse o governo alemão no momento do cerco.
O governo brasileiro deveria dizer o mesmo – e agir.
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