2/8/2016, F. William Engdahl, New Eastern Outlook
Depois de mais de dois anos de crescimento econômico cada vez menos satisfatório e com a economia lutando contra taxas de juros de 10,5% do banco central, que tornam virtualmente impossível que novos créditos estimulem o crescimento, o presidente russo Vladimir Putin afinal rompeu um impasse interno, entre dois blocos de especialistas.
Dia 25 de julho, deu ordens para que um think tank de economistas, o Stolypin Club, prepare propostas para estimular o crescimento do país, a serem apresentados ao governo no 4º trimestre do ano em curso.[1]
Ao fazê-lo como o fez, Putin rejeita e desautoriza duas influentes facções de economistas liberais e/ou neoliberais, que, com sua ideologia ocidentalizante a favor do que chamam de 'livre mercado', levaram a Rússia à recessão politicamente e economicamente perigosa em que o país se debate hoje.
É movimento de enorme importância, que eu pessoalmente já esperava, desde que tive oportunidade de trocar ideias com colegas economistas em junho passado, no Fórum Econômico Internacional anual, em São Petersburgo.
Praticamente
sem fanfarras, e sem grande entusiasmo, a mídia-empresa russa trouxe
uma nota que pode vir a ter a mais profunda e positiva repercussão sobre
o futuro da economia nacional russa. O blog (russo) Katheon,
publicou que "O presidente da Rússia Vladimir Putin instruiu [o grupo
Stolypin, de economistas] a concluir o relatório do Stolypin Club e, a
partir daquele trabalho, preparar um novo programa de desenvolvimento
econômico, que configure alternativa ao plano econômico de Kudrin. O
programa deve ser entregue ao Gabinete do Conselho Econômico no 4º
trimestre de 2016."
No seu comentário, Katheon observa
o principal significado da decisão de abandonar a abordagem neoliberal
claramente destrutiva, também chamada "de livre mercado", do ex-ministro
de Finanças Alexei Kudrin:
"O Relatório do Clube Stolypin aconselha a aumentar investimentos, bombear dinheiro do orçamento do Estado para a economia e emissão de moeda pelo Banco da Rússia. Ao contrário disso, o conceito do Centro para Pesquisa Estratégica (Alexei Kudrin) sugeria que os investimentos teriam de ser privados e caberia ao Estado apenas garantir estabilidade macroeconômica, inflação baixa e baixo déficit no orçamento."
Kudrin fracassou
Na situação atual de sanções severas,
econômicas e financeiras, do ocidente contra a Rússia, o fluxo do
esperado investimento privado para a economia, como prega o campo
Kudrin, é fraco (para dizer o mínimo). Cortar o que já é déficit mínimo
no orçamento só aumenta o desemprego e piora a situação.
O presidente Putin deu-se claramente
conta de que o tal "experimento" neoliberal fracassou. Mais
provavelmente, o presidente foi forçado a deixar que a realidade
econômica se desenrolasse sob o domínio dos neoliberais, até o ponto em
que ficou perfeitamente visível para os grupos internos que se tornara
absolutamente indispensável e urgentíssimo encontrar outra saída.
Na Rússia, como em todos os países, há
interesses privados instalados dentro do Estado; agora afinal esses
interesses de contornos neoliberais estão suficientemente desacreditados
pelo desempenho pífio do 'projeto' Kudrin; e o presidente Putin parece
ter decidido que é hora de agir mais decisivamente.
Em todos os casos, o movimento que se observa agora em torno do Grupo Stolypin é muito positivo para a Rússia.
Dia 25 de maio, na reunião do Conselho
Econômico russo, depois de um hiato de dois anos, o presidente Putin, ao
observar que o grupo era constituído, deliberadamente, de visões
divergentes, disse:
"Proponho que comecemos hoje a trabalhar com as fontes de crescimento para a economia da Rússia, com vistas à próxima década (...) A dinâmica atual mostra que as reservas e recursos que serviram como forças motrizes de nossa economia no início dos anos 2000 já não estão produzindo os efeitos que então produziam. Já disse no passado e quero reforçar o mesmo ponto hoje: o crescimento econômico não é processo que se ponha em andamento por si mesmo. Se não encontrarmos novas fontes de crescimento, veremos o PIB crescer zero ou perto de zero; nesse caso, nossas possibilidades no setor social, de defesa e segurança nacional e em outras áreas serão consideravelmente inferiores em relação ao que têm de ser, para que consigamos levar o país a desenvolvimento real e a real progresso."
Agora, três meses adiante, Putin
obviamente já decidiu. Claramente está de olhos postos na próxima
eleição presidencial russa em março de 2018. Ao fazê-lo, selecionou o
único grupo, dos três que constituem o Conselho Econômico, que realmente
acredita no papel positivo do Estado no processo de estimular o
desenvolvimento da economia nacional.
O Grupo Stolypin está em vários sentidos ligado ao espírito que fez
acontecer o "milagre econômico" alemão depois de 1871, cujas ideias
geraram o mais impressionante crescimento econômico a partir do atraso
em que então vivia a Europa, no período de apenas três décadas. Os dois
únicos países que se aproximam daquela realização dos alemães foram os
EUA depois de 1865, e a República Popular da China depois de 1979 com o
"Socialismo com características chinesas" de Deng Xiaoping. O modelo de
desenvolvimento econômico nacional baseia-se no trabalho de um
economista nacionalista alemão do século 19, Friederich List, que
desenvolveu os traços básicos do modelo.
Três Campos
Durante os anos da Terapia de Choque de Boris Yeltsin nos anos 1990s,
economistas de Harvard como Jeffrey Sachs, financiados pelo
meta-saqueador George Soros, operaram como conselheiros de Yeltsin. As
políticas desastrosas da equipe econômica de Yeltsin, liderada então por
Yegor Gaidar, implementaram a privatização com liquidação de patrimônio
do Estado, entregue por preços desavergonhadamente baixos a
investidores ocidentais, dentre os quais o próprio Soros.
Aqueles economistas promoveram reduções drásticas no orçamento do
Estado, cortes nos padrões de vida, eliminação de aposentadorias e
pensões da população. Tudo feito, sempre, em nome da "reforma do livre
mercado". Depois daquele trauma, começando na primeira presidência de
Putin em 1999, a Rússia iniciou um doloroso processo de recuperação, não
com a terapia de choque de Gaidar-Harvard, mas contra e apesar dela –
tributo à coragem e à determinação do povo russo.
Por inacreditável que possa parecer, aqueles ideólogos dos livres
mercados, seguidores do falecido Gaidar, mantêm até hoje virtual
monopólio sobre as políticas dos ministérios de Economia e Finanças da
Rússia.
Têm sido ajudados pela líder de outro campo monetarista, ligeiramente
diferente, mas igualmente destrutivo: a presidenta do Banco Central da
Rússia, Elvira Nabiullina, que parece obcecada com controlar a inflação e
estabilizar o rublo.
Em maio passado, o presidente Putin deu o primeiro sinal de que estava
já aberto à ideia de que muito se devia suspeitar, e bem pouco confiar,
no que seus ministros de economia e finanças viviam a repetir: que "a
recuperação está muito próxima, logo ali, virando a esquina" (como
consta que Herbert Hoover teria dito no início da Grande Depressão dos
EUA em 1930). O presidente da Rússia convocou o Pleno do Conselho
Econômico – que não se reunia já há dois anos –, e ordenou que lhe
trouxessem um plano, para resolver os problemas econômicos da Rússia.
Aquele Pleno é constituído de 35 membros que representam os três
principais campos em que se divide a gestão da Economia da Rússia.
O ex-ministro neoliberal das Finanças Alexei Kudrin comandava um dos
campos apoiado pelos atuais ministros das Finanças Anton Siluanov, e da
Economia Alexey Ilyukayev. Esse grupo prega que se apliquem os
tradicionais 'remédios' do laissez-faire ocidental: drástica
redução do papel do Estado na Economia mediante a privatização desmedida
de tudo: ferrovias, empresas de energia (como a Gazprom) e tudo que
possa ser vendido do patrimônio do Estado. Kudrin também foi nomeado por
Putin para copresidir o novo grupo econômico estratégico de 35 membros
criado em maio. Muitos economistas do grupo pró-desenvolvimento nacional
temeram o pior dessa nomeação, sobretudo o renascimento da teoria do
choque de Gaidar, um Mach II. Hoje já se vê claramente que nada disso
acontecerá. A abordagem de Kudrin já foi claramente rejeitada como
demonstradamente ineficaz.
O segundo grupo era representado pela presidenta do banco central da
Rússia, Elvira Nabiullina. É o grupo mais conservador, dos que entendem
que nenhuma reforma é necessária nem, e muito menos, qualquer estímulo
econômico. Basta manter rota fixa, com taxa de juros do banco central
sempre abaixo de dois dígitos e isso – sabe-se lá como! – acabará por
matar a inflação e estabilizar o rublo, como se disso dependesse todo o
potencial crescimento econômico da Rússia. De fato, parece ser o meio
mais seguro para matar lentamente a economia e produzir inflação.
Grupo Stolypin
O terceiro bloco sempre foi ridicularizado pelos 'observadores'
ocidentais. A organização Straford, ligada ao Pentágono-EUA referiu-se a
eles como um "estranho coletivo."
Conheço pessoalmente e já conversei diretamente com o grupo, e, para
quem tenha clara consciência moral, nada há de estranho com eles.
Esse é o grupo que, depois de dois meses desde que Putin anunciou seu
projeto para desenvolver a Rússia, emergiu agora com mandado oficial
para expor seus planos para repor a Rússia na trilha do desenvolvimento.
O grupo, essencialmente, trabalha com projetos do que o grande e quase
esquecido economista alemão do século 19 Friedrich List chamaria de
estratégias de "economia nacional". A abordagem de List, de base
econômica histórico-nacional, sempre esteve em oposição direta ao
pensamento econômico da escola do 'livre mercado', do então dominante
pensamento britânico de Adam Smith.
As ideias de List foram crescentemente integradas à estratégia econômica do império alemão, iniciada sob a Zollverein ou
União Aduaneira Alemã de 1834, que unificou todo o mercado interno
alemão. À altura dos anos 1870s, já havia criado a base para a mais
colossal emergência da Alemanha como rival econômica da Grã-Bretanha,
que, em 1914, já superara os britânicos em todas as áreas.
Esse terceiro grupo, o Grupo Stolypin, na reunião de maio de 2016, incluía Sergei Glazyev e Boris Titov, copresidente deBusiness Russia,
e "ombudsman de negócios" da Rússia desde que o cargo foi criado em
2012. Esses dois economistas, Titov e Glazyev (conselheiro de Putin para
assuntos da Ucrânia, dentre outros temas) são membros fundadores do
Stolypin Club na Rússia. Em 2012, Glazyev[2] foi
nomeado por Putin, então primeiro-ministro, para coordenar o trabalho
das agências federais no desenvolvimento da União Aduaneira com Belarus,
Cazaquistão e Rússia, que hoje constitui a União Econômica eurasiana.
Titov, que também é presidente do Partido da Causa Certa ("Partido do Crescimento"),
é empresário russo bem-sucedido que, em anos recentes, voltou a
trabalhar em vários projetos de economia politica dentro do Estado,
frequentemente em declarada oposição às ideias liberais de livre mercado
de Kurdin. Importante, Titov também é copresidente do Conselho de
Comércio Russo-Chinês.
Indicação ampla do tipo de propostas que virão do Grupo Stolypin para
reviver na Rússia um substancial crescimento econômico e enfrentar os
graves déficits básicos de infraestrutura que tão gravemente emperram
qualquer empreitada produtiva veio numa série de propostas que Glazyev apresentou em setembro de 2015 ao Conselho de Segurança Nacional da Rússia, corpo consultivo que trabalha muito perto do presidente Putin.
Naquela ocasião, Glazyev propôs um 'mapa do caminho' quinquenal para o
crescimento de longo prazo e a soberania econômica da Rússia. O objetivo
era tornar o país imune a choques externos e à influência externa e, no
limite, a arrancar a Rússia da periferia para pô-la no centro do
sistema econômico global. Entre as metas está elevar a produção
econômica em 30-35% no período de cinco anos; criar uma "economia do
conhecimento" socialmente orientada, mediante a transferência de
recursos econômicos substanciais para educação, atenção à saúde e para
os serviços sociais em geral; criar instrumentos que visem a aumentar a
poupança como porcentagem do PIB; e outras iniciativas, inclusive uma
transição para uma política monetária soberana.
Em 1990, a mais alta prioridade de Washington e do FMI era pressionar
Yeltsin e a Duma para que "privatizassem" o Banco do Estado da Rússia,
com uma emenda à Constituição que ordenava que o novo Banco Central da
Rússia, como o Federal Reserve ou o Banco Central Europeu, passasse a
operar como entidade puramente monetarista, cujo objetivo seria
controlar a inflação e estabilizar o rublo. De fato, o mecanismo para
criar dinheiro na Rússia foi retirado da soberania do Estado e conectado
ao dólar norte-americano.
O plano de Glazyev em 2015 também propunha que se usassem os recursos do
Banco Central para prover empréstimos orientados para empresários e
indústrias, de modo a garantir-lhes taxas subsidiadas de juros, entre
1-4%, o que seria possível graças a um 'alívio quantitativo' da ordem de
20 trilhões de rublos num período de cinco anos. O programa também
sugeria que o Estado apoiasse empresários mediante a criação de
"obrigações recíprocas" para a compra de produtos e serviços por preços
fixados. Glazyev também propôs que o rublo fosse fortalecido como
alternativa ao sistema já falido do dólar; para tanto, o Estado deveria
comprar ouro, como lastro para a moeda. E propôs que o banco central
fosse obrigado a comprar toda a produção de ouro das minas russas a um
determinado preço, para aumentar o lastro do rublo. A Rússia é hoje o
segundo país maior produtor de ouro.
Obviamente o presidente russo já se apercebeu de que qualquer avanço que
a Rússia venha a obter no campo da política externa sempre poderá ser
imediatamente desvalorizado por economia que não responda à real
necessidade do país – o calcanhar de Aquiles da Rússia, como comentei em
outro artigo. O anúncio feito por Putin no dia 25 de julho tem potência
para reverter esse risco, se o projeto for levado a cabo com
determinação em todos os níveis. Aí, cabe ao presidente a
responsabilidade de expor com clareza a estratégia de seu governo para
os próximos cinco anos. É prazo útil para que se avaliem resultados, sem
nada a ver com os velhos planos quinquenais dos soviéticos, como De
Gaulle da França também compreendeu bem.
Ao oferecer aos cidadãos uma visão clara do futuro, Putin pode mobilizar
os notáveis recursos humanos da Rússia para literalmente conseguir o
impossível: converter em prosperidade genuína uma economia esfacelada; e
prosperidade erguida sobre fundamentos muito mais sólidos que os do laissez-faire monetarista do ocidente, hoje já em bancarrota. Bravo, Rússia!*****
[1] Sobre
o mesmo assunto, ver também "Governo russo está revendo as políticas
neoliberais", 10/8/2016, Paul Craig Roberts e Michael Hudson, Paul Graig Roberts Website, traduzido no Blog do Alok [NTs].
[2] Sobre Glazyev, ver "Aliança anti-dólar; "Entrevista com SG"; "Plutocracia ocidental", dentre outros artigos traduzidos [NTs].
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