sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A escolha do PSDB: o horror e a opção preferencial contra os pobres

Existem muitas explicações para a truculência, a desumanidade, a destituição do direito de cidadania aos pobres pelo poder público paulista.

- por Maria Inês Nassif, colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.

É o horror. Nada mais precisa ser dito para descrever a operação de despejo de Pinheirinho, em São José dos Campos, e a ação policial contra os usuários de crack no centro da capital, na chamada Cracolândia. Mas existem muitas explicações para a truculência, a desumanidade, a destituição do direito de cidadania aos pobres pelo poder público paulista.

A primeira delas é tão clara que até enrubesce. Nos dois casos, trata-se de espantar o rebotalho urbano de terrenos cobiçados pela especulação imobiliária. O Projeto Nova Luz do prefeito Kassab, que vem a ser a privatização do centro para grandes incorporadoras, vai ser construído sob os escombros da Cracolândia, sem que nenhuma política social tenha sido feita para minorar a miséria ou dar uma opção séria para crianças, adolescentes e adultos que se consomem na droga.

O terreno desocupado com requintes de crueldade em São José dos Campos, de propriedade da massa falida do ex-mega-investidor Naji Nahas, que já era de fato um bairro, vai ser destinado a um grande investimento, certamente. O presente de Natal atrasado para essas populações pobres libera esses territórios antes que terminem os mandatos dos atuais prefeitos, e o mais longe possível do calendário eleitoral. Rapidamente, a prefeitura de São Paulo está derrubando imóveis; a prefeitura de São José não deve demorar para limpar o terrreno de Pinheirinho das casas - inclusive de alvernaria - das quais os moradores foram expulsos.

Até outubro, no mínimo devem ter feito uma limpeza na paisagem, o que atenua nas urnas, pelo menos para a classe média, a ação da polícia. A higienização justifica a truculência policial. A "Cidade Limpa" de Kassab, que começou com a proibição de layouts na cidade, termina com a proibição de exposição da pobreza e da miséria humana.

A segunda é de ordem ideológica. Desde a morte de Mário Covas, que ainda conseguia erguer um muro de contenção para o PSDB paulista não guinar completamente à direita, não existe dentro do partido nenhuma resistência ao conservadorismo. Quando Geraldo Alckmin reassumiu o governo do Estado, em janeiro de 2011, muitas análises foram feitas sobre se ele, por força da briga por espaço político com José Serra dentro do partido, iria trazer o seu governo mais para o centro. A referência tomada foi o comando da Segurança Pública, já que em seu mandato anterior a truculência do então secretário, Saulo de Castro Abreu Filho, virou até denúncia contra o governo de São Paulo junto à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos.

O fato de ter mantido Castro fora da Segurança e se aproximado do governo federal, incorporando alguns programas sociais federais, e uma relação nada íntima com o prefeito da capital, deram a impressão, no primeiro ano de governo, que Alckmin havia sido empurrado para o centro. O que não deixava de ser uma ironia: um político que nunca escondeu seu conservadorismo foi deslocado dessa posição por um adversário interno no partido, José Serra, que, vindo da esquerda, tornou-se a expressão máxima do conservadorismo nacional.

Isso não deixa de ser uma lição para a história. Superado o embate interno pela derrota incondicional de José Serra, que desde a sua derrota vinha perdendo terreno no partido e foi relegado à geladeira, depois da publicação de "Privataria Tucana", do jornalista Amaury Ribeiro Júnior, Alckmin volta ao leito. O governador é conservador; o PSDB tornou-se orgânicamente conservador, depois de oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) e oito anos de posição neoudenista. A polícia é truculenta - e organicamente truculenta, já que traz o modelo militar da ditadura e foi mais do que estimulada nos últimos governos a manter a lei, a ordem e esconder a miséria debaixo do tapete.

O nome de quem faz a gestão da Segurança Pública não interessa: está mais do que claro que passou pelo governador a ordem das invasões na Cracolândia e em Pinheirinho.

Outra análise que deve ser feita é a da banalização da desumanidade. Conforme a sociedade brasileira foi se polarizando politicamente entre PSDB e PT, a questão dos direitos humanos passou a ser tratada como um assunto partidário. O conservadorismo despiu-se de qualquer prurido de defender a ação policial truculenta, de tomar como justiça um Judiciário que, nos recantos do país, tem reiterado um literal apoio à propriedade privada, um total desprezo ao uso social da propriedade e legitimado a ação da polícia contra populações pobres (com nobres exceções, esclareça-se).

Para os porta-vozes desses setores, a polícia, armada, "reage" com inofensivas balas de borracha à agressão dos moradores que jogam pedras perigosíssimas contra escudos enormes da tropa de choque. No caso de Pinheirinho, a repórter Lúcia Rodrigues, que estava na ocupação, na sexta-feira, foi ela própria alvo de duas balas letais, vindas da pistola de um policial municipal. Ela não foi atingida, mas duvida, pela violência que presenciou, das informações de que tenha saído apenas uma pessoa gravemente ferida daquele cenário de guerra.

Estadão rosna contra o Pinheirinho

Quando os abolicionistas se rebelaram contra a escravidão, o Estadão defendeu o “direito sagrado de propriedade” dos senhores de escravo. Hoje, ele defende o direito sagrado de propriedade do banqueiro-bandido Naji Nahas e a ação fascistóide do tucano Geraldo Alckmin. O jornal não mudou nada neste longo período histórico!

- Por Altamiro Borges, em seu blog

O oligárquico jornal O Estado de S.Paulo, que na sua origem no final do século 19 publicava anúncios sobre a venda de escravos, considera a propriedade privada um direito sagrado. Ele nunca tolerou as greves ou protestos contra os proprietários capitalistas. Não poderia ser diferente agora no lamentável episódio da desocupação violenta dos moradores do Pinheirinho.

Em editorial, o Estadão manifestou o seu apoio à decisão da Justiça de São Paulo e à bárbara operação do Batalhão de Choque da Polícia Militar. Para o jornal, os manifestantes é que provocaram o confronto – como se alguém gostasse de apanhar e de ver seus filhos desesperados, chorando. A truculência do Estadão não fica nada a dever à violência da PM de Geraldo Alckmin.

“Manchetes e visibilidade política”

“A desocupação de uma área de 1,3 milhão de metros quadrados em São José dos Campos, determinada pela Justiça estadual e realizada na manhã de domingo pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar (PM), seguiu rigorosamente o roteiro elaborado pelos movimentos sociais para ganhar as manchetes dos jornais e obter visibilidade política”, afirma o repugnante editorial.

O jornal até cita que “a área pertence à massa falida da empresa Selecta”, mas não diz uma única palavra contra o Naji Nahas, o agiota que já foi preso e é acusado por crimes financeiros e outras maracutaias. A propriedade privada do bandido é “sagrada”. Já as 2 mil famílias carentes que ocuparam o terreno ocioso e irregular em 2004 são rotuladas de “invasoras”, “violentas”.

Famiglia Mesquita desrespeita as famílias

Elas seriam as únicas responsáveis pelas cenas de violência. “Para dificultar o acesso ao local, os invasores ergueram barricadas com paus, que depois incendiaram, e colocaram idosos, grávidas e crianças na primeira linha de resistência”. A fascistóide famiglia Mesquita realmente não merece ser tratada como família! Na sua defesa da propriedade, ela não respeita nem grávidas ou crianças!

O editorial é uma apologia da ação da polícia, que “empregou na operação um blindado, além de 220 viaturas, 100 cavalos, 40 cães e 2 helicópteros”. Já os movimentos sociais seriam oportunistas, que usaram a internet para divulgar o “massacre de pobres e desabrigados”. O jornalão também aproveita para elogiar o governador Alckmin e para atacar o PT e outras forças de esquerda.

A mentalidade do senhor de escravos

“Por trás desse lamentável episódio, estão dois partidos que há muito tempo se digladiam para desalojar o PSDB das principais prefeituras do Vale do Paraíba, região onde Alckmin iniciou sua carreira política. Um deles é o PT. Não foi por acaso que, entre as pessoas feridas com escoriações, uma se apresentou como assessor da Presidência da República... O outro partido é o PSTU”.

Quando os abolicionistas se rebelaram contra a escravidão, o Estadão defendeu o “direito sagrado de propriedade” dos senhores de escravo. Hoje, ele defende o direito sagrado de propriedade do banqueiro-bandido Naji Nahas e a ação fascistóide do tucano Geraldo Alckmin. O jornal não mudou nada neste longo período histórico!

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Cordel que deixou Rede Globo e Pedro Bial indignados


Antonio Barreto


Antonio Barreto nasceu nas caatingas do sertão baiano, Santa Bárbara/Bahia-Brasil.

Professor, poeta e cordelista. Amante da cultura popular, dos livros, da natureza, da poesia e das pessoas que vieram ao Planeta Azul para evoluir espiritualmente.

Graduado em Letras Vernáculas e pós graduado em Psicopedagogia e Literatura Brasileira.

Seu terceiro livro de poemas, Flores de Umburana, foi publicado em dezembro de 2006 pelo Selo Letras da Bahia.

Vários trabalhos em jornais, revistas e antologias, tendo publicado aproximadamente 100 folhetos de cordel abordando temas ligados à Educação, problemas sociais, futebol, humor e pesquisa, além de vários títulos ainda inéditos.

Antonio Barreto também compõe músicas na temática regional: toadas, xotes e baiões.

BIG BROTHER BRASIL UM PROGRAMA IMBECIL


Autor: Antonio Barreto, Cordelista natural de Santa Bárbara-BA, residente em Salvador.


Curtir o Pedro Bial
E sentir tanta alegria
É sinal de que você
O mau-gosto aprecia
Dá valor ao que é banal
É preguiçoso mental
E adora baixaria.

Há muito tempo não vejo
Um programa tão 'fuleiro'
Produzido pela Globo
Visando Ibope e dinheiro
Que além de alienar
Vai por certo atrofiar
A mente do brasileiro.

Me refiro ao brasileiro
Que está em formação
E precisa evoluir
Através da Educação
Mas se torna um refém
Iletrado, 'zé-ninguém'
Um escravo da ilusão.

Em frente à televisão
Longe da realidade
Onde a bobagem fervilha
Não sabendo essa gente
Desprovida e inocente
Desta enorme 'armadilha'.

Cuidado, Pedro Bial
Chega de esculhambação
Respeite o trabalhador
Dessa sofrida Nação
Deixe de chamar de heróis
Essas girls e esses boys
Que têm cara de bundão.

O seu pai e a sua mãe,
Querido Pedro Bial,
São verdadeiros heróis
E merecem nosso aval
Pois tiveram que lutar
Pra manter e te educar
Com esforço especial.

Muitos já se sentem mal
Com seu discurso vazio.
Pessoas inteligentes
Se enchem de calafrio
Porque quando você fala
A sua palavra é bala
A ferir o nosso brio.

Um país como Brasil
Carente de educação
Precisa de gente grande
Para dar boa lição
Mas você na rede Globo
Faz esse papel de bobo
Enganando a Nação.

Respeite, Pedro Bienal
Nosso povo brasileiro
Que acorda de madrugada
E trabalha o dia inteiro
Da muito duro, anda rouco
Paga impostos, ganha pouco:
Povo HERÓI, povo guerreiro.

Enquanto a sociedade
Neste momento atual
Se preocupa com a crise
Econômica e social

Você precisa entender
Que queremos aprender
Algo sério - não banal.
Esse programa da Globo
Vem nos mostrar sem engano
Que tudo que ali ocorre
Parece um zoológico humano
Onde impera a esperteza
A malandragem, a baixeza:
Um cenário sub-humano.

A moral e a inteligência
Não são mais valorizadas.
Os "heróis" protagonizam
Um mundo de palhaçadas
Sem critério e sem ética
Em que vaidade e estética
São muito mais que louvadas.

Não se vê força poética
Nem projeto educativo.
Um mar de vulgaridade
Já se tornou imperativo.
O que se vê realmente
É um programa deprimente
Sem nenhum objetivo.

Talvez haja objetivo
"professor", Pedro Bial
O que vocês tão querendo
É injetar o banal
Deseducando o Brasil
Nesse Big Brother vil
De lavagem cerebral.

Isso é um desserviço
Mau exemplo à juventude
Que precisa de esperança
Educação e atitude
Porém a mediocridade
Unida à banalidade
Faz com que ninguém estude.

É grande o constrangimento
De pessoas confinadas
Num espaço luxuoso
Curtindo todas baladas:
Corpos "belos" na piscina
A gastar adrenalina:
Nesse mar de palhaçadas.

Se a intenção da Globo
É de nos "emburrecer"
Deixando o povo demente
Refém do seu poder:
Pois saiba que a exceção
(Amantes da educação)
Vai contestar a valer.

A você, Pedro Bial
Um mercador da ilusão
Junto a poderosa Globo
Que conduz nossa Nação
Eu lhe peço esse favor:
Reflita no seu labor
E escute seu coração.

E vocês caros irmãos
Que estão nessa cegueira
Não façam mais ligações
Apoiando essa besteira.
Não deem sua grana à Globo
Isso é papel de bobo:
Fujam dessa baboseira.

E quando chegar ao fim
Desse Big Brother vil
Que em nada contribui
Para o povo varonil
Ninguém vai sentir saudade:
Quem lucra é a sociedade
Do nosso querido Brasil.

E saiba, caro leitor
Que nós somos os culpados
Porque sai do nosso bolso
Esses milhões desejados
Que são ligações diárias
Bastante desnecessárias
Pra esses desocupados.

A loja do BBB
Vendendo só porcaria
Enganando muita gente
Que logo se contagia
Com tanta futilidade
Um mar de vulgaridade
Que nunca terá valia.

Chega de vulgaridade
E apelo sexual.
Não somos só futebol,
baixaria e carnaval.
Queremos Educação
E também evolução
No mundo espiritual.

Cadê a cidadania
Dos nossos educadores
Dos alunos, dos políticos
Poetas, trabalhadores?
Seremos sempre enganados
e vamos ficar calados
diante de enganadores?

Barreto termina assim
Alertando ao Bial:
Reveja logo esse equívoco
Reaja à força do mal.
Eleve o seu coração
Tomando uma decisão
Ou então: siga, animal.

FIM
post do lotus egipcio

Por que só Eliana Calmon enxergou os R$ 283 milhões no Tribunal do primo de Marco Aurélio?



O Coaf (órgão de inteligência financeira do Ministério da Fazenda) identificou 3.426 magistrados e servidores do Judiciário que fizeram movimentações fora do normal no valor de R$ 855 milhões entre 2000 e 2010.

O auge foi em 2002, quando uma única pessoa movimentou R$ 282,9 milhões. O nome sob sigilo está ligado ao Tribunal Regional do Trabalho da 1ª região, no Rio de Janeiro ( TRT-RJ), segundo o COAF.

Esse Tribunal ocupou as páginas policiais durante a CPI do Judiciário, no Senado, em 1999, assim como aconteceu com o Tribunal equivalente paulista, onde presidiu o juiz Nicolau dos Santos Neto.

http://goo.gl/AQoZf e http://goo.gl/MEqz2 e http://goo.gl/QZYm9

Sobre o TRT-RJ pesou graves denúncias, desde licitações fraudadas, passando por venda de sentenças e venda de nomeações, nepotismo, tráfico de influência, uso da máquina para campanha eleitoral do governador tucano, abuso de autoridade, quando o Juiz José Maria de Mello Porto o presidiu, entre 1993 e 1994. Há gravações envolvendo outros membros do Tribunal e onde ele era citado.

Em 2007, o TRT/RJ aparece em denúncias envolvendo o irmão de outro magistrado do STJ (Paulo Medida).

Mello Porto era primo do ministro do STF Marco Aurélio de Mello e do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Morreu assassinado durante um suposto assalto em 2006, como desembargador deste Tribunal, sem qualquer condenação (que se saiba). Processou diversos jornais e jornalistas e até procuradores da República que fizeram denúncias contra ele, e ganhou indenização em muitos casos, pelo menos nos tribunais cariocas (não sei o que aconteceu nos recursos).

Agora, coincidentemente, aparece a notícia da movimentação atípica de R$ 283 milhões por uma única pessoa neste tribunal em 2002. Não cabe fazer ilações sobre nomes, sem provas, como costuma fazer a revista Veja. Mas alguém movimentou essa fortuna de forma atípica lá, onde choveram denúncias de irregularidades pelo menos desde 1994.

E a pergunta que fica ao Dr. Gurgel, Procurador Geral da República é: por que o Ministério Público Federal não fez o dever de casa, e não investigou desde 2002 um alerta do COAF deste tamanho?

Será que é porque não saiu na revista Veja?

Não fosse a resistência e coragem da corregedora do CNJ, Eliana Calmon, a impunidade estaria garantida.

Detalhe: Durante a CPI do Judiciário, Mello Porto era corregedor do TRT/RJ.
O fato recomenda ao Dr. Peluso (presidente do STF) repensar sobre sua insistência em deixar as investigações sobre malfeitos para as corregedorias dos próprios tribunais.

Matéria publicada aqui na Rede Brasil Atual

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Os retirantes das favelas


O encarecimento do custo de vida obriga famílias pobres a migrar para bairros cada vez mais distantes. Foto: Christophe Simon/AFP

Por dez anos a manicure- Débora Silva Ramos, de 23 anos, subiu e desceu as ladeiras da Rocinha atrás de uma vida melhor. E aos poucos viu chegar o asfalto, a iluminação pública, arremedos de saneamento. Mas a melhora lhe saiu caro. Do casebre de um quarto, banheiro e cozinha americana voltada para um claustrofóbico corredor, ela e o marido, o pizzaiolo Fábio de Jesus, de 33 anos, viram o custo de vida na favela mais famosa do Rio de Janeiro disparar. Em agosto, partiram dali para viver em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, em uma casa com sala ampla, cozinha “de verdade” e uma aprazível varanda. Têm agora mais espaço pelo mesmo aluguel de 300 reais. Com 50 reais de compras, passam a semana. “Nas biroscas da Rocinha ou nos supermercados da zona sul, o dinheiro não rendia”, diz Débora. Mas tudo era perto, admite saudosa. Hoje o marido precisa de duas horas, dois ônibus e um metrô para chegar ao serviço, quando antes levava meia hora. A casa está 40 quilômetros mais longe. “O que não dá é morar na zona sul e ter um padrão de vida incompatível.”

Isso porque o casal saiu antes da ocupação da favela pelas chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), em novembro. A ação, que já ocorreu em outros morros da zona sul, tem selado o processo de transformação das favelas cariocas, que traz, com a mudança da qualidade de vida, o aumento também do custo de vida. Com a urbanização, fruto de ações nas três esferas de governo, e a presença das UPPs, o que vem junto da infraestrutura e da segurança é uma tributação extra e inédita sobre os moradores. Contas de água, luz e tevê a cabo passam a ser cobradas. É o fim do gato, meio-termo entre conquista de serviços sem conquista de direitos. Como parte da população não tem condições de pagar por esses serviços, com a legalização trazida pela transformação da favela “em bairro”, eles acabam baixando o nível de vida. Ou deixam a favela. Ocorre assim uma remoção camuflada, já que as pessoas migram para locais afastados dos grandes centros.

Leia mais:

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Invista na Rocinha

Uma pesquisa recente da Fundação Getulio Vargas mostrou que o valor dos aluguéis nas favelas cariocas subiu 6,8% mais que no resto da cidade desde a implementação das UPPs, em 2008. Segundo Marcelo Neri, coordenador da pesquisa, esse já seria o chamado “efeito UPP”: o impacto econômico da paz trazida pela substituição do ritmo do tráfico pelo papel oficial da polícia. E há o que os especialistas chamam de “efeito olímpico”: investimentos públicos nas favelas próximas às áreas onde ocorrerão os jogos trazem uma urbanização mais intensa – e mais aumento no custo de -vida. O caso é especialmente nítido na Rocinha. O estudo, que comparou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007 e 2009, prevê que a valorização dos aluguéis seja maior justamente na favela deixada por Débora e Fabrício. Isso devido à pressão imobiliária. Sem o tráfico, pessoas acostumadas a viver em bairros convencionais estão dispostas a morar em favelas “pacificadas” e bem localizadas.

Bye-bye Rocinha. O casal Débora e Fábio deixou a favela na zona sul do Rio para viver na distante São João de Meriti. Foto: Adriana Lorete

“A conta de luz foi um baque. Todo mundo tinha gato e agora tem de pagar 80, 100 reais por mês. Quem recebe Bolsa Família tem desconto, mas é baixo”, reclama Elisete Napoleão, 46 anos, coordenadora do projeto Corte Arte, que capacita costureiras no Morro do Cantagalo, cravado entre os abastados bairros de Copacabana e Ipanema. “Muita gente de fora vem morar aqui, além dos estrangeiros que fazem turismo. O custo das coisas disparou. No supermercado o preço é o mesmo, não importa se eu moro na favela ou se sou uma madame da Avenida Atlântica ou da Vieira Souto.” Elisete entrega-se a um desabafo que explica a ansiedade dos moradores das favelas com a melhora trazida pela urbanização. “Aos poucos, desaparecem as opções mais populares, como a Casas da Banha. Ninguém recebeu ainda o título de propriedade da terra, mas já se fala em cobrança de IPTU, como se aqui fosse um bairro comum.”

Ao menos para o setor privado, as favelas “pacificadas” têm mesmo virado bairros comuns. Para a Light, a ocupação policial de comunidades antes controladas pelo tráfico foi um tônico para os negócios. Sem a presença de criminosos armados impedindo a atuação dos técnicos, a empresa conseguiu reduzir em 90% as ligações clandestinas em cinco favelas com UPPs. Moradores reconhecem que o atendimento melhorou, mas o custo é elevado e, muitas vezes, inédito. “Quando trabalho na máquina overloque fico pensando no ‘reloginho’ da luz girando. Ganho mil reais por mês, mas gasto mais de 100 reais só com a conta de luz”, lamenta a costureira Sônia Regina Sousa, de 50 anos, nascida e criada no Cantagalo, mas já assustada com o fantasma que ronda o local: a mudança forçada pelo bolso. “Tive de cobrar mais dos meus clientes, tudo ficou mais caro. Não sei se vou aguentar. Minha vizinha já se mudou para Caxias.”

A retirada do tráfico aumenta a arrecadação privada e, via impostos, teoricamente, do Estado, o que supriria os gastos com a segurança. Em tese todos ganhariam, mas nem todos os moradores conseguem pagar o preço da paz. “Pois, tão logo o morro é ocupado pela polícia, vem uma avalanche de empresas para acabar com os gatos e vender produtos”, diz o rapper Mc Fiell, presidente da rádio comunitária do Morro Santa Marta. Ele vê interesses parti-culares nas intervenções nas favelas. “Surgem pousadas, hostels e até baladas para a classe média, mas seguimos com barracos de madeira, esgoto a céu aberto e sem escola. Que morador da favela tem condições de pagar 50 reais para entrar numa festa?”

Não é falta de investimento público. Segundo o Ministério das Cidades, só com a primeira etapa do Programa de Aceleração do Crescimento para intervenções em favelas, 23,5 bilhões de reais terão chegado a 1,8 milhão de famílias, em ações integradas de construção e melhora de habitações, saneamento, infraestrutura, equipamentos públicos, regularização fundiária. Entre 2011 e 2014 devem ser investidos mais 30,5 bilhões de reais. O governo estima em 1,8 milhão as famílias atendidas. Só nas favelas do Rio, 210 mil delas foram beneficiadas por mais de 2,5 bilhões de reais em investimentos. Em São Paulo, 3,8 bilhões para 230 mil famílias. O governo do Rio também tem aplicado recursos próprios. Assim que a Rocinha foi ocupada, o governador Sérgio Cabral anunciou 100 milhões de reais para investir na urbanização da região, com direito a creche e até elevador.

“A dúvida que fica é se essas melhoras nos morros cariocas vão beneficiar a população local ou se, ao contrário, vão forçar as famílias mais pobres a saírem e favorecer quem está chegando agora”, avalia o ator Babu Fernandes, morador do Vidigal. “O problema é a ausência de um projeto democrático de cidade. Sobra aos pobres o espaço desprezado pela lógica imobiliária, sem se levar em conta memória, identidade, espaços para a diversidade”, afirma Jaílson de Souza e Silva, coordenador do Observatório das Favelas, para quem tanto a academia quanto a mídia em geral têm negligenciado o fenômeno da “remoção branca” dos pobres para as periferias.

Além do encarecimento do custo de vida, muitas famílias estão ameaçadas de remoção por causa de obras de urbanização das favelas ou por viverem em áreas de risco. Neste caso, o temor dos moradores é que eles sejam reassentados em bairros distantes. “Não é segredo para ninguém que a paisagem dos morros cariocas é espetacular. Moro no topo do Santa Marta e tenho 180 graus de vista sem interrupção, do Dedo de Deus ao Corcovado, passando pela Baía de Guanabara. Nunca houve deslizamento de terra aqui, mas querem nos retirar a qualquer custo”, afirma o guia de turismo Vítor Lira, de 30 anos.

Valorização. Emílio teme ser expulso do Santa Marta (RJ).

Ao todo, 52 famílias do Santa Marta receberam ordem de despejo, sem saber onde serão reassentadas. “Dizem que vão oferecer moradia dentro da favela, mas nada está certo. Indenização não quero. A mixaria que pagam não dá nem para comprar um barraco de madeira”, comenta Emílio Marcos Maximiliano, de 33 anos, que ganha a vida fazendo reparos em quadras de tênis. Ele vive com a esposa e três filhos num sobrado que tem vista privilegiada para a Lagoa Rodrigo de Freitas. Não à toa, o custo de vida aumentou. “Os preços estão inflacionados. Tem muito turista circulando por aqui, comprando ou alugando casas.”

O aposentado Ivan Cerqueira Nascimento, de 62 anos, há 40 morador do Cantagalo, confirma a presença dos novos “migrantes” do morro. “Um americano se dispôs a pagar 3 mil reais de aluguel pela minha casa, para transformá-la num ponto turístico”, diz. Do terraço vê-se a orla de Copacabana e Ipanema. Dentro, a casa tem suíte, copa, cozinha, dois banheiros, área de serviço e um bem cuidado jardim. Casa erguida com o suor de décadas de labuta como motorista, ela pode em breve estar nas mãos de outros. “Gostaria de passar o fim da vida aqui, mas com uma oferta como essa posso levar uma vida confortável em Nova Iguaçu ou Madureira.” Longe.

Os casos multiplicam-se. Moradores relatam que um banqueiro alemão teria comprado 70 imóveis no Vidigal. Apesar dos riscos, o austríaco Andreas Wielend, de 33 anos, decidiu investir 100 mil reais para comprar e reformar dois sobrados, ora convertidos em hostels (hospedagens de baixo custo para viajantes) no topo da comunidade. “No réveillon e no carnaval, tenho 30 hóspedes agendados com meses de antecedência”, comemora. As diárias nos dormitórios do hostel de estilo rústico custam de 20 a 30 reais. O aluguel dos quartos particulares varia de 50 a 90 reais por dia. Ele ainda promove festas que reúnem mais de 500 pessoas, o que fez do lugar uma referência para cariocas de classe média descolados e ponto de encontro de estrangeiros residentes no Rio. “Se me oferecessem 400 mil reais pelo meu hostel, não venderia. Meu investimento teve um retorno de 400% em um ano.”

Um dos hóspedes, o antropólogo americano Jason Scott, de 27 anos, decidiu passar as férias no Rio de Janeiro. Ficou tão encantado que resolveu parar suas pesquisas pela Universidade do Colorado e passar um ano sabático no Brasil. Acaba de alugar uma casa no morro por mil reais com um amigo. “Escolhi viver no Vidigal porque aqui, além de ter uma vista maravilhosa, é como uma aldeia, onde todos se conhecem.” Sem violência e perto de tudo, a favela vira um prato cheio para estrangeiros. Há um ano no morro, a estudante de relações internacionais Johanna Hoffman, de 21 anos, não teria condições de viver na zona sul da cidade se não alugasse uma casa no morro. “Muitos amigos recriminaram a minha escolha, acham perigoso. Mas nunca tive problemas.”

Na avaliação de urbanistas, a expulsão de famílias pobres para a periferia das cidades não é consequência apenas do aumento do custo de vida ou do aquecimento do mercado imobiliário. Deve-se também à fragilidade das políticas habitacionais. Em novembro de 2011, o pesquisador Fabrício Leal de Oliveira, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, ligado à UFRJ, apresentou dados preo-cupantes -sobre a oferta de moradia popular no Rio durante um seminário. No centro e na zona sul da cidade, praticamente inexistem opções para famílias que ganham até três salários mínimos, ao passo que o afastado bairro de Santa Cruz concentrava 62% dos imóveis do programa Minha Casa Minha Vida para moradores com esse perfil de renda (gráfico à pág. 38).

“Isso significa que o poder público está estimulando a segregação da pobreza na periferia, onde não existe cidade. Áreas sem infraestrutura nem oportunidades de emprego”, afirma Raquel Rolnik, urbanista da Universidade de São Paulo e relatora especial das Nações Unidas para a moradia adequada. “Há muitos instrumentos para evitar isso. O governo pode delimitar áreas de interesse social nos bairros mais bem localizados, com limites bem definidos do tamanho e do porte das residências, ou mesmo subsidiar o aluguel das famílias pobres.” A urbanista lembra que ainda existe uma distribuição relativamente harmônica entre diferentes classes sociais em todos os bairros cariocas, mas isso corre o risco de não existir mais. “Ao varrer a pobreza para a periferia, só agravaremos as tensões sociais e os problemas urbanos, como o transporte de trabalhadores da periferia para o centro e o aumento desordenado da -demanda por -escola, -hospitais e demais serviços públicos em áreas afastadas da cidade. É o mesmo erro que São Paulo tem cometido historicamente. Estão ‘paulistanizando’ o Rio.”

A comparação da urbanista é pertinente. Há décadas, a capital paulista tem removido à força favelas para a construção de grandes obras públicas. As famílias são -reassentadas em bairros cada vez mais afastados. Uma das poucas comunidades que sobreviveram em uma região valorizada é a Favela Paraisópolis, localizada ao lado do rico Morumbi. Mas também lá a valorização imobiliária e o encarecimento do custo de vida têm imposto obstáculos à permanência de famílias de baixa renda.

Em Paraisópolis (SP), o metro quadrado comercial está tão caro quanto nos Jardins. Foto: Luiza Sigulem/Folhapress

Verdade que as mais de 60 mil famílias que lá vivem desfrutam de uma infraestrutura crescente, com ONGs, escolas, postos de saúde, bibliotecas, postos de gasolina. Aqui e ali abrem novas clínicas odontológicas, locadoras, lavanderias, academias de ginástica. A agência bancária, a imobiliária congestionada, a abarrotada filial das Casas Bahia, a agência de compras de passagens aéreas por boleto e novas lojas de varejo surgem a cada dia. Juntos, os empreendimentos dão uma ideia mais ampla da nova configuração urbana da favela mais valorizada de São Paulo, onde o metro quadrado em ruas de comércio chega a se equiparar ao da rica região dos Jardins.

E não são apenas o crescimento da economia e o aumento da classe C os responsáveis pelo boom. O poder público tem investido pesado na urbanização da área, cara ao mercado imobiliário, de olho no valioso entorno. O asfalto já cobre as -ruas principais. Com dinheiro das três esferas de governo está prevista a construção de 1,6 mil moradias populares. Parte delas já foi entregue aos moradores.

Mas isso tudo vem com um custo pesado para muita gente. Há cerca de dois meses, ao discursar na inauguração de um primeiro condomínio, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, prenunciou a transformação da favela em bairro civilizado. “A urbanização, as moradias novas, segurança, não tem área de risco, tem escolas, Etec, centro comunitário, uma cidade, né? Paraisópolis é uma cidade caprichada.” Mas tocou no ponto nevrálgico: a carestia. “O dinheiro do aluguel é sofrido, né? Eu perguntava aqui para o José Rolim quanto é um aluguel aqui. Quanto é um aluguel aqui em Paraisópolis, 300, 400, 500 reais?”

“Por isso, quem tem seu imóvel em Paraisópolis não quer vender porque está valorizando cada vez mais e a estrutura do bairro, melhorando”, diz Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores de Paraisópolis. “Mas o mesmo não vale para quem paga aluguel.” A vice da organização concorda. “Quem pagava 200 -reais até poucos anos hoje está pagando 500 -reais e ainda periga aumentar”, diz Neusa Vicente. Pois, além do investimento, há o processo de regularização das terras. Duas mil famílias receberam o título de propriedade dos imóveis, e logo passaram a pagar IPTU. “Alguns não conseguem pagar. Eles não estão acostumados com esse gasto a mais”, diz Rosa Richter, ex-diretora do Conseg do Morumbi. “Tanto alguns migram para fora do bairro, especialmente os que não conseguem emprego, quanto muitos migram para dentro do bairro. Com a urbanização, não falta gente querendo se cadastrar para morar numa das unidades da prefeitura. E ficam tristes ao saber que elas são somente para os moradores antigos já cadastrados. E como há empregadas pedindo pelo amor de Deus para conseguirem um apartamento e morar perto das patroas.”

O maior fenômeno imobiliário da região assina embaixo. “A gente está vendo na pele dos outros. Depois que a prefeitura entrou, chegaram empresas, o aluguel explodiu. Um imóvel com dois cômodos e banheiro, há cinco anos se alugava por 150 reais. Hoje, alugo por 380”, diz Helena dos Santos, dona de uma imobiliária em Paraisópolis.

“Em relação à simples remoção, o processo de urbanização já é um avanço”, diz a urbanista Mariana Fix, especialista em favelização. “Mas, claro, há modos diferentes de fazer urbanização de favela, desde o que trabalha apenas com a legalização da terra e colocação dela no mercado até o que propõe ações habitacionais mais inclusivas.” Não que a urbanização promovida pelo poder público seja ruim. Há décadas carentes de investimento, favelas como Rocinha e Paraisópolis anseiam por melhorias. Mas é preciso olhar com atenção para quem acaba à margem da panaceia urbanizadora.

“O bairro está uma maravilha”, diz o otimista José Manoel Brizola, membro do Conselho Gestor de Urbanização de Paraisópolis. “Mas, se a prefeitura não resolver a falta de moradia, as pessoas que moram aqui há muito tempo não poderão pagar aluguel, conta de água, com o preço do jeito que está. Do contrário, cada vez mais pessoas vão abandonar o bairro.”

Eliana Calmon: “eu não vou esmorecer”



Depois de um mês de bombardeio, o Estadão abre espaço para a Ministra Eliane Calmon, ministra do STF e Corregedora do Conselho Nacional de Justiça.

Para quem é republicano e não considera que ninguém está acima da lei, muito menos o Poder Judiciário, é um dever saber o que ela diz, desde lá das entranhas da própria Justiça.

“Estou vendo a serpente nascer, não posso calar”, diz Eliana Calmon

Após ataques de ministro do Supremo, corregedora nacional da Justiça afirma que não irá esmorecer na investigação do Judiciário

Fausto Macedo, de O Estado de S.Paulo

SÃO PAULO – Alvo de 9 entre 10 juízes, e também do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que não aceitam seu estilo e determinação, a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional da Justiça, manda um recado àqueles que querem barrar seu caminho. “Eles não vão conseguir me desmoralizar, isso não vão conseguir.”
Calmon avisa que não vai recuar. “Eu estou vendo a serpente nascer, não posso me calar.”

Na noite desta segunda feira, 9, o ministro do STF disparou a mais pesada artilharia contra a corregedora desde que ela deu início à sua escalada por uma toga transparente, sem regalias.
No programa Roda Viva, da TV Cultura, Marco Aurélio partiu para o tudo ou nada ao falar sobre os poderes dela no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Ela tem autonomia? Quem sabe ela venha a substituir até o Supremo.”

Ao Estado, a ministra disse que seus críticos querem ocultar mazelas do Judiciário.

Estado: A sra. vai esmorecer?

MINISTRA ELIANA CALMON: Absolutamente, pelo contrário. Eu me sinto renovada para dar continuidade a essa caminhada, não só como magistrada, inclusive como cidadã. Eu já fui tudo o que eu tinha de ser no Poder Judiciário, cheguei ao topo da minha carreira. Eu tenho 67 anos e restam 3 anos para me aposentar.

ESTADO: Os ataques a incomodam?

ELIANA CALMON: Perceba que eles atacam e depois fazem ressalvas. Eu preciso fazer alguma coisa porque estou vendo a serpente nascer e eu não posso me calar. É a última coisa que estou fazendo pela carreira, pelo Judiciário. Vou continuar.

ESTADO: O que seus críticos pretendem?

ELIANA CALMON: Eu já percebi que eles não vão conseguir me desmoralizar. É uma discussão salutar, uma discussão boa. Nunca vi uma mobilização nacional desse porte, nem quando se discutiu a reforma do Judiciário. É um momento muito significativo. Não desanimarei, podem ficar seguros disso.

ESTADO: O ministro Marco Aurélio deu liminar em mandado de segurança e travou suas investigações. Na TV ele foi duro com a sra.

ELIANA CALMON: Ele continua muito sem focar nas coisas, tudo sem equidistância. Na realidade é uma visão política e ele não tem motivos para fazer o que está fazendo. Então, vem com uma série de sofismas. Espero esclarecer bem nas informações ao mandado de segurança. Basta ler essas informações. A imprensa terá acesso a essas informações, a alguns documentos que vou juntar, e dessa forma as coisas ficarão bem esclarecidas.

ESTADO: O ministro afirma que a sra. violou preceitos constitucionais ao afastar o sigilo de 206 mil investigados de uma só vez e comparou-a a um xerife.

ELIANA CALMON: Ficou muito feio, é até descer um pouco o nível. Não é possível que uma pessoa diga que eu violei a Constituição. Então eu não posso fazer nada. Não adianta papel, não adianta ler, não adianta documentos. Não adianta nada, essa é a visão dele. Até pensei em procura-lo, eu me dou bem com ele, mas acho que é um problema ideológico. Ou seja, ele não aceita abrir o Judiciário.

ESTADO: O que há por trás da polêmica sobre sua atuação?

ELIANA CALMON: Todo mundo vê a serpente nascendo pela transparência do ovo, mas ninguém acredita que uma serpente está nascendo. Os tempos mudaram e eles não se aperceberam, não querem aceitar. Mas é um momento que eu tenho que ter cuidado para não causar certo apressamento do Supremo, deixar que ele (STF) decida sem dizer, “ah, mas ela fez isso e aquilo outro, ela é falastrona, é midiática”. Então eu estou quieta. As coisas estão muito claras.

ESTADO: A sra. quebrou o sigilo de 206 mil magistrados e servidores?

ELIANA CALMON: Nunca houve isso, nunca houve essa história. Absolutamente impossível eu pedir uma quebra de sigilo de 206 mil pessoas. Ninguém pode achar na sua sã consciência que isso fosse possível. É até uma insanidade dizer isso. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) age com absoluta discrição, como se fosse uma bússola. Aponta transações atípicas. Nunca ninguém me informou nomes, nada. Jamais poderia fazer uma quebra atingindo universo tão grande. Mas eu tenho anotações de alguns nomes, algumas suspeitas. Então, quando você chega num tribunal, principalmente como o de São Paulo, naturalmente que a gente já tem algumas referências, mas é uma amostragem. Não houve nenhuma devassa, essa é a realidade.

ESTADO: A sra. não tinha que submeter ao colegiado o rastreamento de dados?

ELIANA CALMON: O regimento interno do CNJ é claro. Não precisa passar pelo colegiado, realmente. E ele (ministro Marco Aurélio) deu a liminar (ao mandado de segurança)e não passou pelo Pleno do STF. E depois que eu fornecer as informações ao mandado de segurança e depois que eu der resposta à representação criminal ficarei mais faladora. Estou muito calada porque acho que essas informações precisam ser feitas primeiro. Eu não vou deixar nada sem os esclarecimentos necessários.

ESTADO: Duas liminares, dos ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, ameaçam o CNJ. A sra. acredita que elas poderão ser derrubadas pelo Pleno do STF?

ELIANA CALMON: Esperança eu tenho. Agora, tradicionalmente o STF nunca deixou o seu presidente sem apoio, nunca. Todas as vezes eles correram e conseguiram dar sustentação ao presidente. Qual é a minha esperança: eu acho que o Supremo não é mais o mesmo e a sociedade e os meios de comunicação também não são mais os mesmos. Não posso pegar exemplos do passado para dizer que não acredito em uma decisão favorável. Estamos vivendo um outro momento. Não me enche de esperanças, mas dá esperanças para que veja um fato novo, não como algo que já está concretizado. Tudo pode acontecer.

ESTADO: O ministro Marco Aurélio diz que a competência das Corregedorias dos tribunais estaduais não pode ser sobrepujada pelo CNJ.

ELIANA CALMON: Tive vontade de ligar, mandar um torpedo (para o programa Roda Viva) para dizer que as corregedorias sequer investigam desembargador. Quem é que investiga desembargador? O próprio desembargador. Aí é que vem a grande dificuldade. O grande problema não são os juízes de primeiro grau, são os Tribunais de Justiça. Os membros dos TJs não são investigados pelas corregedorias. As corregedorias só tem competência para investigar juízes de primeiro grau. Nada nos proíbe de investigar. Como juíza de carreira eu sei das dificuldades, principalmente quando se trata de um desembargador que tem ascendência política, prestígio, um certo domínio sobre os outros.

ESTADO: A crise jogou luz sobre pagamentos milionários a magistrados.

ELIANA CALMON: Essas informações já vinham vazando aqui e acolá. Servidores que estavam muito descontentes falavam disso, que isso existia. Os próprios juízes falavam que existia. Todo mundo falava que era uma desordem, que São Paulo é isso e aquilo. Quando eu fui investigar eu não fui fazer devassa. São Paulo é muito grande, nunca foi investigado. Não se pode, num Estado com a magnitude de São Paulo, admitir um tribunal onde não existe sequer controle interno. O controle interno foi inaugurado no TJ de São Paulo em fevereiro de 2010. São Paulo não tem informática decente. O tribunal tem uma gerência péssima, sob o ponto de vista de gestão. Como um tribunal do de São Paulo, que administra mais de R$ 20 bilhões por ano, não tinha controle interno?

ESTADO: Qual a sua estratégia?

ELIANA CALMON: Primeiro identificar a fonte pagadora em razão dessas denúncias e chegar a um norte. São Paulo não tem informática decente. Vamos ver pagamentos absurdos e se isso está no Imposto de renda. A declaração IR até o presidente da República faz, vai para os arquivos da Receita. Não quebrei sigilo bancário de ninguém. Não pedi devassa fiscal de ninguém. Fui olhar pagamentos realizados pelo tribunal e cotejar com as declarações de imposto de renda. Coisa que fiz no Tribunal Regional do Trabalho de Campinas e no tribunal militar de São Paulo, sem problema nenhum. Senti demais quando se aposentou o desembargador Maurício Vidigal, que era o corregedor do Tribunal de Justiça de São Paulo. Um magistrado parceiro, homem sério, que resolvia as coisas de forma tranquila.