Sanguessugado do Revista Fórum
Os EUA de Lincoln Gordon organizaram golpe de 64; e preparam novo bote na América do Sul
Rodrigo Vianna
A
lista é impressionante: Iraque, Afeganistão, Líbia e Síria. Em menos de
15 anos, os quatro países se transformaram em Estados zumbis. É algo
muito grave, a indicar a direção para onde aponta a política
expansionista dos Estados Unidos no século XXI.
Com
o fim da Guera Fria, deixaram de ter qualquer anteparo para sua
estratégia de fazer tombar todos os governos que signifiquem ameaça ao
controle do petróleo no Oriente Médio (ou em outras partes do planeta).
Saddam
Hussein (Iraque) não era um santo. Todos sabemos. Muamar Gadafi
(Líbia), tampouco. Os dois, ao lado da família Assad na Síria, faziam
parte de um movimento (o nacionalismo árabe) a significar um grito de
independência desses países – que, no passado, haviam estado sob domínio
turco ou europeu.
Outra característica unia os
três (e era a marca também do regime forte no Egito, comandado por
Mubarak, que tombou na tal “primavera árabe”): conduziam estados laicos,
com um discurso pautado mais pelo “orgulho nacional” do que pela
religião. Eram países comandados por regimes fortes, organizados, com
projetos de nações independentes. Apesar de longe, muito longe, de
qualquer princípio democrático.
Em nome da
democracia, os Estados Unidos varreram do mapa esses governantes. A
Líbia foi retalhada, já não existe, debate-se em crise permanente com o
confronto entre pelo menos 4 facções armadas. A Síria é um semi-estado,
em que Assad resiste em Damasco, mas vê o Estado Islâmico (EI), de um
lado, e os “rebeldes” armados pelos EUA/Europa, de outro, avançando
sobre grandes porções do território. O Iraque é agora um protetorado
ocidental, sem qualquer margem para se organizar de forma independente.
Vejo
alguns analistas “liberais”, na imprensa brasileira, dizendo que
Washington “fracassou” porque derrubou governos autoritários e, em vez
de democracias, colheu o caos no Oriente Médio. Coitados. Tão ingênuos
esses norte-americanos.
Ora, ora. Pode haver
algo mais fácil de controlar do que populações desorganizadas, que se
matam em guerras sem fim, sem a proteção de nada parecido com um Estado
organizado?
O projeto dos EUA era – e é –
o caos, a criação de uma grande franja que (do norte da África ao Tigre
e Eufrates, chegando às montanhas do Afeganistão) debate-se no caos. É o
que tenho chamado de “Estados zumbis”.
Mais
recentemente, a intervenção de Washington avançou para a Ucrânia. De
novo, vejo quem lamente que a intervenção não tenha levado a uma
democracia ucraniana em estilo ocidental. Como se o objetivo fosse esse…
Está
claro que, também na Ucrânia, o objetivo era criar um estado de caos e
inoperância – que, de toda forma, é melhor do que uma Ucrânia forte,
unificada, pró-Russia (essa era a ameaça antes da famosa rebelião
fascista da Praça Maidan, insuflada pelos EUA, em Kiev).
A
diferença é que na Ucrânia os norte-americanos encontraram resposta
russa, que puxou para si a Criméia e as regiões do leste ucraniano
(onde a cultura dominante e a língua são russas). “Ok, vocês podem criar
o caos na sua Ucrânia; mas na nossa, não” – esse parece ter sido o
recado de Putin a Obama.
Evidentemente, a
derrubada dos governos em cada um desses países (do norte da África ao
Afeganistão, da Ucrânia ao Tigre/Eufrates) seguiu motivações e roteiros
próprios. Mas todas essas intervenções são parte de um mesmo movimento
de afirmação da hegemonia dos Estados Unidos.
O
poder imperial, em relativa crise econômica, se afirma pelas armas de
forma impressionante, mundo afora – e isso em apenas 15 anos.
Vivemos
o período das “operações especiais”, das guerras não-declaradas, das
rebeliões movidas a whatsapp e vendidas como “gritos pela democracia”.
O
mundo se ajoelha ao poder imperial. O nacionalismo árabe, que oferecia
alguma resistência ao avanço dos EUA e seus parceiros da OTAN, foi
destroçado.
Outro pólo de oposição é o que se
desenha na Eurásia, com a parceria energética e logística entre russos e
chineses. Por isso, Putin está sob cerco econômico, e ali – mais à
frente – será jogada a partida decisiva no xadrez mundial.
Antes
disso, no entanto, a política de intervenção de Washington se move para
a América do Sul. Honduras e Paraguai foram ensaios, bem-sucedidos.
Venezuela,
Argentina e Brasil: aqui, agora, vemos avançar o projeto de criar novos
Estados zumbis. Depois do nacionalismo árabe, chegou a hora de destruir
o nacionalismo latino-americano. Não é por outro motivo que
“bolivarianismo” virou o anátema, o palavrão, o inimigo a ser derrotado –
numa ofensiva que é política, econômica e sobretudo midiática.
Claro
que todos esses país possuem problemas. Não quero dizer que todos os
dilemas da América do Sul sejam responsabilidade do Império do Norte.
Não. Simplesmente, Washington aproveita as contradições e fraquezas
internas, em cada um desses países, para assoprar a faísca do caos.
Aqui,
no Brasil, a intervenção não precisa ser diretamente militar. Basta
atiçar setores sob hegemonia da cultura (e da grana) dos Estados Unidos.
Num
encontro social (em São Paulo, claro), recentemente, ouvi a proposta
pouco sutil: “bom mesmo é que o Obama invadisse isso aqui, e acabasse
com essa bagunça”. Esse é o projeto dos paneleiros no Brasil. O fim da
Nação, a anexação ao Império.
A próxima batalha – parece – será travada na Venezuela.
Maduro
fustigou os Estados Unidos, mandando embora parte do pessoal da
embaixada dos EUA em Caracas. Agora Washington reage e declara a
Venezuela uma ameaça à segurança dos Estados Unidos (leia aqui).
A
escalada verbal favorece os setores mais duros do chavismo. Ameaça de
intervenção do Império pode dar a justificativa para um governo chavista
mais forte, em que o poder já não estaria com Maduro, mas com os
militares chavistas. A burguesia que hoje bate panelas em Caracas talvez
tenha que seguir o caminho da elite cubana, em direção a Miami. Mas
haveria guerra civil. O caos. Uma Líbia, ou um Iraque, às portas do
Brasil.
Com um governo muito mais moderado, o
Brasil também vive em estado de pré-convulsão política. Reparem: é o
Estado (e não o “petismo”) que pode se desmanchar. Petrobras, políticas
sociais, a própria ideia de desenvolvimento. Tudo isso está em cheque. E
não é à toa.
Na Argentina, já se fala
abertamente no envolvimento de serviços de inteligência estrangeiros, na
morte do procurador Nisman – com o objetivo de desestabilizar Cristina
Kirchner - leia mais aqui, no texto de Paul Craig Roberts (sugestão do site O Empastelador).
No
Brasil, vivemos uma venezuelização de mão única: apenas um dos lados
aposta no confronto total. Os paneleiros querem sangue; o governo mantem
a moderação verbal. Até quando?
O cenário é de um confronto que ameça não o governo Dilma, mas a própria ideia de um Estado nacional com projeto próprio.
A manifestação do dia 15 é só um capítulo da guerra. A própria batalha do impeachment é parte de uma guerra muito mais ampla.
Essa guerra será dura, e pode durar muitos anos. O tempo da conciliação acabou.
P.S.:
Nos
anos 80, quando se falava na participação direta dos Estados Unidos na
derrubada de TODOS os governos do Cone Sul (Argentina, Brasil, Chile e
Uruguai), ocorrida uma ou duas décadas antes, certos liberais uspianos
sorriam, e atribuíam a afirmação a “teorias conspiratórias”; com a
abertura dos arquivos em Washington, conheceu-se a verdade.
Parece
“teoria conspiratória” que, depois de eliminar o nacionalismo árabe, os
EUA preparem-se para um ataque contra a América do Sul bolivariana?
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